A estranha lealdade de Ciro a Bolsonaro

"Desleal a Fernando Haddad no segundo turno da eleição presidencial, quando mudou-se para Paris, Ciro Gomes critica Hamilton Mourão pela 'falta de lealdade' a Bolsonaro", aponta o jornalista Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela democracia; para PML, "o debate sobre a lealdade de Ciro estará em discussão na batalha contra a reforma da Previdência: afastando-se do conjunto das siglas que fazem oposição ao projeto Bolsonaro-Guedes, ele  apoia a proposta de capitalização individual que é o troféu mais esperado pelo mercado financeiro"

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Por Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia - Faço parte daquela multidão de eleitores que ficou indignada pelo comportamento de Ciro Gomes no segundo turno da eleição presidencial de 2018.

Quando poderia ter desempenhado  um papel positivo na luta contra Jair Bolsonaro, Ciro preferiu atuar pelo outro lado e foi descansar na Europa. Ausentando-se do país, contribuiu para enfraquecer a resistência democrática que se tentava construir em torno de Fernando Haddad no segundo turno. Seu irmão Cid Gomes, que permaneceu no Brasil, chegou a sabotar um ato de campanha petista que deveria reunir forças anti-Bolsonaro em Fortaleza.

Mantido em compreensível silêncio desde então, dias atrás Ciro Gomes reapareceu em cena para prestar socorro em voz alta a Bolsonaro.

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O auxílio, desta vez, veio na forma de ataque. Em entrevista a Radio Band News, em Fortaleza, Ciro Gomes foi perguntado sobre o comportamento do general Hamilton Mourão, o vice-presidente da República que tem tem-se colocado em posição de crítico interno de Bolsonaro. Em ocasiões nas quais a  irracionalidade do núcleo presidencial atinge  um padrão fora de controle, os pronunciamentos do vice sugerem que ele se tornou porta-voz do círculo de militares que tem assumido um papel cada vez mais relevante no governo.

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Além de lembrar um xingamento que empregou na campanha ( "jumento de carga"), Ciro foi para cima de Mourão com as seguintes palavras:

"Ele é tão pouco respeitável sob o ponto de vista dos meus padrões, que ele está flagrante e precocemente escalando um golpe contra Bolsonaro".

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Em seguida, acrescentou:  "está vendo a deterioração acelerada do governo Bolsonaro e está querendo se legitimar como alternativa. A 50 dias, isso é uma falta de lealdade".

É certo que Mourão é um oficial com opiniões políticas inaceitáveis e preconceituosas, como o próprio Ciro lembrou na entrevista. O ponto, aqui, encontra-se na cobrança: "falta de lealdade".

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Ainda que se possa esperar solidariedade  entre aliados de chapa eleitoral, cabe distinguir um ponto.  Muitas mudanças da história de povos e países  mostram que não há princípio  moral capaz de justificar solidariedade em relação a governos que perderam o respeito pelo próprio povo. Cedo ou tarde, estão condenados a enfrentar o descontentamento da população, que logo irá despertar rupturas e realinhamento de aliados que pouco antes faziam juras de fidelidade eterna. É assim na vida pública -- na Dinamarca, no Ceará, ou na Alemanha.

No Brasil de Bolsonaro, a única novidade deste processo bem conhecido é a rapidez dos sinais de ruína já aparente. Várias mascaras de campanha vieram abaixo com  rapidez, da política externa 100% submissa a Washington ao escândalos de corrupção,  a  falta de respostas ao desemprego e o estimulo à desnacionalização da economia. Os ataques a Constituição já viraram rotina. A sombra onde se movem as milícias do Rio de Janeiro, suspeitas pela execução de Marielle Franco, permanece.  

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A entrevista de Ciro foi realizada em Fortaleza, no final de fevereiro, poucos dias antes de dois episódios antológicos no governo Bolsonaro -- o vídeo obsceno contra blocos de carnaval e o discurso em que atribui às Forças Armadas a função de preservar a democracia.

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Entre outras coisas, o depoimento chama a atenção pela veemência anti-petista em várias passagens. No momento da entrevista, já era possível, obviamente, enxergar os limites cada vez mais estreitos do governo Bolsonaro. De lá para cá, surgiu um pedido de impeachment, cujas bases jurídicas parecem poderosas. 

O afago de Ciro Gomes a Bolsonaro não terminará numa entrevista de rádio, porém. Já chegou aos debates da reforma da Previdência, na qual seu assessor de campanha, o economista Mauro Benevides Filho, participa ao lado da equipe de Bolsonaro como um dos elaboradores do projeto de transformar as aposentadorias em cadernetas individuais de capitalização. Troféu principal do mercado financeiro, a capitalização individual foi imposta no Chile durante da ditadura de Augusto Pinochet, produzindo um sistema de aposentadorias que a população descreve como "Fábrica de Pobres" e uma reportagem da revista VEJA definiu assim:  "mais de 90% dos aposentados chilenos recebem bem menos que um salário mínimo de benefício. O valor da aposentadoria em relação ao último salário do trabalhador é de 40%. Trata-se do percentual mais baixo que o da média dos países desenvolvidos".

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Num momento no qual o governo não consegue reunir os 308 votos necessários para quebrar nosso embrião de Estado de bem-estar social -- tarefa decisiva para a sobrevivência política de Bolsonaro -- cada sinal de apoio do PDT de Ciro Gomes ao projeto irá reanimar o debate sobre "lealdade".

Para quem passou as duas últimas décadas com um discurso à esquerda, demonstrou uma postura acima de qualquer crítica em defesa do governo Lula durante a crise do mensalão e cobrou votos petistas em 2018, um surpreendente contexto em torno da palavra "lealdade" estará em pauta. 

Alguma dúvida?

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