A esquerda que foi ao ato do MBL errou
"Devemos ir às ruas, lealmente, com todos que se posicionem pelo impeachment, mas sem renunciar a disputa política pela hegemonia de um programa de esquerda", diz o colunista Valério Arcary
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1. Foram muito pouco expressivos. Na verdade, somente, simbólicos, pelo número de presentes. Politicamente, considerando as faixas e discursos, a inflexão foi, sendo generosos, incompleta e desonesta. Quem ajudou, direta ou indiretamente, a eleger Bolsonaro e decidiu apoiar o impeachment, deveria começar admitindo que errou feio. Não criticando quem lutou contra Bolsonaro e não aceitou o ultimato de comparecer, sim ou sim, incondicionalmente, e de branco, sem identidade. Mas o balanço não deveria ter surpreendido ninguém. Não era maduro, sábio ou emergencial ter ido à Paulista neste dia 12 de setembro por cinco razões:
(a) aceitar o ultimato com uma adesão apressada seria desagregador, e não uma manobra inteligente, porque foi somente uma coincidência a sequência de cinco dias entre o dia 7/9 e o dia 12/9, afinal o MBL tinha marcado o ato com o eixo Nem Bolsonaro, nem Lula, há dois meses, muito antes de Bolsonaro ter decidido convocar às ruas para o dia 7 de setembro e, mesmo com o giro de véspera, continuaria sendo um trampolim para uma “terceira via”;
(b) o novo momento da conjuntura abre a possibilidade e ainda há tempo, pelo menos até dezembro, de atos conjuntos entre a oposição de esquerda e setores da oposição liberal, mas terão que ser atos, no mínimo, pelo impeachment, e a realidade é que a executiva do PSDB não aprovou a posição externada, pessoalmente, por João Doria, e Kassab já declarou que depois do pedido de desculpas escrito por Michel Temer o impeachment ficou difícil, portanto, há uma construção necessária, mas complexa a ser feita;
(c) quem não foi aos atos de 7 de setembro se equivocou, embora a ansiedade seja compreensível, não é boa conselheira, porque não é verdade que o momento da conjuntura, neste mês, é uma situação crítica, de iminência de perigo real e imediato de um autogolpe neofascista, diante da qual devêssemos arriscar tudo agora e já, custe o que custar, ao contrário, Bolsonaro recuou, ainda que de forma farsesca e dissimulada, em dois dias e, por enquanto, se relocaliza para as eleições de 2022;
(d) a unidade da oposição de esquerda se articula em um campo de independência de classe, unindo movimentos sociais e partidos na campanha Fora Bolsonaro, e não pode nem deve fazer curvas improvisadas e precipitadas, porque há perigo de derrapar, e é muito desorganizadora e triste a divisão que, infelizmente, não foi possível evitar com o PCdoB;
(e) o MBL é uma componente liberal da extrema-direita que rompeu com bolsonarismo, o que é positivo, mas não demonstrou, em nenhum momento, ter preservado uma base social própria, e seria um erro a esquerda construir uma escada para a direita liberal se reposicionar com legitimidade como oposição, se passou os últimos dois anos e meio votando e aprovando os projetos encaminhados por Bolsonaro;
2. Cálculos cerebrais são úteis para a elaboração política, mas a luta pelo poder não se reduz nem obedece, estritamente, somente a racionalizações. O perigo “maquiavélico” é desconhecer que as classes não são homogêneas, e sucumbir à tentação de que, no contexto de cada momento da luta, têm plena consciência de onde está a defesa de seus interesses. A “superintelectualização” de análises esquece que a representação de interesses é feita por partidos e lideranças de carne e osso. E as lideranças erram. O erro mais comum é a subestimação de Bolsonaro, à esquerda e à direita. Em abstrato, depois da demonstração de força de Bolsonaro no dia 7 de setembro, e considerando o agravamento da crise econômica, social e institucional, o mais lógico seria que a fração da classe dominante que se inquieta com a crescente “disfuncionalidade”, ou seja, a ruína do governo Bolsonaro, se apressasse em abrir o caminho para uma candidatura de “terceira via” colocando na mesa a necessidade do impeachment. Em princípio, teoricamente, deveriam girar com todas as forças pelo impeachment. Mas a realidade é que essa decisão ainda não feita. Não foi feita por três razões: (a) primeiro, e mais importante, porque depois das ameaças de Bolsonaro, no dia 7 de setembro, há muito temor de qual seria a capacidade de Bolsonaro de incendiar a sua base social, e mergulhar o país em uma situação dramática de turbulência imprevisível; (b) porque um segundo impeachment, em um intervalo de cinco anos, é uma solução extrema nos marcos do regime; (c) porque há muita insegurança em função da relação de confiança do Alto Comando das Forças Armadas com Bolsonaro e porque há ainda pouca confiança no que seria um final de mandato de Mourão.
3. A luta pelo poder tem alternância de tempos. A oposição liberal terá que priorizar os últimos quatro meses deste ano de 2021 para desgastar Bolsonaro para tentar viabilizar uma candidatura de direita liberal que seja sustentável para as eleições de 2022. A polarização contra a esquerda e Lula será no ano que vem, e será impiedosa. Não há qualquer possibilidade de uma candidatura de “terceira via” chegar ao segundo turno, se o apoio a Bolsonaro não for reduzido a menos da metade do que mantém até agora, no máximo até março/abril. Essa perspectiva não é impossível, mas é muito improvável. Teria que se precipitar uma “tempestade perfeita”: terceira onda da pandemia, inflação em aceleração contínua, recuperação econômica interrompida, desemprego elevado, escândalo de corrupção e apagão elétrico, em variadas combinações. Mas além destes fatores objetivos, a construção da “terceira via” tem diante de si outro problema: a ausência de candidatura, e de um arco de alianças partidárias para garantir financiamento e tempo de TV. Quem seria? Ainda há tempo para a afirmação de um nome, relativamente, outsider ou exterior ao material humano disponível? Ou seria mesmo um dos nomes já apresentados: Doria, Mandetta, Pacheco, Simone Tebet ou, quem sabe, Ciro Gomes? Tudo isto permanece incerto. Outra solução para facilitar a construção da “terceira via” seria o impeachment. Mas não pode ser adiada, indefinidamente. Muito mais radical e perigosa, porém, mais efetiva. Um giro de uma ala da burguesia na direção do impeachment pode ser feito, evidentemente, a frio ou a quente. As pressões para um acordo de estabilização, via Michel Temer, obscuro e suspeito, avançou nos últimos dias. Mas há ainda muita incerteza no ar. Não podemos descartar que uma saída da crise institucional pela via de um impeachment pode ganhar mais adesões burguesas. A probabilidade de um impeachment a “frio” articulado no Congresso com legitimação no Supremo Tribunal Federal é pequena, ou quase nula. É impossível porque Bolsonaro não deixará de enfurecer sua base social de apoio nas camadas médias para irem às ruas. E um impeachment a “quente” só é possível com uma mobilização de massas muito superior ao patamar do bolsonarismo. Historicamente, foram muito excepcionais as situações em que qualquer fração da burguesia brasileira teve a disposição de impulsionar mobilizações de massas, muito menos, contra um governo que ajudaram a eleger. Não há qualquer garantia de que seja possível.
4. A ausência de Lula na agitação e nos Atos de rua tem sido grave. Quem pensa que essa localização “estadista” é uma “tática genial” está equivocado. Ajudar na convocação e ir aos atos não diminui Lula. Evidentemente, tampouco faz sentido fantasiar que um vídeo de Lula ou o anúncio de sua presença seriam o suficiente para “mover montanhas”. A esquerda tem reais dificuldades objetivas de mobilizar na escala de milhões. Mas não ir dificulta a preparação dos atos, e diminui o impacto da oposição de esquerda. Esta postura repousa em dois erros que têm a mesma premissa: subestimar o perigo golpista da estratégia de Bolsonaro. O primeiro é a expectativa de que as instituições do regime, sejam os Tribunais Superiores ou alguma das Casas do Congresso, o TCU (Tribunal de Contas da União) e, muito menos, a PGR (Procuradoria Geral da União), seriam uma garantia de barreira contra os impulsos golpistas de Bolsonaro é uma ilusão. O segundo é a esperança de que os veículos mais influentes da mídia comercial, os grupos Globo, Folha e Estado de São Paulo possam substituir o papel da esquerda é, igualmente, enganosa. A luta contra Bolsonaro agora não pode ser terceirizada. Bolsonaro não é o inimigo eleitoral ideal em 2022. Os neofascistas já deixaram claro que não aceitarão perder as eleições. Esse é o sentido do grito na Paulista: vitória ou morte, ou seja a chantagem da guerra civil. A aposta quietista de que podemos aguardar despreocupados para medir forças nas eleições de 2022 é, portanto, um erro grave. As mobilizações de 2021 construídas através da Frente Única da Esquerda, em escala nacional, foram muito importantes. Mas é inescapável reconhecer que, por variadas razões, não alcançaram a dimensão necessária para abrir o caminho do impeachment. Pesaram os perigos sanitários, as inseguranças depois de cinco anos de derrotas, os temores diante das ameaças fascistóides, e nossas próprias debilidades orgânicas. O desafio colocado é a combinação da tática da Frente Única de Esquerda com a unidade de ação policlassista. Trata-se de combinação, porque imaginar que as amplas massas populares que, até hoje, não foram às ruas sairão de suas casas somente em defesa da “democracia” é delirante. O realismo político mais elementar nos ensina que a luta pelo Fora Bolsonaro, ou seja, Abaixo o governo deve ser apresentada junto com a defesa das reivindicações de classe. Devemos ir às ruas, lealmente, com todos que se posicionem pelo impeachment, mas sem renunciar a disputa política pela hegemonia de um programa de esquerda.
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