A literatura musicada e imortal de Gilberto Gil

Se toda menina baiana tem um santo que Deus dá, Gil tem um jeito de fazer música que Deus só deu para ele

Cantor e compositor Gilberto Gil
Cantor e compositor Gilberto Gil (Foto: Ricardo Stuckert)


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Alô, moça da favela! Não chores mais, pois o palco está pronto para receber o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras. Ele vem chegando a bordo do seu expresso 2222, que parte direto de Salvador para além da eternidade cultural desse país. Gilberto Passos Gil Moreira é uma prova de que o tempo é rei e senhor de tudo. Cantor, compositor, multi-instrumentista e produtor musical, Gil imortaliza a sua obra como uma magnífica literatura musicada. Um cálice transbordante de versos divinos e maravilhosos. Gil e o seu cérebro eletrônico construíram um acervo musical essencial à raça humana, que vive dividida entre a luz e escuridão, esperando a paz invadir o seu coração.

São mais de 60 álbuns lançados e aproximadamente 4 milhões de cópias vendidas. Uma extensa discografia que se confunde com a própria música popular brasileira, sob uma versatilidade pulsante que, quando não esteve à frente do seu tempo, soube reinventar o seu baião rumo à atemporalidade. Gilberto Gil sempre esteve aqui e agora fazendo da MPB o melhor lugar do mundo para se viver. Atrás do seu trio só não foi quem já morreu ou quem nunca quis experimentar a novidade que ele sempre tem a oferecer no seu vasto repertório. Entre os ateus, ele é o mais religioso. Enquanto toca o seu alujá para o Rei Xangô, asperge água benta na lavagem do Bonfim e emana todo o axé de sua musicalidade sobre a nossa cultura. Gil é um êxtase musical .

Do exilio em Londres cantou a saudade do mar da Bahia, e, de lá, nos fazia relembrar do quanto a arte brasileira precisava do seu ativismo tropicalista para não cair naquela fossa promovida pela ditadura militar. Futurível, Gil nos ensinou com quantos gigabytes se faz uma jangada que abrigue a vanguarda da tecnologia musical na MPB, quando ainda mal sabíamos navegar nas novas ondas da internet. Na sua geleia geral de letras, ritmos, sons e melodias, a sua figura de retórica musical classicamente popular, nos oferecia a arte do bem dizer através de uma eloquência poética ímpar e singular.

Quis a graça divina que Gilberto Gil fosse brasileiro, para que pudéssemos enfrentar a guerra santa nossa de cada dia andando com fé. Porque a fé, assim como ele, não costuma falhar. Gil é uma joia rara e chega na academia para dar aquele realce e levar um pouco de punk da periferia para a nossa aristocracia literária. É refazenda! É refavela! É refestança! É o reflorestamento da nossa cultura tão desmatada e maltratada pela pessoa nefasta que atualmente governa o país. A posse de Gilberto Gil na Academia Brasileira de Letras, deveria ser realizada em forma de procissão, prece e muito baticum, em agradecimento a nossa senhora da boa música pela sua existência cultural.

Se toda menina baiana tem um santo que Deus dá, Gil tem um jeito de fazer música que Deus só deu para ele. Deu-lhe também a responsabilidade de ser apenas o segundo negro a figurar atualmente entre os imortais do seleto grupo. Representatividade da cultura negra num ambiente tradicionalista e com requintes de colonialidade. E que o segurança da academia não ouse pedir o crachá ao preto que dona Canô mais gostava. A arte de Gil tem acesso livre e obrigatório a todos os cantos desse país. Ela, que só queria um xodó para acabar com o seu sofrer, ganhou um amor imortal para viver o tempo todo para ela. Parabéns à literatura brasileira!

Ao mestre Gilberto Gil, aquele abraço!

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