A hora e a vez da sacrossanta alternância

O discurso da alternância no poder tem sentido quando se trata de substituir algo que claramente não funciona por outro projeto viável de futuro

O discurso da alternância no poder tem sentido quando se trata de substituir algo que claramente não funciona por outro projeto viável de futuro
O discurso da alternância no poder tem sentido quando se trata de substituir algo que claramente não funciona por outro projeto viável de futuro (Foto: Eric Nepomuceno)


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(originalmente publicado na Carta Maior)

Aqui, ali e em toda parte, fala-se da necessidade da alternância. Da importância da alternância. Da sua urgente conveniência. Afinal, doze anos de um mesmo partido no poder corroem expectativas e possibilidades. Doze anos de um mesmo partido no poder abrem possibilidades para desvios irremediáveis. Doze anos de um mesmo partido no poder causam o inevitável cansaço nas gentes e provocam a fadiga de um material de valor imensurável: a esperança.

Pode ser, pode ser. O problema é outro: é que por trás da alternância se pressupõe algo mais que a troca de um partido por outro. Na verdade, trata-se de trocar um projeto de governo por outro. E é nesse ponto que devemos analisar o cenário, levando em conta algo essencial: ao longo dos últimos doze anos, o Brasil vive, mais do que um projeto de governo, um projeto de país.

Então, a alternância agora reclamada significa concretamente alternar o projeto que está sendo levado adiante por outro.

Esse é o maior risco visível no horizonte. Antes de mais nada, porém, quero deixar claro que não sou nem nunca fui filiado ao Partido dos Trabalhadores. Aliás, jamais aceitei filiação alguma: não sou nem sócio do Fluminense.

E mais: tenho, com relação ao PT, divergências sem remédio, tanto no que diz respeito a métodos e condutas como o seu sectarismo e, em mais de um aspecto, sua prepotência olímpica.

Nada disso, porém, me impede de enxergar o óbvio: ao longo desses últimos doze anos, meu país mudou. E, atenção: mudou de cara, mas mudou também de corpo e conteúdo. Não foram doze anos de maquiagem: foram de uma mudança concreta, que se ainda não é estrutural é a mais consistente desde os já longínquos anos da Era Vargas.

Foi a partir de 2003 que se abriram possibilidades efetivas de mudança profunda e, em alguns aspectos, radicais.  Não é preciso reiterar, aqui, o quanto falta por ser feito e o quanto precisa ser corrigido. Urge mudar certas rotas para que não se perca o rumo. Mas, como dizia o sábio dos pastéis da esquina, uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.

Pedir e cobrar mudanças e correções dentro de um projeto que efetivamente vem mudando a realidade social do país é uma coisa. Defender a sacrossanta alternância só pela alternância é outra.

Para começo de conversa, qual a alternativa ao projeto que está em marcha? Qual a alternância que as duas outras candidaturas significam?

Uma, a de Aécio Neves, é bastante clara e, sob muitos aspectos, sincera: voltar atrás. Voltar a algo muito parecido ao que foi o governo de Fernando Henrique Cardoso a partir do momento em que se deixou seduzir pelo mel da reeleição.

Curiosa, apesar de sincera, alternativa: a esta altura, retomar um processo interrompido em 2002 justamente pela proposta de um câmbio social no país. Devolver aos seus altares todos os santos do inefável mercado, retomar a cerimônia de adoração da iniciativa privada, sacralizar um sistema mesquinho.

Em outras palavras: devolver dezenas de milhões de brasileiros que saíram das sombras da desesperança, do não-futuro, ao limbo ao qual estiveram relegados ao longo dos séculos. Tornar a convencê-los de que aquela vida de humilhação é seu destino, e não o resultado de um sistema injusto, construído para beneficiar os beneficiados de sempre e relegar ao breu os relegados de sempre.

Já a outra alternativa é mais difícil de se debater, e por duas razões. Primeiro, porque ninguém sabe ao certo o que Marina Silva e seus associados de ocasião propõem, se é que estão propondo alguma coisa. Querem, diz a messiânica criatura, mudar tudo que está aí e instaurar o reino do novo. Como fazer isso, e principalmente qual é precisamente a novidade que trarão, ninguém sabe.

E segundo, porque entre idas e voltas, entre afirmações e desmentidos, torna-se impossível – ao menos para mim – entender o que ela diz ou acha que diz quando fala.

Os três caminhos que se abrem ao eleitor brasileiro são esses: a volta ao passado, o salto no precipício das contradições, da incongruência e da inconsistência, ou aprimorar o que foi e vem sendo feito.

Aécio Neves, com seu discurso flácido, pelo menos propõe algo palpável. Marina Silva é uma usina de platitudes que seriam inócuas se não ocultassem uma verdade: o que se aplicaria num eventual governo seu seria exatamente o mesmo credo econômico que o candidato do PSDB assume de maneira mais clara e leal. E com um perigo a mais: um neoliberalismo deslavado embutido num projeto doidivanas.

O discurso da alternância tem sentido quando se trata de substituir algo que claramente não funciona por outro projeto viável de futuro.

No caso destas eleições, o que está sendo proposto ao eleitorado é alternar o que, apesar da necessidade de se aprimorar, mudou de forma concreta o país, com a volta ao breu.

Essa a verdadeira proposta feita ao eleitor: escolher entre futuro e passado, entre justiça social e a volta às desigualdades humilhantes, entre uma realidade a ser corrigida e um engodo sem horizonte.

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