A esquerda sapatênis lacradora e seu medo do radicalismo comunista

Para a esquerda lacradora sapatênis que tem um caso de amor não confesso com a Globo, e que tornou o BBB uma “pauta revolucionária”, ser pautado pela direita e “furar a bolha” são sinônimos.



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Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria uma solução. Neste verso controverso Drummond troçava dos poetas que preocupados com as regras e cânones (ou destruição dos mesmos, que sempre é também um novo cânon), esqueciam que o poema é também sentido de mundo, transcendência, cheiro, degustação, tato, labuta, luta. A desconstrução modernista estava tão empenhada em destruir e construir discurso que muitas vezes esquecia do principal, do poema. No mesmo sentido há um texto de Neruda que reza que os homens mulheres chegaram, fizeram fogueiras, conversaram, fizeram amor com seus poemas, enquanto a crítica apenas estava preocupada com sua estrutura. Mas, afinal, o que tem que ver com esquerda, sapatênis, radicalidade e medos?

Tudo, absolutamente tudo. A esquerda brasileira passou para a pós-modernidade sem nunca ter feito a crítica da modernidade. O complexo de vira-latas no Brasil não se dá somente entre as elites retrógradas, no Brasil, qualquer moda europeia que aqui chegue, mesmo que 50 anos depois, é vestida como a nova roupa do imperador pela esquerda lacradora de sapatênis e esgrimida como espada do mais absoluto ismo e nova verdade trazida da metrópole europeia ou made EUA, contra todos aqueles que teimem em defender grande narrativa ou qualquer ideologia “ortodoxa” e “neopositivista”.

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Na verdade, sequer a crítica do positivismo fizemos, muita gente no Brasil acredita que o positivismo só tem defeitos e não tem seu espaço na construção da ideia contemporânea de verdade, não reconhecendo ou não discernindo seus traços de diálogo e ou antagonismo com o marxismo, por exemplo.

Se é verdade que o marxismo que aqui chegou na esteira da fundação do PCB, seu reconhecimento pelo Komintern e depois, a construção de um marxismo “oficial”, muitas vezes reduzido a um manual de tomada de poder ou de uma sociologia econômica, fez estragos – exatamente pela falta de um debate anterior sobre a dialética hegeliana no Brasil, este marxismo se alicerçou numa fraseologia oca sobre uma pseudodialética, que se restringe a algo que Hegel nunca disse, uma redução da teoria a um embate entre tese versus antítese, gerando uma síntese, mascarando a total falta de debates sobre a teoria do conhecimento, que fervilhou na Europa, antes e depois de Hegel, e que gerou o pensamento fenomenológico e estruturalista e o cânon pós moderno – também é verdade que a “superação” deste marxismo se deu muito mais pelo abandono do estudo da teoria do conhecimento (a criança jogada fora junto com a água do banho) e no embarque de reflexos tardios destas discussões na Europa, do que por debates semelhantes que tenham ocorrido no Brasil. Ser radical é tomar as coisas pela raiz, já dizia Marx. No Brasil, até pelas nossas deficiências filosóficas, radical se tornou sinônimo de sectário. Como não discutimos VERDADE e PRÁXIS, a teoria gira sempre em falso. Vivo sendo chamado de ortodoxo e radical, e até de ideológico, o que é verdadeiramente risível. Sim, sou chamado de ideológico por gente que é tão ideológica quanto eu. Mas não tem a mínima ideia do que é ideologia. Na pós-modernidade líquida da morte das ideologias e das grandes narrativas, nada é ideológico. Na verdade, também isto é uma ideologia, um conjunto ordenado de pensamentos, superestrutura, com começo, meio e fim, e eficácia e lugar de disputa, contra ou a favor do status quo. A ideia da “morte das ideologias”, “do fim das grandes narrativas”, também, é uma ideologia, também é uma grande narrativa. É a solução mágica mentirosa de Barão de Munchäusen dos pós-modernos, que creem que, com uma palavra, se eximem de ter posição na disputa. Não se eximem. São tão ideológicos e até mais radicais do que eu. E tem lugar na disputa do status quo PRÓ CAPITALISMO, porque sem grande narrativa ou ideologia, já estamos no FIM DA HISTÓRIA, com ela se realizando na sua plenitude agora, e não há alternativa de emancipação porque não existe emancipação. O que cabe são apenas as lutas localizadas e locais.  Quem tem mais que três neurônios e leu mais que dois livros de Filosofia entende isto, mas é óbvio que o discurso filosófico que nega a ideologia é bem mais sofisticado e tem a pílula dourada por uma extensa bibliografia. Mas não tem, com toda falácia de autoridade que possa ter, como negar um fato de que é ele também ideológico e pré-ordenado, com lugar na disputa e na luta de classes. Se nega a emancipação e o fim do capitalismo, afirma sua “naturalidade histórica”, sua justiça e eternidade. Parece muito novo, mas é muito velho. Retroage a argumentos pré-marxistas.

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Esse discurso hoje ganhou os corações e mentes da esquerda brasileira, com sua “luta pelo local”, da luta “possível”, com um certo tipo de identitarismo avesso à luta de classes e muitas vezes antitético ao marxismo. É um discurso que leva a formas de organização social e de luta rudimentares, que desarmam preliminarmente a classe trabalhadora, porque estão eivados da radicalidade da emancipação e da noção de conjunto e de universalidade da classe, do potencial transformador da ideia da transformação da classe em si em classe para nós, em classe revolucionária, da concatenação de todas as lutas, feminista, negra, LGBTQI, sindical numa luta maior pela emancipação do proletariado. 

É uma esquerda previamente cooptada pelo sistema e que morre de medo não só da palavra radical, mas do radicalismo socialistas e comunista. No fundo, quer apenas fazer a luta local, porque previamente defende o capitalismo.

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É fundamental entender porque nos afundamos neste pântano. Importamos, modelos. No Brasil não houve um embate entre Althusser versos Garaudy, dois grandes filósofos representando duas alas, que mais do que duas alas num reducionismo de “oportunismo” x “radicalismo”, eram duas alas que esposavam diferentes abordagens da verdade dentro do movimento comunista. Ou o embate de Sartre com o PC e os comunistas, numa relação de amor e ódio que perdurou entre os atores até o fim da vida, ou o embate de Lukács, ora a favor da ortodoxia, ora contra ela, ora contra Sartre e o existencialismo, ora contra Stálin e os desvios da dialética. Também nunca houve um embate entre a renovação heterodoxa do marxismo feito pela Escola de Frankfurt, numa radical crítica da modernidade e do capitalismo, mas também da falta de dialética de determinado pensamento marxista, chegou ao Brasil apenas a sua caricatura sombria habbermaniana, antipráxis, conservadora, antirrevolucionária e, portanto, reacionária. Chegaram ecos tardios destes embates como receitas prontas de bolo, em círculos que apenas imitavam a profunda dissensão havida fora do Brasil, mas que nunca se preocuparam com as questões filosóficas que eram disputadas alhures, como por exemplo, qual seria a relação entre o ser e a essência; ou se a questão da verdade era eminentemente da práxis ou não.

Aliás, é da práxis que começo a alinhavar este novo parágrafo. O Brasil se tornou pós-moderno e passou a “disputar as narrativas” (já escutei tanto esta papagaiada que até mesmo eu a repito sem raciocinar mais) sem nunca ter discutido a práxis. Assim, a nova roupa do imperador da esquerda lacradora de sapatênis sempre vira uma verdade absoluta, um papagueia, mimetiza o outro e repetem um discurso, escutam o galo cantar, mas não sabem onde. A esquerda brasileira abriu mão da práxis (embora ainda empregue a palavra) sem nunca ter feito a crítica radical que a esquerda europeia fez dela. E porque digo que a esquerda lacradora sapatênis abriu mão da práxis? Vamos à tese 2 de Marx sobre Feuerbach: “A questão de saber se o pensamento humano pertence à verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.” Esta tese parece muito simples, mas como um rio escuro de águas que parecem mansas, no esconso se escutem grutas, animais carnívoros, pedras que podem prender nossos pés e nos afogar.

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A primeira coisa a entender é que a práxis sim é prática. Diziam Marx e Engels, a verdade de uma maçã é comê-la, a prova da existência da maçã é devorá-la, não se pode devorar maçãs teóricas. Parece algo muito simples e claro, mas não é, porque há uma contradição inconciliável entre dizer isto e dizer, “a verdade é um discurso”. 

Na discussão da teoria do conhecimento na Europa, que nós não fizemos no Brasil, a ideia fundante da fenomenologia é o “ser essente”, no qual a distinção entre a coisa em si e o para nós desaparece. No fundo, isto é um retorno ao idealismo filosófico de maneira ateia e envergonhada. Lukács diz isto com todas as letras em sua crítica a Heidegger, a Husserl e aos existencialistas, nós, NO BRASIL, simplesmente NUNCA FIZEMOS ESTE DEBATE. 

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Este artigo não tem em absoluto a função de fazer uma crítica epistemológica da coisa em sim, da sua importância, do para nós e do fenômeno (relação essência versus aparência), mas sim, é um ponto nodal nas discussões que nunca chegaram aqui, este desaparecimento do EM SI, do objeto factual. Era um ponto nodal lá, aqui o que fizemos foi copiar os pós modernos sem nunca ter adentro com o mínimo de honestidade neste debate.

No Brasil a ideia da fenomenologia e do estruturalismo e todo seu conceitual chegou e foi difundido sem nunca termos debatido a sua origem. Assim a verdade se tornou “produção de verdade” e “narrativa” e a práxis tornou-se apenas uma palavra saudosa dita aqui ou acolá numa conversa de botequim regada a cerveja e tremoços, ou numa assembleia sindical por algum dirigente que leu as orelhas do Manifesto do Partido Comunista. 

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Antes de partir para a parte dois da discussão da tese dois, é fundamental que deixar consignado que não, não estou dizendo que não se deva ler Althusser, Sartre, Heidegger, Lévy-Strauss, e toda a importantíssima crítica ao chamado marxismo ortodoxo. Estou dizendo outra coisa, a leitura tardia que chega ao Brasil é rasa, mimética, sem discussão de origem e de validação da práxis.

A segunda questão importantíssima da tese 2 é que a verdade não está reduzida ao empirismo rude. Toda verdade é prática, mas toda prática é também teoria. Quem conhece marxismo DIALÉTICO sabe que todo trabalho é prévia ideação e devir teleológico, então, o marxismo não retroage a um positivismo grosseiro que tenta extrair da prática verdades jusnaturalistas (como fez certa versão de marxismo “ortodoxo”), mas sabe que toda discussão teórica tem origem na COISA EM SI, NO MUNDO REAL EXTERIOR A NÓS. Por exemplo, a matemática e a física avançadas, as diferenciais e as integrais, não são representações puramente abstratas do pensamento humano, embora sua construção necessite de um avançadíssimo grau de abstração, são representações avançadas do mundo, e a prova concreta disto, é que se elas não forem bem calculadas o prédio desaba e o foguete espacial explode no lançamento. Mesmo a abstração é social, é um constructo histórico de milênios assentado em trabalho coletivo e não um pensamento individual de um cravo solitário e louco que pensa que contém uma verdade advinda de deus em sua cabeça. 

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É a retomada permanente da discussão da de Platão (idealista puro) versus Aristóteles (materialista envergonhado). Enquanto Platão via nas ideias um conjunto de arquétipos eternos que o homem pega emprestado para construir sua ideação de mundo, Aristóteles depreendia as suas categorias de manifestações do mundo real em nossa sensibilidade. Pode parecer uma discussão velha, mas, como diria Octávio Paz (este, um mexicano que sim, fez a discussão da modernidade, aqui mesmo na América Latina, em profundidade), o que muitas vezes parece algo completamente novo, é apenas a retomada de um velho dilema sobre nova roupagem.

Paz, em seu “O Arco e a lira”, faz uma profunda digressão dos dilemas da modernidade e das armadilhas do “novo”. A maldição de Sísifo da modernidade. Com o cristianismo inauguramos a maldição do tempo contínuo. Antes, nas várias concepções de mundo antigas, o tempo era cíclico. Vivíamos, por exemplo, num intervalo do sonho de Brahma e assim que ele acordasse morreríamos e voltaríamos a viver assim que ele sonhasse, num eterno retorno. O cristianismo, muito antes que qualquer modernidade, rompe com isto. Jesus só vem ao mundo uma vez, só morre uma vez, só ressuscita uma vez, só sobe aos céus uma vez, só voltará para julgar os justos uma vez. O tempo não retorna, tudo que é novo hoje, amanhã já é velho, tudo que é sólido esboroa no ar. Assim, tudo que parece radicalmente novo hoje, amanhã é apenas já velho.

A maldição do novo permeia o capitalismo. Mesmo a modernidade e sua poética baudelairiana é uma reação a isto. À fugacidade do mundo com a morte de Deus. Se o primeiro passo ao desencanto foi dado com o fim do tempo cíclico, a morte de Deus com o desencantamento do mundo, com Mamon em seu lugar é o passo seguinte. Já dizia Walter Benjamin que o capitalismo é uma religião, ou, talvez, a única religião. Assim, pode ser ver Weber não como aquele que justifica o capitalismo através do cristianismo, mas aquele que sacraliza, justifica e eterniza o capitalismo. De qualquer forma, este desencanto é de uma potência criativa e com três grandes profetas inauguram a grande narrativa da modernidade. Baudalaire, Marx e Freud. 

Perguntar-me-iam sobre Nietzsche, mas Nietzsche tem um pé na Igreja Universal e outro na Umbanda. Toda sexta feira ele bate um tambor e acende uma vela para Exu, porque inaugura em “Para além do bem e do mal” a crítica das Grandes Narrativas e abre a porta para a verdade líquida da modernidade (ainda que ele mesmo não o faça, ele também é autor de uma grande narrativa polimorfa e perversa).

Toda esta discussão passou bem ao largo no Brasil. Pulamos da disputa de Marx com o Positivismo, com a Economia Clássica, com o Jusnaturalismo direto para Lélvy-Strauss ou Habermas. Entendam, não estou afirmando que não discutimos Marx, nós não fizemos foi a discussão europeia, vinda muito da chamada “crise da razão” do pós guerras, da Razão, da Verdade, da Ontologia, da Teoria do Conhecimento. Simplesmente pegamos emprestados os textos e passamos a copiá-los, muitas vezes de autores terciários e quaternários de qualidade muito duvidosa, Julia Kristeva, por exemplo (talvez umas das maiores fraudes pós-modernas em termos de escrita).

E isto cria uma tradição. Como a práxis desapareceu, como o discurso vira verdade, a partir de textos terciários de baixíssima qualidade de intelectuais que sim, podem ter titulação acadêmica até de pós doutorado, passamos a carimbar uma produção caricata de verdades prontas que nunca foram debatidas a sério no Brasil. Estamos lotados de Frankfurtianos que advogam Habermas sem nunca terem lido com atenção Adorno e não vem nenhuma contradição entre o reacionário, bem comportado, burguês, cooptado e defensor incondicional do capitalismo Habermas e sua “teoria discurso” (um retorno malfeito com roupagem moderna ao jusnaturalismo) e ao ultrarradical Adorno e seu combate à Indústria Cultural e a estética do capitalismo. Uma leitura desatenta de 10 páginas, de cada um, mostra como um e outro estão em campos opostos e antitéticos. Mas no Brasil, com o epíteto de “frankfurtianos” e livros de autores terciários, que tiveram sua cabeça raspada por outros autores terciários, se coloca tudo no mesmo saco de gatos, na noite em que todos os gatos são pardos.

Assim, a ideologia MORRE SEM NASCER. O marxismo é recusado como velho, sem nunca ter sido lido ou compreendido, e temos dezenas, talvez centenas de fraudes e imposturas intelectuais que escrevem livros e manuais de algumas páginas, para consumo tão frenético como de qualquer livro de auto-ajuda. Basta você recitar alguma receita identitária e reivindicar algum “lugar de fala”. Não precisa de fato histórico, não precisa de provas, não precisa de práxis. Assim, uma fraude e uma impostura intelectual legitima a fraude e a impostura intelectual seguinte. 

Por exemplo, há vários textos que dizem de maneira aberta e sem vergonha da burrice que está dizendo que o CAPITALISMO INAUGURA O PATRIARCADO. Para todos os fins esta afirmação é falsa. Bem, como provar que o que eu estou falando, que o capitalismo não inaugura o patriarcado é mentira? Quem escreve isto teria que me trazer os fatos históricos reais concretos que provam sua tese.

O que se faz, de verdade? 

Em lugar disto basta dizer que sou um homem branco hetero cisnormativo. Falácia ad hominem clássica e falsa. 

Vejam, não quero e nem pretendo ter lugar de fala na luta feminista, é uma luta cujo lugar de fala justíssimo é das mulheres. Mas O LUGAR DE FALA NÃO BASTA PARA NENHUMA AFIRMAÇÃO CONCEITUAL.

Quem inaugura o patriarcado é a escravidão e o modo de produção asiático (que aliás, poucos e poucas conhecem e estudam), na verdade, depois do modo de produção comunista primitivo, o primeiro modo de produção que coloca na ordem do dia a questão da emancipação feminina (coloca, não quer dizer que emancipa) é o capitalismo, porque tira a mulher do campo da dominação doméstica e a joga na indústria e no mercado de trabalho. Assim, nenhum lugar de fala vai mudar o fato histórico.

O que acontece, entretanto? A primeira pessoa que diz isto e publica, referendada por um diploma de pós doutorado se torna signo de verdade para uma série de fraudes na disputa de narrativa. 

Assim surgem figuras como Carlos Moore, um agente da CIA anticastrista, financiado pelos Estados Unidos, que diz ao mundo que Cuba é mais racistas que os Estados Unidos e que Obama é a maior personalidade da luta negra no mundo, assim como Condolezza Rice (assassinos de negros e árabes com seus bombardeios e terrorismos de Estado). Ele tem seus fanáticos seguidores no Brasil, que inclusive acreditam que Marx era racista. Não à toa, Moore tem seu livro disponível no Portal Conservador e é endeusado tanto por parte da esquerda lacradora como por fascistas que adorariam colocar esta esquerda lacradora no paredão.

Isto só é possível porque a PRÁXIS desapareceu. A prova da verdade deixou de ser fática, mas é uma disputa de narrativas, na qual basta eu xingar meu antagonista para calá-lo. 

O PROBLEMA É QUE NÃO HÁ TEORIA REVOLUCIONÁRIA sem movimento revolucionário. A teoria da verdade como discurso gira em falso e, como diria o crítico e defensor do marxismo Jean Paul Sartre, traz como novos argumentos pré-marxistas.

Sartre era uma metamorfose ambulante e dos críticos do marxismo é, sem dúvida nenhuma, o melhor. Ao mesmo tempo que bombardeava a teoria do conhecimento marxista e queria celebrar um casamento entre o existencialismo e Marx, Sartre dizia, com todas as letras, que O MARXISMO ERA A ÚNICA FILOSOFIA VIDA. Não por acaso, acabou quase sempre no campo certo da luta de classes internacional, apoiou os argelinos em guerra, antes mesmo do PC Francês, ficou do lado do Vietnã e de Cuba, inclusive contra muitos marxistas europeus. Sartre dizia que era fundamental a Grande Narrativa, um FILOSOFIA que desse conta da crítica radical do capitalismo e que o marxismo só morreria quando morresse o capitalismo e a luta de classes.

Então, o Brasil vive uma epidemia de teses velhas na Europa e, no fundo, pré-marxistas, com roupagem de novas. No Brasil, no Brasil, nossa miséria intelectual faz muita gente acreditar que, por exemplo, Slavoj Žižek é marxista, sem nem se dar ao trabalho de tentar entender que debates ele está fazendo inclusive CONTRA MARX. 

O medo do autoritarismo, causado por 20 anos de ditadura militar, descambou para um discurso ingênuo, hedonista, grosseiro, infantil e extremamente individualista e pequeno burguês de aversão a discutir disciplina e autoridade. 

Lênin? Nem fodendo! E tome roda de conversa e horizontalismo, sem organização, para derrotar o capitalismo através do afeto. Os novos Quixotes desta vez querem enfrentar os moinhos desarmados intelectualmente e sem formas organizativas. Se se dessem ao trabalho de ler “O que fazer”, estariam no índice no verbete voluntarismo, na chamada “tática-processo” menchevique. Mas isto é vendido como novo e revolucionário e “alternativa” ao fracasso dos partidos anteriormente organizados. No fundo, no fundo, voltamos no tempo a uma organização bizarra anterior ao da COB, a grande confederação anarquista no Brasil. Fazemos um ato para chamar outro ato e padecemos de um medo edipiano de tecer qualquer nível de estrutura ou organização “vertical”, porque isto seria um traço de autoritarismo ultrapassado. Na verdade, retroagimos no tempo e no espaço a formas que nem são pré marxistas. São pré-anarquismo.

Neste artigo que ficou mais longo que deveria ficar, ainda faltam alguns pontos a deslindar. No último parágrafo parecia que eu queria falar sobre organização, mas na verdade eu falo de teoria. O ponto da falha da organização não se dá pela questão da organização em sim, mas pela falta de um REFERENCIAL TEÓRICO. Do momento que rebaixamos a práxis a uma disputa de discursos a mimetização desta papagaiada pseudoacadêmica se tornou norma entre nós.

Na única disputa que o capitalismo admite – estética, da moda, entre o velho e o novo – e que ele consegue circunscrever a uma revolta de consumo, previamente ordenada, ao que é aceitável ou não pelo sistema, a organização revolucionária é o velho a ser evitado. Esteticamente, se organizar para uma catarse violenta contra o sistema, periodicamente quebrando ônibus ou ponto de ônibus, mas, preliminarmente negando qualquer grau de organização da classe para superar o sistema pode parecer revolucionário. Mas não o é. Faz cócegas ao sistema e nega a discutir sua superação pela transformação da classe em si em classe para nós e a tomada organizada e sistemática do poder. Depois da catarse periódica se volta ao nada organizativo horizontal, em que “ninguém manda em ninguém ou ninguém obedece a ninguém” (de repente seria alguma introjeção de algum medo de castração infantil?) e a elite goza sabendo que com poucos centavos recuperará o prejuízo de uma noite de farra infantil.

Para terminar, a esquerda lacradora sapatênis, cujo único arroubo revolucionário é periodicamente quebrar ônibus e chamar de burocracia qualquer forma de organização dos trabalhadores (muitas vezes inclusive alternando entre atacar a PM e atacar os trabalhadores que eles julgam “não revolucionários” nos atos, nisto se aproximando muito dos camisas pretas de Mussolini), em geral, troca as mãos pelos pés.

Ela acredita que “fura a bolha” quando consegue migalhas de atenção do sistema. Ela vive nas redes sociais suplicando por atenção dos globais e dos famosos e, quando o consegue, ela jura por Mamon que agora conseguiremos “dialogar” com a classe trabalhadora, com a pauta e a estética do opressor. Não pode ver um ONG financiada pelos EUA ou um abaixo assinado do Avaaz que lá vai a esquerda sapatênis lacradora mendigar a atenção da direita liberal e disseminar a pauta das “revoluções coloridas” nas redes sociais. Como este povo passou para Harbermas sem ter lido Adorno ou Guy Debord, eles confundem furar a bolha com sermos pautados pelos objetivos ou pela estética deles. 

É a revolta de consumo já pré-estabelecida e controlada pelo sistema. É uma mistura de Habermas, com Augusto Cury, Osho, Karnal, e todo um orientalismo de péssimo gosto, que descambou para um discurso de auto-ajuda “neurolingúistico” (Lair Ribeiro?), e de que não podemos magoar os arrependidos, ou os fascistas. Como se efetivamente conquistar espaços na luta de classe fosse uma fórmula pré-modelada de discurso fofinho para evitar traumas, e nossos adversários fossem crianças do pré-primário. Eles esquecem obviamente que o discurso do bom mocismo PERDEU AS ELEIÇÕES. 

Bolsonaro foi um underground e um ator que se apropriou de algo que a esquerda sempre fez. O discurso maldito e que explode os limites do bom mocismo. A esquerda sapatênis lacradora passa 12 das suas 24 horas do dia patrulhando e censurando a esquerda na internet, as outras 12 horas ela passa disseminando a pauta liberal identitária da direita, e olha que temos EXCEPCIONAIS produtores de conteúdos negros e negras, gays, lésbicas, defensores da legalização das drogas. Mas, com a desculpa de furar a bolha, a esquerda lacradora passa o dia trabalhando a pauta da direita e mendigando a atenção de seus ícones. Lembra-me muito a metáfora de Napoleão sentado à mesa, no fim do livro “A revolução dos bichos”.

Para a esquerda lacradora sapatênis que tem um caso de amor não confesso com a Globo, e que tornou o BBB uma “pauta revolucionária”, ser pautado pela direita e “furar a bolha” são sinônimos. Estranho estratégia na qual sempre somos passageiros e pacientes e nunca disputamos a hegemonia. Assim, a esquerda perdeu tanto a função de explodir os limites do discurso moralista, hipócrita e bom mocista, circunscrito a uma moral burguesa, que ao fim e ao cabo tem um fundo religioso, como deixa de fazer algo que fazia até a década de 60: PAUTAR AS DISCUSSÕES.

Termino citando Oswald de Andrade e Simón Bolívar. Oswald foi genial na sua antropofagia. Não há nada de novo no ar, tudo que construímos de novo é a simbiose do já conhecido em novas formas, assim, temos que ser antropofagistas nos apropriando, mas numa estética brasileira e latino-americana do que tem de mais avançado na teoria. Que acusa o marxismo de ser europeu, esquece que o cristianismo também o é, mas o marxismo é uma ferramenta de luta e emancipação, o cristianismo pode ser usado para isto, mas não o é em si. É fundamental recuperamos o que tem de melhor na teoria europeia, que ainda é Marx, para podermos sair do labirinto de uma esquerda que está ao nível do infantilismo edipiano do horizontalismo e do medo de castração, avesso neuroticamente a qualquer autoridade.

De outro lado, esta apropriação tem que ser inventiva, não uma mera cópia. Como dizia Simón Martin, preceptor de Bolívar, e pai da independência da América Latina, ou inventamos, ou morremos! 

Não há palácio de inverno no nosso horizonte, temos que fazer como Mariátegui e criarmos um marxismo que invente formas de organização tremendamente alicerçadas na realidade brasileira, com a retomada da práxis, da disciplina e da organização revolucionárias.

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