A luta democrática do Brasil de Lula não é a mesma dos EUA de Biden

Realpolitik e hegemonismo são inerentes à ação de uma potência imperialista como os EUA, escreve o jornalista José Reinaldo

Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden e o Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Fotografia oficial. Casa Branca, Washington (EUA). 10/02/2023
Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden e o Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Fotografia oficial. Casa Branca, Washington (EUA). 10/02/2023 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)


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José Reinaldo Carvalho, 247 - Um consenso nacional deste início de governo é a vitória política e diplomática alcançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com suas iniciativas diplomáticas, destacadamente a  viagem aos Estados Unidos e as conversações mantidas com o titular da Casa Branca, Joe Biden.

Em poucas semanas de governo, Lula tirou o Brasil do isolamento e da condição de pária internacional em que se tinha convertido durante o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, abriu novas perspectivas para tornar-se de novo um protagonista de peso nos assuntos internacionais. 

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Com grande sentido para o que é prioritário na conjuntura política mundial, Lula enfatizou a necessidade de promover a paz no conflito que há um ano grassa no Leste europeu, defendeu a criação de novos mecanismos conducentes a uma governança global, defendeu os interesses do Brasil e de outras nações emergentes ao propor mudanças no Conselho Permanente da Segurança das Nações Unidas, atuou de maneira solidária com países fraternos da região latino-americana, como Cuba e Venezuela, condenando sanções e bloqueios, anunciou a abertura de novo capítulo de relacionamento com o continente africano, deu publicidade a sua agenda de curto prazo no palco internacional, confirmando a visita à China, parceiro estratégico de alto nível e reafirmou a importância da integração latino-americana e caribenha. 

Em meio a tantos temas de relevância estratégica reveladores do empenho do presidente Lula em promover as grandezas do Brasil, a parcela filo-estadunidense das elites brasileiras, incluindo a mídia neocolonizada, prefere enfatizar como o ganho maior da visita de Lula à superpotência imperialista do norte a suposta identidade e a pretendida aliança em torno da luta pela democracia. Ninguém de sã consciência há de negar a importância da defesa do estado democrático de direito, das liberdades, da estabilidade das instituições quando o país ainda vive sob o impacto de uma intentona golpista, com ares de terrorismo, levada a efeito por forças da extrema direita bolsonarista. Nesse sentido, a solidariedade na luta contra o golpe manifestada pelo presidente Biden e outros líderes de potências ocidentais é um dos trunfos de que as forças democráticas brasileiras se valem para neutralizar os fascistas. 

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No comunicado conjunto após o encontro Lula-Biden, há uma referência à realização, em março próximo, da segunda Cúpula pela Democracia, precisamente nos dias 29 e 30, sob os auspícios dos EUA, tendo como co-organizadores os líderes da Costa Rica, Países Baixos, República da Coreia, e República da Zâmbia, segundo anúncio do Departamento de Estado dos EUA.  

A primeira "Cúpula pela Democracia", ocorreu nos dias 9 e 10 de dezembro de 2021 e, ainda nas condições da pandemia de covid-19, foi feita no modo virtual. Malgrado a maciça propaganda e pesado investimento diplomático, à parte a retórica com que Biden tentou convencer o mundo de que seu país lidera o soerguimento da democracia no mundo, o encontro foi fortemente marcado pela clivagem "democracia versus autoritarismo", por fortes ataques aos países cujos sistemas políticos, democráticos à sua maneira e peculiaridades nacionais, são hostilizados pelo imperialismo estadunidense. Nesse sentido, pode-se dizer que longe de se caracterizar como democrática, a "cúpula pela democracia" de Biden foi um ensaio geral para pôr em execução mecanismos de intervenção nos assuntos internos de outros países.  Não passou de mais uma tentativa da superpotência do Norte para instrumentalizar a democracia e os direitos humanos como arma para o exercício de sua hegemonia.  

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Os EUA usaram o seu poder na convocação da cúpula, mobilizaram os seus aliados e tudo fizeram para depreciar países como a China, Cuba, Rússia, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Irã, entre outros. A lista de convidados foi elaborada segundo critérios arbitrários, presididos por uma lógica hegemonista e ao serviço da estratégia de contenção de países que desempenham fator decisivo para a democratização das relações internacionais, a cooperação global e a paz mundial. 

A convocação da segunda cúpula tem os mesmos vícios, o balanço de realizações desde a primeira, e seu programa de ação demonstram cabalmente que são inteiramente distintas as perspectivas brasileira e estadunidense quando o assunto é democracia. O nosso povo, sob a liderança do governo de Lula, tem o desafio de fortalecer suas próprias instituições democráticas no enfrentamento à extrema direita local, como condição indispensável à promoção do desenvolvimento nacional e progresso social. Não vinculamos nossa vocação democrática a quaisquer pretensões intervencionistas em relação aos vizinhos, nem estamos dispostos a nos submeter a estratégias de dominação de uma superpotência que luta pela hegemonia mundial. 

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A convocação da segunda cúpula, sob o pretexto de fortalecer a democracia no mundo, pretende avançar na criação de mecanismos, via agências estadunidenses, entre estas Usaid, para fortalecer ativistas e meios de comunicação designados como independentes, além de ativar uma agenda de "luta contra a corrupção", que abre a perspectiva de mais lawfare e mais fabricação de celebridades da estatura política, jurídica e moral de gente como os ex-juízes e ex-procuradores de operações de triste memória como a Lava Jato, mutiladoras da democracia e das economias nacionais. Vem aí uma iniciativa chamada de "Compromisso Estratégico Multilateral de Combate à Corrupção".

A segunda cúpula prepara-se para alinhar ações visando à criação de um movimento designado como "Democracy Delivers". "Os Estados Unidos e os nossos parceiros estão empenhados em reforçar o trabalho dos ativistas e outros reformadores que trabalham na linha da frente da renovação democrática", diz a convocação da segunda cúpula. 

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Finalmente, os objetivos belicistas, os propósitos intervencionistas e a instrumentalização para  enquadrar os países na estratégia de política externa dos Estados Unidos se explicitam  com o anúncio de que a cúpula visa a "responsabilizar a Rússia e sua máquina de guerra, em resposta à continuação da invasão russa da Ucrânia". 

A segunda cúpula pela democracia patrocinada pelos Estados Unidos não é um marco para a identidade e a aliança entre países independentes, governos progressistas e essa potência imperialista. É, antes e acima de tudo, um instrumento para a hegemonia dos Estados Unidos. 

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O sistema internacional, a governança global, a cooperação, o compartilhamento de valores, entre estes os democráticos, e dos benefícios do desenvolvimento são aspirações dos povos e nações. Alcançá-los depende do grau de realismo com que cada um se conduz no confronto de interesses. Não existe imperialismo benigno. Os países que sabem o que querem para se afiançar no mundo conflituoso em que vivemos devem despir-se de ilusões. 

Realpolitik, hegemonismo e exercício do poder, via diplomacia ou manu militari, são inerentes à ação de uma potência imperialista como os Estados Unidos da América. 

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