A família de Josefa

Pode uma árvore despertar tanto carinho e saudade? Josefa e sua família podem

Luis Cosme Pinto
Luis Cosme Pinto (Foto: Divulgação)


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De uma em uma, de um em um, igual pingo de garoa, leitoras e leitores responderam à minha pergunta: você conhece algum amigo do verde?

De repente, os lugares estavam trocados. Era eu a ler as histórias que eles me contavam. Histórias cada vez mais numerosas. A garoa já era chuva. 

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Tudo começou com Josefa, personagem central das duas últimas crônicas. Lá embaixo, deixo os links dos textos para refrescar a memória. Josefa, a única árvore com certidão de nascimento que tive o prazer de conhecer na vida, foi assaltada. Nas mangas, ainda verdes, ninguém buliu, o larápio levou foi a placa de identificação presa ao tronco, tal qual um colar.

Meus escassos leitores e leitoras, que agora começo a descobrir que não são tão poucos assim, reagiram. Muitos reclamaram e um deles, o Roberto, nos confortou ao escrever sobre o chaveiro Marco, que plantou mangueira no Leblon, no Rio. Começou com muda, depois o caule esticou, a sombra espalhou e a manga espada, macia e carnuda, não falta.

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Marco conta uma tradição. Quando o Botafogo ganha ele saboreia uma manga. Craque em trocar segredo de fechadura e fazer cópia de chave, Marco também alimenta os micos que visitam o local, um trecho bastante verde do bairro. "Com tantas vitórias do meu Botafogo, acho que os micos vão ter que procurar outra freguesia, estou comendo duas ou três por semana."

Do Canadá, a leitora Wanja lembrou do sítio da família, no interior da Bahia. "A fruta era super doce e a gente se perguntava: será que vovô botou um pote de mel quando plantou a mangueira?"

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A mensagem de duas linhas chega da Serra Gaúcha minutos depois. O paulistano Luiz, morador de Nova Petrópolis, deixa a manga pro passarinho, Ele curte mais a sombra que a copa frondosa oferece que o sabor da fruta.

Já o gaúcho Marcelo digita do Planalto Central. Plantou muda junto com a filha. Bastou ler a crônica e bateu saudade. Lembrou que há alguns anos deixou de visitar a árvore. Promete voltar lá e mandar foto.

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É a vez do seu Tokunaga. O homem que conversa com as árvores garante que mangueira só não nasce onde neva, ou seja, está em quase todo o Brasil. Há 70 e poucos anos, ele, garoto de calça curta, escalava tronco e galhos para saborear a manga coquinho, no quintal de casa, no interior paulista.

Teresinha vive e trabalha perto de Josefa, a árvore da rua das Palmeiras. Ela acreditava que a tal certidão de nascimento atraía respeito e não vandalismo. Com sabedoria e tristeza, me escreveu assim: “Como é possível alguém atacar a mangueira Josefa? A gente não vive sem as árvores, só que elas não precisam da gente.

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A boa notícia é que a “família Josefa”, tem gerações e gerações com incontáveis primos, tias, genros e sogras. Almir trocou São Paulo por Santos. Muitas vezes está de frente pro mar e em vez das ondas vê os amigos e a boa conversa do balcão do bar do Tutu, no paulistano bairro de Pinheiros.

Do outro lado da rua, um tronco forte, qual pilastra, folhas largas e bem verdes. Quantas tardes Almir e sua turma não passaram na companhia da mangueira de pelo menos 30 anos e mais de 20 metros de altura? Ah, se mangueira falasse...

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Seu Artur, o dono do Tutu, viu quando o tio Américo, recém chegado de Portugal, inaugurou o bar e em frente plantou a muda. Américo fez cercadinho e não economizou em água, adubo e carinho.

Américo se foi e a mangueira é a mais bela árvore do pedaço. Houve tempos de tanta manga que Artur amarrava uma garrafa pet ao cabo de vassoura e colhia as frutas mais maduras. No mínimo, duas safras por ano. Mangas grandes, doces, de se lambuzar.

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A mangueira cresce a cada dia, está forte, bonita e até floriu, mas uma outra mudança é preocupante. Quem me conta é o próprio seu Artur. "Faz quase três anos que eu nunca mais colhi uma fruta. As mangas sumiram."

É mais um mistério na sinuosa história de Josefa e sua grande família.

*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas, Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter.

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