A Justiça e o consumidor no Brasil: um caso sério

Na briga de gato e rato entre as empresas, órgãos reguladores, entidades de defesa do consumidor e Justiça, as empresas sempre saem ganhando. A criatividade corporativa para inventar formas de se dar bem em cima do cliente é invejável



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A Constituição do Brasil garante que toda lesão ou ameaça a direito não poderá ser excluída, por lei, do direito de apreciação pelo Judiciário. Esse fato deveria dar aos brasileiros um sentimento de segurança, no entanto, não dá. O que reza a  Constituição deveria ser o suficiente, mas não é.

Ao ler que a fabricante de carros japonesa Toyota terá de pagar US$ 1,2 bilhão ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos por ter enganado consumidores em campanha de recall no país, fiquei imaginando porque isso não acontece por aqui. Por falta de consumidores lesados, com certeza, não é.

Esta é a maior multa cobrada de um fabricante de veículos até hoje e deverá ser quitada ainda este mês. De acordo com anúncio do governo americano a fabricante de veículos japonesa admite que enganou os consumidores ao omitir informações e ao fazer falsas declarações sobre dois problemas de segurança, sendo que cada um deles causava aceleração involuntária dos carros. O acordo entre a Toyota e o Departamento de Justiça encerra uma investigação de quatro anos das autoridades norte-americanas.

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Além de pagar a multa, o acordo feito pela justiça com a Toyota determina que a empresa admita a responsabilidade pelos danos causados e que se submeta a auditoria de uma empresa independente.

No Brasil, representantes togados dos tribunais superiores estão mais preocupados em ter ação política e posarem de estrelas diante dos holofotes da mídia comercial do que de agirem imparcialmente. E o pior: estão tão cientes da impunidade que confessam publicamente que agem de forma tendenciosa para alcançar os resultados de sua preferência nos julgamentos.

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A maioria dos brasileiros não acredita na Justiça do país. Ela é vista como lenta e inoperante, atuando como refúgio seguro dos faltosos, caloteiros e grandes empresas que não cumprem obrigações assumidas em contratos.

Esse fato, obviamente, não acontece por acaso. Todos nós conhecemos casos de espera de anos e anos na Justiça por uma decisão. Para citar apenas um exemplo, de extrema importância, apenas 12 dos 27 tribunais de Justiça estaduais atingiram ao menos 50% da meta da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) que estabelecia que os juízes analisassem, até o fim de 2012, todos os processos por homicídios ajuizados até 31 de dezembro de 2008.

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A meta foi estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2010, quando foram contabilizadas 60.650 ações penais ajuizadas até o fim de 2008. A fase de pronúncia nos processos penais, quando o juiz decide se o caso é para julgamento em tribunal de júri, é importantíssima, porque interrompe o prazo de prescrição da denúncia.

Se esses tipos de ações não são cumpridas, imagine-se o que pode acontecer a simples consumidores lesados por grandes corporações e seus departamentos jurídicos preparados para atuar na justiça de forma a protelar indefinidamente os resultados.

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No Brasil, quando acontecem, as multas são tão baixas que parecem piadas se comparadas ao patrimônio das empresas, ou aos lucros  obtidos com os procedimentos irregulares. A maior multa imposta no  ano passado, a um grande banco nacional  foi de R$ 666,2 mil, aplicada por publicidade irregular, na qual os fundos de renda fixa foram ofertados sem a adequada informação relativa aos riscos envolvidos.

Outros dois bancos foram condenados a pagar R$ 532 mil cada, por envio de cartão de crédito não solicitado por consumidores, descumprindo um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado, em 1998, entre o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) e as empresas fornecedoras de cartões de crédito, para que deixassem de enviá-los aos consumidores sem prévia solicitação. No entanto, o Ministério da Justiça recebeu denúncias de que os cartões continuavam sendo enviados.

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O processo contra um desses bancos estava correndo há mais de dez anos, mesmo fazendo parte da lista dos TOP 30 do Tribunal de Justiça, aquela que enumera as empresas mais processadas nos juizados especiais cíveis.

Para um consumidor que recebeu um cartão de crédito sem ter pedido, e que tenha  tido prejuízos como cobrança indevida, é muito frustante esperar dez anos para ver o banco ser multado por essa prática ilegal.

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Resumo da ópera, as empresas sabem que cometem práticas ilegais, o consumidor prejudicado denuncia o abuso, as agências reguladoras sabem o que está acontecendo, mas os trâmites,  a quantidade de recursos e a ação dos doutores da Justiça fazem com que estes processos se transformem  praticamente num total engodo: eu finjo que regulo, você finge que é regulado e a gente finge que vivemos num mercado competitivo e justo. Enquanto isso, o consumidor é o único prejudicado.

A situação brasileira me lembra uma espécie de fábula muito ilustrativa que me caiu nas mãos há pouco tempo: “Morto, e chegado à Barca do Inferno um juiz, carregado de processos, pergunta ao diabo para onde vai a barca. O diabo pergunta-lhe cinicamente: " Para onde vai  o Direito?" e convida-o a entrar.  

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O juiz rejeita-se a embarcar, argumentando em latim que por trabalhar com as leis não poderia ser um pecador. O diabo, respondendo na mesma linguagem hermética do acusado, afim de que não restasse dúvida sobre o que dizia, acusa o juiz de ter pervertido a Justiça, dando tratamento preferencial às pessoas de quem recebera peitas. O juiz procura um bode expiatório acusando sua mulher de aceitar  os subornos, mas o diabo lhe ordena que entre na barca, lembrando que todo aquele papel dos processos seria um ótimo combustível para o fogo do Inferno.

No meio da discussão chega um procurador, que se dirige ao juiz, seu conhecido, "beijando-lhe as mãos" e querendo saber o que se passava. O diabo interrompe a conversa e afirma que ambos seriam ótimos remadores rumo ao Inferno.

O procurador, que se considera uma pessoa dedicada à causa popular, achou que aquilo era uma brincadeira de mau gosto, e decidem os dois tentarem entrar no Paraíso. A caminho do Céu, o juiz conta ao procurador que, antes de morrer ocultara do confessor tudo aquilo que roubara em vida. Ao chegarem, tudo o que ouviram de São Pedro foi que  ambos teriam sido injustos para com os fracos e complacentes para com os poderosos, em troca de soldo ou de dádivas e mereciam por isso ir para o Inferno, carregados com os fardos dos seus processos.”

Os consumidores brasileiros não podem aceitar esta situação simplesmente porque uma Justiça lenta não é Justiça justa. A sabida morosidade dos processos, sejam administrativos ou judiciais, encorajam as empresas a optarem pelas pequenas lesões em massa. Os truques da informação incompleta, a simples não entrega do serviço comprado, as peripécias do marketing que escondem o custo financeiro dos créditos, as pegadinhas dos pacotes, taxas que aparecem do nada, enfim, a lista dos pequenos abusos é grande e conhecida por todos, e desembocam no problema mais reclamado: a cobrança indevida.

Na briga de gato e rato entre as empresas, órgãos reguladores, entidades de defesa do consumidor e Justiça, as empresas sempre saem ganhando. A criatividade corporativa para inventar formas de se dar bem em cima do cliente é invejável. Criam necessidades, vendem o que não podem entregar, embalam ideias perversas com anúncios inocentes. E quando são pegos em poucos casos, no meio de uma ilegalidade em massa, contam a colaboração da morosidade da Justiça.

Devemos nos unir  pela cobrança de um tratamento diferenciado e mais rápido para os casos de lesões ao consumidor. Vamos nos posicionar. Esta situação tem que mudar!

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