A força da democracia é a força da linguagem
O linguista e editor do 247 Gustavo Conde faz um alerta para o momento crítico que a comunicação política atravessa; para Conde, o embate tradicional de campanhas eleitorais, com propostas e debates, está temporariamente suspenso e é preciso repensá-lo à luz das linguagens e dos estudos linguísticos de última geração; ele diz: "a força da democracia é a força da linguagem. A força da democracia é a força da linguagem e da multiplicidade, da plurivocalidade, da ocupação de todos os flancos possíveis"
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Há algo muito difícil de cumprir, mas que pode ser uma das maneiras mais eficientes nesse momento de colapso dos sentidos políticos para fazer o governo fascista derreter rapidamente: o silêncio.
Pode parecer contraditório, loucura, desatino, mas o silêncio pode derrubar esse governo.
Porque o gesto reativo clássico o tem potencializado. É o protocolo de comunicação de guerra que se estabeleceu de maneira muito forte.
Por que o silêncio derrubaria o governo (devastaria seu apoio e jogaria a popularidade no limbo)? Porque deixaríamos de "alimentar" a tréplica, que trem sido o elemento mais forte de afirmação política no campo do fascismo.
Explico: na cena do debate político, temos a proposição (precária ou não), a réplica e a tréplica. A réplica (a oposição, a resistência), perdeu sua efetividade institucional e prática - por n razões que não cabe aqui discorrer.
Prevalece, depois do primeiro lance dialógico, a tréplica, que mobilizou o eleitorado "fascista" e garantiu a eleição de Bolsonaro.
Esse processo perdura - porque é a única chance de este futuro governo perdurar minimamente.
Signifiquemos o silêncio. Que silêncio seria esse? Obviamente, um silêncio altamente estratégico e eloquente. Ao vivermos as nossas vidas e colocarmos a pauta no "vamos viver um dia após o outro", o campo fascista se enfraquece e perde a razão de ser (a sua artificial, grotesca e abominável razão de ser).
É dificílimo. Eu mesmo me sinto incapaz de produzir esse silêncio, até porque os fascistas não vão deixar.
Eles não querem o silêncio, porque sabem que o silêncio lhes é tóxico.
Eles mesmos podem passar a produzir a réplica (para terem o direito à tréplica, que finaliza o processo).
O cenário é muito complexo. O campo fascista produz fake news sobre si mesmo para garantir a confusão permanente da cena crítica e posar de vítima de processos comunicacionais. A tática é acusar a esquerda de produzir fake news e insinuar que todos são iguais na delinquência da comunicação.
Não há, a rigor, uma solução para esse impasse discursivo-ideológico (e semântico) tão monumental.
O correto seria: vamos esperar eles errarem - porque eles vão errar.
Mas isso parece tarefa hercúlea para quem já vem de longa data se manifestando contra "tudo de direita que aí está". É um processo inercial - com forte apelo libidinal, inclusive.
O que fazer? Viver. Seguir o rumo da própria vida de maneira paciente, sem aceitar provocações.
Produzir. Trabalhar e construir pequenas soluções pontuais (que se multipliquem depois).
O impasse no campo da comunicação é por demais monstruoso. Todas as fórmulas estão em suspensão. Obteve-se um protocolo de neutralização do sentido progressista reativo.
Processos assim tendem a durar muito.
Esse é o desafio. Nós temos que travar uma corrida contra o tempo. Quanto vai durar tudo isso?
Tentemos não ser ingênuos e acreditar que apenas as fórmulas antigas darão certo.
A situação é tão complicada que a tarefa é não desprezar nenhuma tática, mas sem fazer dessa tática um elixir, único e salvador.
É preciso heterogeneidade. Tecnologia, estratégias consagradas e conhecidas e inovações no campo da linguagem política.
A força da democracia é a força da linguagem. A força da democracia é a força da linguagem e da multiplicidade, da plurivocalidade, da ocupação de todos os flancos possíveis.
Por alguma triste razão, os segmentos progressistas foram afunilando seus protocolos de convencimento e colocando a fé retórica apenas na "verdade dos fatos" e nos padrões clássicos da comunicação - o marketing político tradicional.
Esse tempo se foi.
Só sairá desse beco histórico e conceitual quem ousar.
Não há fórmulas mágicas. O silêncio proposto mais acima, aliás, é conceitual e demanda aprimoramentos técnicos. É um chamamento para o debate.
O combate clássico a toda essa confusão política que se estabeleceu no mundo é também legítimo e operacional. Mas como eu disse acima, trata-se de saber quanto tempo teremos que esperar.
Em outras palavras: a luta tradicional, baseada em pressupostos da luta política tradicional (progressismo versus conservadorismo), embora envelhecido, ainda funciona.
O problema, reitero, é sua duração. Pode-se levar décadas para reconquistar esse espaço e a própria possibilidade de se travar esse embate "bem comportado".
A ordem do dia para o debate em torno do surpreendente recrudescimento do fascismo no mundo é atentar para as linguagens.
O protocolo histórico de produção de sentidos políticos fez a curva.
É preciso virar o volante, senão cairemos no precipício.
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