A falsa crise da seguridade social
Será que é possível encontrar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema sem comprometer o bem-estar e a justiça sociais? Esse é o desafio e o dever daqueles que respeitam a carta política do país
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A seguridade social é um direito e, nos termos do que dispõe a constituição federal, deve ser organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observando-se critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
Bem, em 2017 o governo Temer anunciou um rombo de 151,9 bilhões de reais nas contas do Regime Geral da Previdência Social, que seria o maior desde 1995 e apresentou uma proposta de reforma do sistema previdenciário.
Em sendo verdadeiro tal déficit de 150 bilhões é muito difícil, a priori, negar a pertinência da reforma da previdência, mas a proposta de reforma da previdência tem despertado debate irracional, panfletário, mas pouco substantivo.
De 2017 para cá mudou o governo, mas não o desejo de reforma da previdência. Eis que surge a proposta de uma Nova Previdência.
Nela consta que as regras atuariais de acesso a benefícios, além de rígidas, não atendem aos princípios constitucionais de igualdade e distribuição de renda, na medida em que o Brasil – segundo a OCDE – segue sendo um dos países mais desiguais do mundo.
Bem, de um lado está o pessoal do Planalto, a grande mídia com seus especialistas com um discurso liberal apaixonado sobre a urgência inafastável de uma reforma da previdência social e de outro, não menos apaixonados, estão os que veem na reforma apenas mais um movimento que implanta uma cruel agenda liberal capaz de desconstruir direitos e conquistas sociais, tudo para atender interesses do mercado, especialmente dos bancos.
Quem tem razão? Não sei, mas é inegável que falta informação e, consequentemente, debate.
A Professora Denise Lobato Gentil, na sua tese: “A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do período 1990–2005.”, tese submetida ao Corpo Docente do Instituto de Economia (IE) – Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que “Diante dessa avalanche de avaliações sombrias massificadas pela mídia, não é de se estranhar que pessoas comuns, políticos e até pessoas respeitáveis do meio acadêmico acreditem que é preciso, urgentemente, fazer a reforma da previdência para resolver um problema financeiro gravíssimo. O déficit, no entanto, não existe. ”.
O Dieese qualificou a proposta de Temer como absurda, afirmou à época que ela fazia parte de um processo de desconstrução do sistema previdenciário e 70% da população ficaria fora do sistema previdenciário.
Acadêmicos, como a Professora Rosa Maria Marques, da PUC-SP, afirmavam à época que a reforma despreza as especificidades dos trabalhadores e não altera o modelo de financiamento do sistema; que havia uma clara opção por trabalhar com o fluxo de despesas, muito embora proponha o fim da isenção da contribuição sobre os produtos exportados, o que deve aumentar a arrecadação. Ponderando que o chamado "rombo" da Previdência merece estudo melhor, pois os números apresentados consideram a Previdência Social em si, isto é, suas receitas e despesas, mas Previdência Social faz parte da Seguridade Social que, seria superavitária.
Por tudo isso, o tema merece reflexão racional.
A Constituição prevê um modelo tripartite de financiamento do setor, segundo o qual o Estado, os empregadores e os trabalhadores contribuem em partes iguais.
E, levando em conta o modelo tripartite todos que defendem, a reforma - na forma proposta - estaria equivocada quanto ao déficit, segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais – ANFIP.
A ANFIP analisou o suposto déficit de 80 bilhões de reais apurado pelo governo em 2015 o qual, segundo os pesquisadores da associação, poderia ter sido coberto com parte dos 202 bilhões arrecadados pela COFINS, dos 61 bilhões coletados pela CSLL e dos 53 bilhões arrecadados pelo PIS-Pasep. Haveria ainda outros 63 bilhões capturados da Seguridade pela Desvinculação das Receitas da União – DRU e mais 157 bilhões de reais de desonerações e renúncias de receitas.
Ou seja, tem havido incompetência na gestão faz pelo menos três décadas.
Noutras palavras: o déficit não existiria de fato. Ele decorre de uma conveniência: desde 1989 não se contabiliza a parte do governo como fonte de receita da Previdência, ou seja, a União nega que a Previdência faça parte da Seguridade Social, uma ofensa aos artigos 194 e 195 da Constituição.
E, nesse contexto, não se pode esquecer que o tema aposentadoria está contido no Título VIII da nossa Constituição, o qual trata "Da Ordem Social".
No Capítulo I, do Título VIII, há o artigo 193. Ele prevê que a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. E, no mesmo "Título VIII" há o Capítulo II, que trata da Seguridade Social, ou seja, não poderá o equilíbrio financeiro e atuarial desprezar o bem-estar e a justiça sociais.
A seguridade é financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sendo que os regimes de Seguridade Social são: (a) geral, que é destinado aos particulares, é o regime do INSS; (b) próprios, como o dos servidores públicos; (c) complementares, que visam complementar o regime geral ou dos servidores públicos.
A verdade é que a Seguridade Social (conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social) é custeada por meio das contribuições sociais, num sistema tripartite.
E fonte de custeio são os meios econômicos e financeiros obtidos e destinados à concessão e à manutenção das prestações da Seguridade Social. Há as fontes diretas de custeio previstas para o Sistema, que são cobradas de trabalhadores, empregadores e do Estado através das contribuições (PIS, COFINS, CSLL) e há as fontes indiretas, através dos impostos, que são utilizados nas insuficiências financeiras do sistema, sendo pagos por toda sociedade.
Será que é possível encontrar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema sem comprometer o bem-estar e a justiça sociais? Esse é o desafio e o dever daqueles que respeitam a carta política do país. E por isso, talvez antes de uma reforma, a sociedade merecesse um debate transparente e honesto sobre o tema, realizado em rede de TV e na web, no horário nobre. Sem debate e participação ampla da sociedade, não há democracia.
Bem, Denise Lobato Gentil, num trabalho em que fez uma análise financeira da Seguridade Social no período 1990 – 2005, utilizando como ponto de referência os dispositivos da Constituição Federal de 1988 e os dados estatísticos da execução orçamentária do governo federal, concluiu que o sistema de seguridade social é financeiramente autossustentável, sendo capaz de gerar um volumoso excedente de recursos.
Entretanto, parcela significativa de suas receitas é desviada para aplicações em outras áreas pertencentes ao orçamento fiscal, permitindo que as metas de superávit primário sejam cumpridas e até ultrapassadas.
Por isso, ao contrário do que é usualmente difundido, o sistema de previdência social não está em crise e nem necessita de reformas que visem ao ajuste fiscal, pois o sistema dispõe de recursos excedentes, mas de reformas que permitam a inclusão de um grande contingente populacional que hoje se encontra desprotegido. A capacidade de sustentação futura do sistema dependerá, no entanto, de mudanças na política econômica que impliquem na promoção do crescimento associado a políticas de distribuição de renda.
Quem está em crise é a lealdade de diversos governos, atual e pretéritos, de dizer a verdade e propor, caminhando sob a verdade, um debate democrático sobre o que e como fazer, em razão de riscos futuros e sobre sua incapacidade de gerir o interesse público com responsabilidade.
Lanço as dúvidas e provocações ao debate. Quem sabe antes da votação de um tema tão delicado seja cumprido, sem interpretações maliciosas, o que dispõe o artigo 37, inciso XI, o qual estabelece que a remuneração e o subsídio dos servidores públicos não podem “exceder o subsídio mensal” dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nos municípios, não pode ultrapassar o salário do prefeito. Nos estados e no Distrito Federal, o teto é o que ganha o governador, no caso do Poder Executivo, e os desembargadores do Tribunal de Justiça, no caso do Judiciário. O texto constitucional não fala em exceções à regra.
E, para não deixar qualquer dúvida de que a intenção é cortar qualquer subsídio que ultrapasse os limites do teto constitucional, a Constituição acrescenta no artigo 17 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias: “Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadorias que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”.
E, dizem, só o extra teto do Poder Judiciário Federal ultrapassaria 12 bilhões de reis por ano, ou seja, 120 bilhões em dez anos e há pesquisa mostrando que nos Tribunais de Justiça dos estados, 73% dos magistrados recebem valores acima do teto constitucional, valor que ultrapassaria 20 bilhões de reais em dez anos, sem falar nos tribunais do trabalho, senado, câmara dos deputados, assembleias legislativas, câmaras de vereadores, MP federal, MP do trabalho e MP estadual.
Ou seja, a preocupação com o equilíbrio fiscal, para ter a minha simpatia, deve enfrentar os privilégios travestidos de direitos adquiridos.
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