A guerra na Ucrânia foi provocada

Ao reconhecer que a questão da expansão da OTAN está no centro desta guerra, nós entendemos porque os armamentos dos EUA não acabarão com esta guerra

FILE PHOTO:  A view shows a Russian Pantsir anti-aircraft missile system on combat duty in the course of Russia-Ukraine conflict in the Luhansk region, Russian-controlled Ukraine, January 25, 2023. REUTERS/Alexander Ermochenko
FILE PHOTO: A view shows a Russian Pantsir anti-aircraft missile system on combat duty in the course of Russia-Ukraine conflict in the Luhansk region, Russian-controlled Ukraine, January 25, 2023. REUTERS/Alexander Ermochenko (Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO)


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Publicado no Common Dreams. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

George Orwell escreveu no seu livro 1984 que “quem controla o passado, controla o futuro: quem controla o presente, controla o passado”. Os governos trabalham implacavelmente para distorcer as percepções sobre o passado. Sobre a Guerra na Ucrânia, o governo Biden tem alegado repetida e falsamente que a Guerra na Ucrânia foi iniciada por um ataque não-provocado da Rússia à Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. Na verdade, a guerra foi provocada pelos EUA de maneiras que importantes diplomatas estadunidenses anteciparam durante as décadas que levaram à guerra, significando que a guerra poderia ter sido evitada e agora deve ser parada através de negociações.

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Reconhecer que a guerra foi provocada nos ajuda a compreender como pará-la. Isso não justifica a invasão russa. Uma abordagem muito melhor para a Rússia poderia ter sido intensificar a diplomacia com a Europa e o mundo não-Ocidental para explicar e se opôr ao militarismo e unilateralismo dos EUA. Na verdade, o implacável 'push' dos EUA para expandir a OTAN é amplamente oposto em todo o mundo, portanto ativar a diplomacia russa ao invés da guerra provavelmente teria sido eficaz.

A equipe Biden usa incessantemente a palavra “não-provocada”, mais recentemente no importante discurso de Biden no aniversário do primeiro ano da guerra, numa recente declaração na OTAN e na mais recente declaração no G7. A imprensa institucional que é amigável a Biden simplesmente papagueia a Casa Branca. O New York Times (NYT), que é o principal culpado, descrevendo a invasão como “não-provocada” não menos do que 26 vezes, em cinco editoriais, 14 colunas de opinião de escritores do NYT e sete editoriais de visitantes.

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Na verdade, houve duas provocações maiores dos EUA. A primeira foi a intenção dos EUA de expansão da OTAN para a Ucrânia e a Geórgia a fim de cercar a Rússia na região do Mar Negro com países da OTAN (Ucrânia, Romênia, Bulgária, Turquia e Geórgia, em ordem contrária ao relógio). A segunda foi o papel dos EUA na instalação de um regime russofóbico na Ucrânia através da violenta derrubada do presidente ucraniano pró-russo Viktor Yanukovych, em fevereiro de 2014. A guerra quente na Ucrânia começou com a derrubada de Yanukovych há nove anos, não em fevereiro de 2022 – como os governo dos EUA, a OTAN e os líderes do G7 gostariam que nós acreditássemos.

Biden e a sua equipe de política externa recusam-se a discutir estas raízes da guerra. Reconhecê-las minariam o governo de três maneiras. Primeiro, isso exporia que a guerra poderia ter sido evitada, ou parada no início, poupando a Ucrânia da sua atual devastação e mais de US$ 100 bilhões de despesas dos EUA até hoje. Em segundo lugar, isso exporia o papel pessoal do presidente Biden na guerra, como um participante na derrubada de Yanukovych e, antes disso, como um convicto apoiador do complexo militar-industrial e defensor precoce da expansão da OTAN. Em terceiro lugar, isso empurraria Biden para a mesa de negociações, minando o continuado 'push' do governo pela expansão da OTAN.

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Os arquivos registram irrefutavelmente que os governos dos EUA e da Alemanha prometeram repetidamente ao presidente soviético Mikhail Gorbachev que a OTAN não me moveria “sequer uma polegada para o leste” quando a União Soviética dissolveu a aliança militar do Pacto de Varsóvia. Em 1997, o especialista estadunidense de segurança nacional Zbigniew Brzezinski descreveu o calendário de expansão da OTAN com notável precisão.

Os diplomatas estadunidenses e os próprios líderes ucranianos sabiam muito bem que a expansão da OTAN poderia levar à guerra. O grande estudioso-estadista George Kennan chamou a expansão da OTAN de um “erro fatídico”, escrevendo no New York Times que “pode-se prever que uma decisão dessas inflame as tendências nacionalistas, anti-ocidentais e militaristas da opinião russa; pode ter um efeito adverso no desenvolvimento da democracia russa; pode restaurar o clima da guerra fria nas relações Oriente-Ocidente e impelir a política externa russa em direções que não serão do nosso gosto”.

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O secretário de defesa do presidente Bill Clinton, William Perry, considerou demitir-se em protesto contra a expansão da OTAN. Nas suas reminiscências sobre aquele momento crucial em meados dos anos de 1990, Perry disse o seguinte em 2016: “A nossa primeira ação, que nos fez partir na direção ruim, foi quando a OTAN começou a se expandir, trazendo para dentro nações da Europa oriental, algumas delas tendo fronteiras com a Rússia. Naquela época, nós estávamos trabalhando intimamente com a Rússia e eles estavam começando a se acostumarem com a ideia de que a OTAN poderia ser uma amiga, ao invés de uma inimiga … mas eles estavam muito desconfortáveis sobre ter a OTAN bem em cima da sua fronteira e fizeram um forte apelo para que nós não seguíssemos adiante com aquilo”.

Em 1998, o então embaixador dos EUA na Rússia, e agora diretor da CIA, William Burns, enviou um telegrama para Washington advertindo extensivamente sobre os graves riscos da extensão da OTAN: “As aspirações da Ucrânia e da Geórgia sobre a OTAN não só tocam num nervo exposto da Rússia, elas engendram sérias preocupações sobre as suas consequências para a estabilidade na região. A Rússia não só percebe este cerco e os esforços para minar a influência russa na região, mas também teme as consequências imprevisíveis e descontroladas que afetariam seriamente os interesses de segurança da Rússia. Os especialistas nos dizem que a Rússia está especialmente preocupada que as fortes divisões na Ucrânia sobre tornar-se membro da OTAN, com muitos da comunidade etnicamente-russa sendo contra tornar-se membro, poderia levar a uma importante cisão, envolvendo violência ou, no pior dos casos, uma guerra civil. Numa eventualidade destas, a Rússia teria que decidir se interviria; esta é uma decisão que a Rússia não quer ter que enfrentar”.

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Os líderes da Ucrânia sabiam claramente que pressionar pela expansão da OTAN à Ucrânia significaria a guerra. O ex-assessor de Zelensky Oleksiy Arestovych declarou numa entrevista de 2019 “que o nosso preço para entrarmos na OTAN é uma grande guerra com a Rússia”.

Durante o período de 2010-2013, Yanukovych defendeu a neutralidade, em sintonia com a opinião pública ucraniana. Os EUA trabalharam clandestinamente para derrubar Yanukovych, como foi registrado vivamente na gravação de uma conversa telefônica da então secretária-assistente de Estado dos EUA Victoria Nuland com o embaixador dos EUA Geoffrey Pyatt, que planejavam o governo pós-Yanukovych semanas antes da derrubada de Yanukovych. Nuland deixa claro na conversa que ela estava coordenando intimamente com o então-vice-presidente Biden e o seu assessor de segurança nacional Jake Sullivan – a mesma equipe Biden-Nuland-Sullivan que está agora no centro da política dos EUA vis-à-vis a Ucrânia.

Após a derrubada de Yanukovych, a guerra irrompeu no Donbass, enquanto a Rússia reivindicou a Criméia. O novo governo ucraniano fez um apelo para tornar-se membro da OTAN e os EUA armaram e ajudaram a reestruturar o exército ucraniano para torná-lo interoperável com a OTAN. Em 2021, a OTAN e o governo Biden renovaram fortemente o seu compromisso com um futuro para a Ucrânia na OTAN.

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Na véspera da invasão russa, a expansão da OTAN estava no centro do palco. A proposta de Putin para um tratado EUA-Rússia (17 de dezembro de 2021) colocava uma parada na expansão da OTAN. Os líderes da Rússia colocavam a expansão da Rússia como a causa de uma guerra na reunião de 21 de fevereiro de 2022 do Conselho Nacional de Segurança da Rússia. No seu discurso à nação naquele dia, Putin declarou a expansão da OTAN como sendo a razão central para a invasão.

O historiador Geoffrey Roberts escreveu recentemente: “Será que a guerra poderia ter sido evitada por um acordo Rússia-Ocidente que impedisse a expansão da OTAN e neutralisasse a Ucrânia em troca de sólidas garantias para a independência e soberania ucraniana? Muito possivelmente”. Em março de 2022, a Rússia e a Ucrânia reportaram um progresso na direção de um final rapidamente negociado para a guerra, baseado na neutralidade da Ucrânia. Segundo Naftali Bennett, o ex-primeiro-ministro de Israel que foi um mediador, se estava próximo de conseguir um acordo antes que os EUA, o Reino Unido e a França o bloqueassem.

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Enquanto o governo Biden declara que a invasão russa não foi provocada, a Rússia seguiu as opções diplomáticas em 2021 para evitar a guerra, enquanto Biden rejeitava a diplomacia, insistindo que a Rússia não tinha coisa alguma a dizer sobre a questão da expansão da OTAN. E a Rússia impulsionou a diplomacia em março de 2022, enquanto a equipe de Biden bloqueou um final diplomático para a guerra.

Ao reconhecer que a questão da expansão da OTAN está no centro desta guerra, nós compreendemos porque os armamentos dos EUA não acabarão com esta guerra. A Rússia escalará o quanto for necessário para evitar a extensão da OTAN à Ucrânia. A chave para a paz na Ucrânia é através de negociações baseadas na neutralidade da Ucrânia e na não-expansão da OTAN. A insistência do governo Biden na expansão da OTAN fez da Ucrânia uma vítima de aspirações militares mal-interpretadas e não alcançáveis dos EUA. Está na hora de parar com as provocações e de ter negociações para restaurar a paz na Ucrânia.

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