A irrefreável marcha cívico-escatológica

Entre um pé no basta e um pé na bosta, ou um pé à frente e outro atrás, pensamos que avançamos, sem, na verdade, termos sequer saído do lugar. Ou até, ao que tudo indica, dado um passo atrás



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Já vou logo avisando: não se incomode com um suposto mau gosto no uso de algum termo, ou até mesmo com um possível estranhamento causado pela utilização dessa expressão, composta por palavras aparentemente tão singulares, excludentes e inconciliáveis no título ou no corpo deste artigo: “cívico-escatológica”. Não se incomode. Releve. Siga adiante.

Não se incomode e não se acomode, mas a nossa realidade, desgraçadamente, tem sido, eventualmente, assim mesmo: esdrúxula, finória, suja, ilógica, repulsiva, inconciliável, irreconciliável, ignóbil; por vezes, uma excrescência.

A minha modesta intenção aqui é que você, ciente dos passos cadenciados dessa marcha insensata, escolha, por si próprio, qual será o seu/nosso próximo passo, e não se guie pelo ímpeto daqueles que marcham à revelia de sua própria vontade.

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Ou até mesmo para que você, caso queira, já vá ensaiando a marcação de tal infame marcha, tão brasileira e cadenciada – se é que você é realmente um “patriota”, dado a marchas, ou até mesmo um insuspeito e entusiasmado admirador desse nosso inesgotável e “grandioso” desfile cívico.

Ensaiemos todos pois! Passo a passo. Os jovens, os idosos, homens e mulheres, as crianças, os bebês! Sim, até os bebês, em seus primeiros passos! As crianças nas ruas – como se brincassem de amarelinha –, nas creches, nos playgrounds dos prédios. Os jovens nos parques, nos clubes, nas escolas, nas praias. Os trabalhadores nas repartições ou nos pátios das fábricas – como se fora uma espécie de ginástica laboral.

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É assim a marcação, perceba a cadência: um pé no basta e o outro pé na bosta.

Atenção! Um pé de cada vez: um pé no basta, o outro na bosta; pé no basta, pé na bosta. E assim sucessivamente. E de trás para frente, também: bosta, basta; basta, bosta...

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Olhe para o nosso passado recente, para nossa história contemporânea, e vislumbre, com seus próprios olhos, tal infame marcha.

Em 1984, saímos às ruas para pedir “Diretas Já!”. Basta. Décadas mais tarde, em 2015, multidões sairiam às ruas, notadamente em SP, para pedir “Intervenção Militar Já!”. Bosta.

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 A marcha atravessa e atravanca a História.

Não conquistamos as “Diretas Já”, na década de 1980, mas celebramos a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Basta. Tancredo, infelizmente, morreu antes de ser empossado. Assumiu seu vice, Sarney. Bosta.

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Depois, finalmente, nas primeiras eleições diretas para presidente da República, depois da longa noite que nos foi imposta pelo golpe de 1964 (e que durou 21 anos), disputada entre Collor e Lula, o país, embalado pela rede Globo, escolheu Collor. Bosta. Depois, jovens imberbes, chamados à época de “caras pintadas”, saíram às ruas pelo impeachment de Collor. Basta.

Ainda na onda do “basta”, anos depois, o país elegeria um sociólogo tido como “de esquerda”, um social democrata. Mas este promoveria uma tortuosa “privataria” e, em seguida, compraria a sua reeleição conduzindo o país à bancarrota. Bosta.

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Quando a situação do país tornou-se insustentável e insuportável, o povo, finalmente, elegeu seu primeiro presidente oriundo das classes mais pobres, um ex-metalúrgico e sindicalista. Basta.

O país então viveu anos de crescimento econômico, protagonismo mundial e relativo desenvolvimento social, com a inclusão de dezenas de milhões de pobres e miseráveis que, finalmente, passariam a usufruir, minimamente, das riquezas do país. Basta?

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Lula reelegeu-se e elegeu sua sucessora.

O fim da história, já se sabe: parte majoritária das elites do país uniu-se então ao capital financeiro e às oligarquias mais retrógradas e usurpadoras, e, com o apoio luxuoso da grande imprensa e do Judiciário, deu um golpe parlamentar na primeira mulher eleita presidente no país, anulando os votos e a vontade de mais de 54 milhões de brasileiros, usurpando o poder e violando assim a nossa jovem democracia. Bosta.

Entre um pé no basta e um pé na bosta, ou um pé à frente e outro atrás, pensamos que avançamos, sem, na verdade, termos sequer saído do lugar. Ou até, ao que tudo indica, dado um passo atrás.

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