A Europa, entre a Montanha Mágica e o Quixote
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No mesmo momento em que se conclui, mais uma vez melancolicamente, um outro Fórum Econômico Mundial, nas cúpulas geladas de Davos, se anuncia, na Península Ibérica, a possibilidade de que a Europa comece realmente a transitar uma saída positiva da sua crise.
Gyorgy Lukacs caracterizava a genialidade da Montanha Mágica de Thomas Mann, na capacidade de captar a burguesia no momento preciso da passagem do seu auge à sua crise, momento único para poder captar o sentido de toda a sua trajetória, a sua consciência de classe no limite do seu esgotamento como classe progressista.
O cenário de uma das maiores novelas europeias do século XX foi conspurcado pelas reuniões de empresários, mandatários, personalidades mundanas que, no auge do neoliberalismo, nas décadas de 1980 e 1990, exibiam ao mundo, não a consciência da passagem do seu auge à sua decadência, mas a sua falta absoluta de consciência.
Foram-se aqueles tempos hollywoodianos de personalidades que, tantas entre elas, hoje curtem o anonimato e até mesmo processos por corrupção e falência material e moral. A reunião deste ano se realiza, mais uma vez, desde 2008, cercada das economias que prometiam tanto e entregam recessão, crise social e desesperança. Abriu-se um dia depois que foi revelado que ainda menos millhardários possuem tanta riqueza quanto metade da humanidade, que os bancos se enriquecem ainda mais na crise com a especulação e o endividamento de governos, empresas e pessoas.
A novidade é que na periferia – já não apenas na Grécia –, na Península Ibérica, em Portugal e, talvez também na Espanha, nas margens mais sofridas da austeridade, começam a surgir alternativas. Quixotescas, dirão esses personagens relegados a entrevistas no Wall Street Journal e no Financial Times. Talvez, para suas mentes decadentes e obnubiladas, incapazes de ver o mundo que suas brilhantes e geniais ideias produziram.
Um mundo em que cada vez menos pessoas possuem cada vez mais riqueza, em que direitos construídos ao longo de tantas décadas são destruídos, milhões de pessoas são jogadas no abandono. Uma economia em recessão há tantos anos e sem horizonte de saída dela. Um mundo de guerras que se perpetua, em que milhões de órfãos da miséria produzida pelo colonialismo comandado pro eles na África e pelas guerras provocadas por eles no Oriente Médio, batem, como bumerangue, nas portas fechadas do seu egoísmo.
Enquanto isso, na Grécia primeiro, depois em Portugal, agora quem sabe na Espanha, de forma quixotesca, quem sabe, mas com os pés muito mais no chão pelo Sancho Pança que os acompanha, os europeus começam a construir alternativas à austeridade e ao neoliberalismo. Quando a troika acreditava que a "lição" opressiva imposta à Grécia impediria que outros países seguissem o caminho de questionamento da austeridade – sob a ameaça de que sair da austeridade era ser relegado à marginalidade de sair do euro -, uma aliança de centro esquerda em Portugal e talvez agora na Espanha, retoma, por outra via, o caminho do antineoliberalismo.
O bipartidismo, essa couraça que protegia a austeridade, com os dois principais partidos comprometidos com o mesmo projeto, foi rompido na Península Ibérica, como antes na Grécia, nos elos mais frágeis da cadeia da austeridade. Partidos socialistas, que tinham implantado e se comprometido com a austeridade, se deram conta do caminho suicida que trilhavam e aceitam alianças com a nova esquerda, para construir alternativas ao modelo neoliberal.
Ja não será possível à troika isolar aos dois países, como fez com a Grécia. Não será possível atribuir a um partido – Syriza -, a aventura quixotesca. Agora são coalizões, que incluem a social democracia, que já esteve comprometida com as politicas de austeridade, fez a experiência desastrosa, e agora muda de caminho.
No destino dos governos de Portugal e da Espanha repousa, hoje, o destino da austeridade e do neoliberalismo na Europa, e a possibilidade de se construir – como fez a America do Sul – um bloco de governos antineoliberais.
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