A Justiça dá as cartas

O ensaio de censura na carta do magistrado de Curitiba, que é uma criação da própria mídia, parece confirmar as suspeitas de que já vivemos sob a ditadura da toga

Brasília- DF- Brasil- 07/04/2015- O juiz federal Sérgio Moro participa de apresentação de um conjunto de medidas contra a impunidade e pela efetividade da Justiça, na sede Associação dos Juízes Federais do Brasil (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Brasília- DF- Brasil- 07/04/2015- O juiz federal Sérgio Moro participa de apresentação de um conjunto de medidas contra a impunidade e pela efetividade da Justiça, na sede Associação dos Juízes Federais do Brasil (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil) (Foto: Ribamar Fonseca)


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Recentemente o juiz Sergio Moro mandou carta para a "Folha de São Paulo" reclamando da publicação de um artigo do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, membro do Conselho Editorial daquele jornal, que o criticou severamente no último dia 11, dizendo, entre outras coisas, que o magistrado "não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista". Depois de lamentar que "um respeitado jornal como a Folha conceda espaço para a publicação de artigos" como esse, o juiz advertiu em sua carta que "a publicação de opiniões panfletárias-partidárias deveria ser evitada, ainda mais por jornais com a tradição e a história da Folha". A carta de Moro, que evidencia uma atitude autoritária característica de tiranos, foi muito mal recebida nos meios jornalísticos, onde foi interpretada como uma tentativa de censura prévia à imprensa. Ao que parece, porém, o magistrado conseguiu intimidar o jornal, que se limitou a dizer, timidamente, que a opinião de Cerqueira não era a sua.

O colunista Kennedy Alencar, a propósito, chegou a classificar de "preocupante" a correspondência do magistrado, dizendo que "não cabe a um juiz exercer o papel de editor de jornal". Mais adiante Kennedy disse que "esse tipo de atitude é autoritária e perigosamente moralista para quem detém tanto poder como Moro", acrescentando que tal comportamento "soa como tentativa de interferência na liberdade de imprensa, sugerindo controle prévio de informações e críticas". Celebrizado pela mídia e enfeixando poderes quase absolutos, que lhe permitem inclusive ignorar as leis e a própria Constituição, o comandante da Lava-Jato, cujas ações têm merecido a aprovação dos órgãos superiores da Justiça e o apoio da mesma imprensa, aparentemente se habituou a ser incensado pela mídia e por isso não admite nenhuma crítica, embora nem o Presidente da República, a maior autoridade do país, esteja imune a elas.

O ensaio de censura na carta do magistrado de Curitiba, que é uma criação da própria mídia, parece confirmar as suspeitas de que já vivemos sob a ditadura da toga. Percebe-se, sem muita dificuldade, que praticamente toda a vida do país passa pelo Judiciário, cujos membros decidem sobre a vida de pessoas e empresas e, inclusive, sobre atos do Executivo e do Legislativo. Agora mesmo constata-se que a sobrevivência do governo Temer está praticamente nas mãos do ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, onde tramita a ação do PSDB pedindo a cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder econômico. Como Dilma já foi cassada, resta Temer, que pode a qualquer momento ser defenestrado do Palácio do Planalto, bastando para isso que o presidente da Corte Eleitoral coloque a ação tucana em pauta. Diante disso, conclui-se que não foi por mero acaso e nem encontro de velhos amigos a recente reunião de Temer com o ex-presidente tucano Fernando Henrique e o ministro também tucano Gilmar Mendes, nomeado por ele.

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Aparentemente a ação do PSDB no TSE foi o principal tema do encontro, embora oficialmente anunciado como uma reunião destinada ao aconselhamento de Temer com FHC. Se esse fosse realmente o motivo do encontro seria estranha a presença de Gilmar, o que muda de figura, no entanto, quando entra em cena a ação do TSE. Essa ação também teria sido o tema do encontro entre a presidenta do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmem Lúcia, e os ministros Gilmar Mendes, daquela Corte, e Henrique Meirelles, da Fazenda. Afinal, que outro assunto poderia reunir essas três autoridades senão algo relacionado com a Justiça e o Governo Federal? No caso, a Justiça Eleitoral. O que pode significar que o mandato de Temer está em discussão informal no âmbito do Judiciário, numa possível avaliação preliminar sobre as consequências, para a economia, da sua eventual cassação, o que explicaria a presença de Meirelles no encontro.

Tudo leva a crer que o Supremo, que apoiou o golpe e a ascensão de Temer, está cauteloso quanto à possibilidade da cassação do mandato dele pelo TSE e o agravamento da situação política e econômica do país. Talvez por isso o ministro Luiz Fux, que é o vice-presidente do TSE, tenha dito que é possível separar as contas de campanha de Dilma do vice que a substituiu, de modo a que o julgamento dos dois se faça separadamente. Quando eles querem, obviamente, tudo é possível, mas será bem difícil explicar essa separação, já que a campanha eleitoral não é separada, ou seja, não existe campanha do candidato à Presidência e do vice. A campanha da chapa é uma só. De qualquer modo, como é evidente que eles querem preservar Temer e seu governo, conforme já deixou claro o ministro Fux, que recentemente arquivou sumariamente uma denúncia contra o ministro da Justiça Alexandre de Moraes, tudo indica que deverão encontrar um meio de deixá-lo de fora da ação do PSDB.

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Isso não significa, no entanto, que Temer poderá respirar aliviado, imaginando estar fora de perigo. Na verdade, ele continuará nas mãos dos tucanos, que certamente usarão a ação para obrigá-lo a cumprir sua agenda neoliberal, impedindo-o de qualquer tentativa de rebelar-se contra as suas imposições. Provavelmente graças a esse trunfo é que o ministro tucano Alexandre de Moraes ainda não perdeu o cargo. A reunião de "velhos amigos" entre Temer, FHC e Gilmar, no entanto, não deve ter garantido que a ação não será colocada na pauta do TSE no próximo ano, pois é evidente que os tucanos pretendem eleger um novo presidente, por eleição indireta, antes de 2018. Não fora isso, e seria muito simples solucionar o problema com o PSDB retirando a ação daquela Corte. É óbvio, porém, que isso eles não farão, porque não vão querer perder essa oportunidade de conquistar o Palácio do Planalto sem precisar passar pelo voto popular, que os tem feito colecionar derrotas.

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