A filosofia como interpretação
O trabalho dos historiadores da filosofia é mesmo reinterpretar e reinterpretar
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É do professor Norbet Bohz a definição da filosofia como interpretação, ao se referir ao método "cabalístico" de leitura do mundo de Walter Benjamin. Mas ele caberia como uma luva a filosofia de Frederico Nietzsche. Intitulado o pai da filosofia da suspeita (ao lado de mestres como Freud e Marx), Nietzsche é chamado com justiça de retórico e nominalista, em razão de ter privilegiado a linguagem e a vontade de potência como como a base de seu pensamento filosófico. Estava lendo por estes dias uma das versões da tese de doutorado de João Evangelista Tudde Melo sobre ética e cosmologia- à luz dos pensadores pré-socráticos (Heráclito e os epicuristas), e me ocorreu essa idéia de que na história da filosofia o que há é interpretação e reinterpretação. Dentro daquela perspectiva nietzschiana de que não existe nada além da interpretação, guiada pela vontade de potência.
Um trabalho tão interessante, tão bem informado como o de João Evangelista nos deixa um pouco frustrado quanto aos resultados inconclusivos sobre diversas questões essenciais na filosofia de Nietzsche: o eterno retorno do mesmo, teleologia, a linearidade da história, causalidade, o vir-a-ser do grande dia etc. O mostruário das questões é altamente sugestivo e convida o leitor a mergulhar nas controvérsias filosóficas de milênios (antes de Cristo). Louve-se a citação de uma boa bibliografia secundária de comentadores, historiadores da filosofia, exegetas etc. Mas o resultado deixa o leitor insatisfeito.
Desde que Deleuze (e sua filosofia da diferença) reinterpretou o pensamento de Nietzsche, afirmando que a tese do "eterno retorno não é do mesmo, mas do diferente e novo. Os filósofos nietzschianos vêm repetindo a tese, contrariando toda a tradição filosófica consagrada: Benjamin que cita Nietzsche e Blanqui, reafirmando o eterno círculo do sempre igual. Luciano Oliveira, no seu livro sobre direitos humanos e a tortura. Deve haver uma razão, para além da vontade de reinterpretar o pensamento nietzschiano, em dizer que o eterno retorno do mesmo não é do mesmo, mas do não igual.
Nietzsche já foi apontado como o filósofo do niilismo, da iconoclastia, do destruidor de idolos, crítico da civilização judaico-cristã, da morte de Deus etc. Hoje, pelo menos, aceita-se a tese de um niilismo positivo, criador - transvaloralizador de valores (Jair Ferreira dos Santos, Scarlet Marton). O próprio Habermas se dispõe a falar de um criptonormativismo na filosofia deste autor. Ou seja, um lugar (normativo) do qual ele faz a sua crítica destruidora dos valores da civilização moderna. Mas será que isso autorizaria a reler ou reinterpretar todas as teses nietzschianas. Neste ou naquele sentido, como vem sendo feito, sobretudo por filósofos pós-modernos e pós-estruturalistas?
Quero frisar aqui que reconheço os méritos e o valor do trabalho hermenêutico de João Tude de Melo. Aprendi muito com a leitura de seu livro. E que considero legítima a sua tentativa de reinterpretação. Parece, como disse Alfred Whitehead, que toda filosofia posterior a Platão não passa de notas a margem ao seu pensamento. Dessa forma, o trabalho dos historiadores da filosofia é mesmo reinterpretar e reinterpretar.
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