A falsa contradição entre dois extremismos
Oque ameaça mesmo a democracia não é tanto a pantomima de um candidato descontrolado que profere sandices e ideias contra-sensuais. O maior perigo para a democracia e as liberdades públicas é o que vem atrás, instrumentalizando o discurso da raiva e da frustração política
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A opinião pública brasileira está sendo empurrada para uma falsa e artificial contradição ente dois fundamentalismos: um de direita e um de esquerda. Esta leitura é conveniente para aqueles a quem beneficia tal quadro reducionista e equivocado da política do país. De um lado, nos acostumamos a interpretar esse discurso raivoso e do ódio dos eleitores do deputado Jair Bolsonaro como uma modalidade de fundamentalismo de direita, ultraconservador, apoiado por algumas igrejas. De outro, um discurso antipetista e antilulista que considera a candidatura de Fernando Haddad (PT) uma mera ventriloquia de LULA e do Partido dos Trabalhadores.
Discurso aparentemente sedutor que mais esconde do que revela uma outra modalidade de fundamentalismo, que não é tão evidente para a sociedade. O fundamentalismo neoliberal, que está por trás do debate dessas eleições, mas não aparece nem nos debates nem na propaganda eleitoral. Ora, a destruição de direitos, a venda do patrimônio público, o ataque frontal às liberdades civis e a liberdade de expressão e do livre pensamento interessa, sobretudo, ao mercado, às empresas, a banca e a burguesia cosmopolita do país.
Neste sentido, o que ameaça mesmo a democracia não é tanto a pantomima de um candidato descontrolado que profere sandices e ideias contra-sensuais. O maior perigo para a democracia e as liberdades públicas é o que vem atrás, instrumentalizando o discurso da raiva e da frustração política.
Aprendemos que os grandes interesses econômicos não têm pátria nem compromisso com os ideais democráticos, tanto podendo apoiar um general (ou um capitão do Exército), como um líder popular, desde que isso não coloque em risco a sua agenda de negócios. O grande capital nunca fez profissão de fé democrática ou coisa que o valha. Depende da oportunidade de maximização de seus interesses.
Na presente conjuntura de crise de legitimidade do regime democrático, onde candidatos fazem abertamente propaganda pelo golpe e o descumprimento da Constituição, imagina-se que o portador desses interesses econômicos pode ser, sim, um candidato que represente hoje a negação de todas as conquistas sociais e democráticas de 1988. O momento é propício ao desmonte da institucionalidade democrática e seus avanços políticos. Nunca a democracia se apresentou tão frágil e deslegitimada como agora.
Investimos, com razão, contra o fundamentalismo religioso e de direita que parece crescer em nosso país. De fato, ele representa um enorme obstáculo à realização das promessas democráticas da Constituição de 1988. Mas não podemos perder de vista que tanto ele, como o fundamentalismo laico da direita xenófoba, misógina e homofóbica pode estar a serviço do fundamentalismo do mercado. Nunca a nossa democracia esteve tão ameaçada como hoje.
Poderia dizer, por todos os lados. A frase célebre de Sérgio Buarque de Holanda, que diz ter sido sempre a democracia um profundo mal-entendido no Brasil, poderia ser completada pelo estranho e assustador ressentimento que se avoluma contra ela, entre nós.
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