A falácia da crise previdenciária de Estados e municípios
Há distorções nos sistemas previdenciários, o federal e os estaduais. Contudo, o ponto central dessas distorções não tem sido atacado. Aposentadorias e pensões escandalosamente elevadas, em comparação com as dos comuns dos mortais, são pagos principalmente pelo Judiciário e o Legislativo a seus privilegiados
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A manchete escandalosa da Folha deste sábado afirmou que o gasto dos Estados e municípios com aposentadorias e pensões superará a dívida pública em 75 anos. O jornal, citando cálculos de Paulo Tafner (instituto Insper) apresentados a Temer e seus bandidos na última quarta-feira, no Alvorada, por Marcos Lisboa, chegou a extrema estupidez de tomar um fluxo estimado de pagamentos futuros dos benefícios previdenciários estaduais, estimado impropriamente em 85% do PIB, com o estoque da dívida atual (73%).
É difícil saber se isso é fruto de ignorância ou má fé. Da repórter, que prefiro não citar, é certamente conseqüência da ignorância. Não deve ser o caso dos editores. Todos estão loucos para prestar serviço à quadrilha de Temer e aproveitam qualquer leve insinuação de algum dado “técnico” em que possam se apoiar. Não será nas páginas de algum dos nossos jornalões que encontraremos espaço para um debate imparcial sobre a Previdência. Não fosse a internet e os blogs, estaríamos cegos dentro desse tiroteio que se tornou infame.
Há distorções nos sistemas previdenciários, o federal e os estaduais. Contudo, o ponto central dessas distorções não tem sido atacado. Aposentadorias e pensões escandalosamente elevadas, em comparação com as dos comuns dos mortais, são pagos principalmente pelo Judiciário e o Legislativo a seus privilegiados. Até o relatório do Banco Mundial sobre o gasto público, cuja crítica um grupo de economistas independentes está preparando, menciona esses privilégios, porém com uma ênfase particularmente atenuada.
A estupidez do “estudo” encampado por Marcos Lisboa, em seu neoliberalismo exacerbado, é tomar como referência para uma política pública atual um horizonte de tempo de 75 anos. Isso seria idiota, não fosse, na realidade, a cobertura cínica para uma posição ideológica. Na verdade, esse raciocínio tosco parte da idéia que o Brasil está condenado a ser presidido por Temer, Henrique Meirelles e o próprio Lisboa nos próximos 75 anos, durante os quais teremos um crescimento zero do PIB, ou contração permanente. Nesse tempo, continuaremos tendo uma taxa básica de juros estratosférica, inibidora do investimento.
A sociedade brasileira vai se livrar dessa direção política a curto prazo, pois, pelo que conhece de história, ela não se conformará com uma economia estagnada para sempre, o que representará perdas continuadas de emprego e de renda. Certamente que há riscos. Nos Estados Unidos e na Alemanha dos anos 30, ambas com taxas de desemprego globais similares à brasileira atual (24%), a mesma reação que gerou Roosevelt e seu New Deal regenerador, gerou o Novo Plano alemão de Adolf Hitler, ambos de grande eficácia na geração de empregos – um reforçando a democracia, outro o totalitarismo.
A hipótese Tafner/Lisboa é uma infâmia do ponto de vista técnico. Politicamente, serve ao propósito de empurrar goela abaixo da população uma reforma previdenciária tosca, voltada essencialmente para a redução dos prazos de aposentadoria para homens e mulheres, e antecipando o que será exigido dos governadores e municípios caso seja emplacado o plano federal. Assim como o relatório do Banco Mundial, de forma desonesta, tenta provar que o déficit público decorre do déficit previdenciário, o que é falso, a idéia que Tafner/Lisboa tentam passar é que a crise financeira dos Estados se deve à previdência estadual.
É falso. A crise financeira dos Estados se deve à acumulação desde 1997 de pagamentos por conta de dívida imposta indevidamente pelo Governo federal. Dessa dívida nula, originalmente de R$ 111 bilhões em moeda de hoje, foram pagos R$ 207 bilhões, restando a pagar R$ 476 bilhões. Inacreditavelmente, é a manipulação dessa dívida, com adiamentos e pequenas concessões, que está permitindo a Meirelles impor a privatização de patrimônios estaduais, como é o caso da Cedae no Rio de Janeiro. Escrevi um livro sobre o assunto, “Acerto de Contas”, e estou esperando que os governadores atuem.
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