A hora e a vez de Sua Majestade, a Hipocrisia

Aécio se esquece que é ele, precisamente, um dos políticos mais denunciados nas delações dentro da Operação Lava-Jato. Claro que ele sabe que jamais deixará de contar com o manto protetor de um sistema judiciário absolutamente politizado, que o vem protegendo de ter que testemunhar, evadindo assim qualquer necessidade de confessar o que seja

Aécio se esquece que é ele, precisamente, um dos políticos mais denunciados nas delações dentro da Operação Lava-Jato. Claro que ele sabe que jamais deixará de contar com o manto protetor de um sistema judiciário absolutamente politizado, que o vem protegendo de ter que testemunhar, evadindo assim qualquer necessidade de confessar o que seja
Aécio se esquece que é ele, precisamente, um dos políticos mais denunciados nas delações dentro da Operação Lava-Jato. Claro que ele sabe que jamais deixará de contar com o manto protetor de um sistema judiciário absolutamente politizado, que o vem protegendo de ter que testemunhar, evadindo assim qualquer necessidade de confessar o que seja (Foto: Eric Nepomuceno)


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(artigo originalmente publicado na Carta Maior)

Existem frases que dispensam comentários e rechaçam desmentidos. Nesta quarta-feira (14/9), quando os jovens promotores da equipe do Ministério Público Federal, responsáveis pela Operação Lava-Jato, disseram que não há provas contra o ex-presidente Lula da Silva, mas sim convicção, ficou claro que o processo contra o político brasileiro está muito mais próximo da Santa Inquisição que da Justiça.

Os abusos e inconsistências apresentadas ao público pelo fiscal encarregado da Lava-Jato, o predicador evangélico Deltan Dallagnol tiveram o efeito de um bumerangue na opinião pública.

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Fascinado e ofuscado pelas luzes da glória, o jovem e messiânico promotor cometeu erros jurídicos dignos de um menino pedante que não sabe sequer o endereço da escola de direito. O mais evidente e escandaloso desses erros primários foi ter dedicado a maior parte do tempo de sua exposição a apontar Lula como chefe de uma organização criminosa, o centro de um universo solar de corrupção, segundo ele.

Provas? Não há, nenhuma. Mas há convicção, como sentenciou um de seus também jovens assistentes. Baseadas em que? Em dados e indícios. Sendo assim, por que não denunciá-lo por formação de quadrilha? Silêncio.

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A reação negativa foi imediata. Da conservadora Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a diários claramente comprometidos com o golpe institucional que destituiu a presidenta Dilma Rousseff (também sem provas e sem crime) e instalou o usurpador Michel Temer na cadeira presidencial, surgiram diversas críticas, com mais ou menos ênfase ao espetáculo circense oferecido pelo irresponsável e vaidoso promotor Deltan Dallagnol, que tenta projetar uma imagem de salvador da pátria, ao estilo do que a imprensa vem comprando ultimamente, mas que até gora vem mostrando um desempenho bastante desastrado.

Foi ele o autor, por certo, da mais grave e extensa de todas as ações cujo objetivo claríssimo é eliminar do cenário político brasileiro o mais popular dos dirigentes das últimas seis ou sete décadas. Entregou em bandeja de prata, aos detratores de Lula da Silva, um arsenal estrondoso.

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Porém, ao mesmo tempo, sua oferta se mostrou uma faca de dois gumes. Era claro que Lula reagiria. Ao transformar seu discurso num feroz pronunciamento político, o pobre Deltan entrou num campo de batalha no qual ele é um torpe e risível amador, e onde Lula é insuperável.

É verdade que ele conseguiu fornecer munição aos que não podem superar Lula nas urnas eleitorais. Alguns, sem limites para a sua hipocrisia, usaram essas mesmas ferramentas para reforçar o discurso violento contra o líder petista. O senador Aécio Neves, por exemplo, um dos cabeças da manobra que resultou no golpe contra Dilma, foi um dos primeiros: logo após ouvir a emotiva defesa pessoal apresentada por Lula da Silva, reclamou da falta de algum tipo de confissão, de mea-culpa por parte dele.

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Aécio se esquece que é ele, precisamente, um dos políticos mais denunciados nas delações dentro da Operação Lava-Jato. Claro que ele sabe que jamais deixará de contar com o manto protetor de um sistema judiciário absolutamente politizado, que o vem protegendo de ter que testemunhar, evadindo assim qualquer necessidade de confessar o que seja – e assim continuará sendo.

Dallagnol, em sua caminhada rumo ao trono de Torquemada, abriu as largas avenidas para que Lula pratique uma de suas especialidades mais conhecidas: o discurso da indignação. Ao denunciar também a esposa do ex-presidente, dona Marisa Letícia, o triste promotor permitiu que Lula se dirigisse ao seu público se apresentando não como um ex-presidente vítima de uma injustiça cósmica, ou como um dirigente político que tem que ser derrotado por seus adversários por qualquer método – já que no jogo eleitoral ele continua sendo favorito, como indicam as pesquisas.

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Permitiu a ele falar como cidadão indignado. Lula contou as humilhações que vem sofrendo com as ações ilegais e abusivas da Polícia Federal, que atuou sob as ordens de outro membro da Santa Inquisição de Curitiba, o provinciano juiz de primeira instância Sérgio Moro. "Chegaram a revisar debaixo do meu colchão", contou Lula. "O que buscavam ali? O ouro de Moscou?". O ex-presidente também contou que se levaram os celulares de suas netas. "Eles não tem o direito de humilhar a minha família", gritou um Lula emocionado, que chorou um mais de um momento.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro dos cabeças do golpe, insinuou que a iniciativa do promotor Dallagnol talvez não tenha sido uma ideia brilhante: "é preciso analisar tudo com muita cautela". Talvez recomendando, com suas palavras, que se a Justiça tenha a mesma cautela com as denúncias contra o seu partido o PSDB, especialmente as que ocorreram em seus mandatos presidenciais, entre 1995 e 2002 – as que são muitas, e que, diferente das do PT e de Lula, vem sendo tratadas com cautela excessiva.

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A hipocrisia chega a níveis olímpicos quando se recorda algo que Lula da Silva destacou em seu discurso de quinta-feira (15/9). Há dois anos, a Polícia Federal encontrou um helicóptero carregado com 400 quilos de cocaína. O veículo pertence ao senador Zezé Perrella, amigo pessoal de Aécio Neves, e seu aliado no golpe e em outros negócios não exatamente republicanos. O fato ocorreu meses antes das eleições de 2014, quando Aécio era o principal candidato da oposição contra Dilma Rousseff, e a total omissão do fato na mídia, além da não investigação do Ministério Público, que levou definitivamente a que terminasse em impunidade, ajudou a candidatura do tucano a chegar ao segundo turno, e ameaçar a vitória petista.

"Comigo, dizem não ter provas, apenas convicção. No caso do helicóptero havia provas, pegaram ele lá cheio de cocaína, o que não havia era convicção", fulminou um Lula da Silva em estado puro, com certa ironia ressaltando a diferença de tratamento por parte das investigações de um caso de outro.

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O mesmo Lula, com a mesma indignação, advertiu os golpistas do Poder Judiciário: "se acreditam que esta história está chegando ao final, se preparem, porque está apenas começando".

Tradução: Victor Farinelli

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