A esquerda que joga parada
"As lideranças democráticas não se mostram capazes de conferir direção e sentido ao descontentamento crescente, à exaustão, à perda de paciência", escreve o cientista político Aldo Fornazieri
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Os partidos de esquerda, apesar de alguma melhora, continuam não estando bem na conjuntura. De modo geral, mas especialmente o PT, são como aquele centroavante que fica parado na grande área inimiga à espera de uma bola para fazer o gol. Se o time joga, algumas bolas chegam. Mas na medida em que os partidos como um todo estão jogando parados, as bolas não chegam. O jogo do PT é claro: acredita que a bola fatal, a bala de prata, chegará inapelavelmente em 2022.
Tanto nos jogos quanto na política, o acaso e o imprevisto costumam acontecer para quem joga sem combinar prudência e coragem na busca de objetivos definidos. Times fortes são derrubados por pequenos. Bolsonaro é presidente do Brasil.
Durante o processo de impeachment contra Dilma, o PT e o governo jogaram parados. Não viram a traição de Temer. Alguns dos ministros de Dilma se licenciaram do Ministério e voltaram para a Câmara para votar no impeachment. O PT parece não aprender com os erros.
No momento em que se acirra a tensão política no país e a crise institucional, os partidos de esquerda não são os principais protagonistas do jogo. Durante o período agudo da pandemia, fizeram a política das lives. Esta tentativa de viabilizar uma esquerda delivery foi pouco frutífera. Constrangidos pelos movimentos sociais que saíram às ruas, pouco acrescentaram quando aderiram aos atos. Pelo contrário: depois do impacto inicial dos atos, os últimos perderam parte da relevância. Convocados de afogadilho e sem organização, tenderam ao piquenique cívico. São atos de ativistas e militantes. Não se consegue mobilizar setores amplos da sociedade em que pese a conjuntura favorável. Com o bloqueio do impeachment com a ida do Centrão para o governo, as esquerdas precisam redefinir sua tática. Precisam propor algo que faça sentido e que mantenha a pressão das mobilizações contra o governo.
No campo de batalha político do país hoje jogam alguns jogadores principais. De um lado está Bolsonaro, incansável nas suas investidas antidemocráticas, eficaz na destruição das instituições, aposta no caos com a esperança de encontrar um caminho que leve a um governo de força. As chances são escassas, mas isto não significa que Bolsonaro desistirá e que não tentará uma arruaça, criando tumultos e desordens para ver o que consegue. Com uma retórica vazia, mas radical, tende a arregimentar hordas enraivecidas.
O discurso que Bolsonaro proferiu em Florianópolis sinalizou algumas pistas de como pretende avançar pelo ódio e pelo medo. Atirou pesado contra Lula. A construção e a caracterização de Lula como inimigo é o principal esforço que ele vem empreendendo neste momento. Pintar Lula como o que há de pior e de mais perigoso para o Brasil, para a pátria, para os “homens de bem”, para a família e para a religião é um movimento que se articula com o questionamento das eleições e com a tentativa de arrastar o país para uma aventura golpista.
O discurso de Bolsonaro é tão simples quanto mentiroso. É eficaz na persuasão de um público que não é dialógico, mas quer se deixar convencer de alguma coisa, por qualquer coisa que estimule suas emoções e sua irracionalidade. As esquerdas, até agora, não encontraram uma estratégia discursiva capaz de confrontar a natureza simplória das mentiras de Bolsonaro. Se Bolsonaro vem encolhendo, pouco se deve às esquerdas, mas aos fatos e a outros atores que ocupam o espaço político.
A principal oposição a Bolsonaro hoje vem da CPI e do STF. São os dois atores que mais têm repercussão no enfrentamento das investidas autoritárias e na sucessão de crimes contra o Estado de Direito e a ordem social cometidos pelo presidente. A CPI evidenciou toda a cadeia de crimes contra a saúde pública cometidos pelo governo, os desmandos, os indícios de corrupção, a incompetência que resultaram nessa tragédia que o país vive. Embora tenham contribuído, os partidos de esquerda com representação no Senado, não foram os protagonistas principais da instalação da CPI e nem de seu funcionamento.
O STF tem sido a principal instituição de enfrentamento às investidas autoritárias e anticonstitucionais de Bolsonaro. Destaque-se a atuação do ministro Alexandre de Moraes e, ultimamente, de Luís Roberto Barroso. A Câmara e o Senado, junto com a Procuradoria Geral da República, têm tido uma conduta leniente e adocicada, para não dizer covarde, no enfrentamento de Bolsonaro. Com a exceção de alguns parlamentares, há uma passividade geral no Congresso. As ações dos partidos de esquerda são de baixa intensidade, incapazes de constranger Lira e Rodrigo Pacheco.
Alguns parlamentares e partidos recorrem ao STF com ações contra o governo e o presidente. Tudo certo com isto. Mas a política não pode se reduzir à uma eterna judicialização. A política, antes de tudo, precisa ser política. É necessária uma ação política mais intensa e mais eficaz dos parlamentares e dos partidos intra e extra Parlamento na defesa da democracia e no enfrentamento de Bolsonaro. Não se pode fazer política simplesmente pendurando-se na barra da toga dos juízes do STF.
Outro ator que começa a ganhar relevância na defesa da democracia e contra as investidas autoritárias de Bolsonaro é a sociedade civil. São várias instituições e grupos sociais que se manifestam publicamente contra o presidente. Cresce o sentimento de exaustão e de cansaço tanto em relação ao desgoverno de Bolsonaro, quanto ao seu modo de agir pelo atrito permanente, pelo conflito interminável, pela sua desmedida em relação a todas as coisas. Cresce o número de pessoas que perderam a paciência.
Acontece que a potência que a conjuntura oferece tende a ofuscar-se, a esvair-se, pois não há um movimento aglutinador do descontentamento com o governo, com a pandemia, com a inflação, com a situação da economia, com o desemprego e com a destruição das instituições do Estado de Direito, da Educação, da Saúde, da Ciência e da Cultura.
As lideranças democráticas não se mostram capazes de conferir direção e sentido ao descontentamento crescente, à exaustão, à perda de paciência. As lideranças democráticas mostram-se sem grandeza para viabilizar uma saída à maior tragédia da história do país. Enquanto falta pão na mesa, remédio e acesso ao atendimento médico, o que as lideranças democráticas dizem é mais ou menos o seguinte: “esperem mais um tempo, vamos resolver tudo pelas eleições”.
Lula tem elevadas chances de vencer em 2022. Os termos da vitória serão uns se ele vencer com organização e mobilização popular. E serão outros se ele vencer com a tradicional apatia de eleições. No primeiro caso, poderá ter mais força e autonomia para fazer o que é preciso ser feito. No segundo terá que negociar de forma recorrente uma agenda de governo limitada. Este será o custo de jogar parado.
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