A esquerda e as eleições: qual deve ser a política?
A esquerda precisa denunciar que pela via institucional não se resolverá o problema da quebra do pacto democrático em 2016, mas deve usar as eleições como uma forma de fortalecer a campanha contra o golpe e o fascismo
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Por Juca Simonard
Antes de entrar no problema das eleições municipais deste ano, é preciso fazer algumas considerações sobre os erros gerais da esquerda. Naturalmente, o processo eleitoral é um importante momento da luta de classes. Por mais que seja um processo dominado pela burguesia - independente do momento em que ele ocorra -, trata-se de um meio importante da luta pelo poder político entre diversas classes e suas frações.
O marxismo há muito tempo rebateu a concepção anarquista de que a esquerda não deve participar de eleições, entendendo naturalmente que, no período eleitoral, existem dados concretos para o cálculo da correlação de forças entre as classes, facilitando a análise da situação, e também um estímulo à realização de agitação e propaganda em torno de determinado programa.
Veja bem, digo que a eleição é um meio importante da luta política, não um meio fundamental, principalmente em um país como o Brasil onde as eleições são extremamente controladas por um aparato burocrático, que dificulta o lançamento de candidatos, a legalização de partidos e que exerce uma ferrenha perseguição política. Isso fica muito claro com impedimento do principal candidato do povo, Lula, de participar do pleito em 2018, através da lei da Ficha Limpa, que aumenta os poderes arbitrários dos tribunais capitalistas no processo eleitoral. A manobra foi fundamental para a fraude que colocou Bolsonaro no poder.
Da mesma forma, isso é comprovado pela dificuldade que os pequenos partidos têm para lançar candidatos e, quando conseguem lançar, a dificuldade em sustentá-los ou até mesmo de não ser pego por um aparelho burocrático. Peguemos como exemplo dois casos em polos distintos: a dificuldade da extrema-direita de oficializar seu partido próprio, a Aliança pelo Brasil do bolsonarismo; e a cassação de diversas candidaturas operárias e camponesas do PCO em 2018. (A diferença é que, no caso da Aliança, essas dificuldades podem ser superadas se o partido receber apoio da burguesia). Para citar apenas dois exemplos.
Eleições desfavoráveis
Se formos fazer uma análise aprofundada do funcionamento eleitoral brasileiro, que não cabe aqui, veremos uma profunda ditadura para controlar o processo. Isso se agravou ainda mais com a ruptura do pacto democrático com o golpe da Dilma em 2016 e seu desenvolvimento. A partir deste ponto, a política da burguesia se tornou de ataque direto a todos os trabalhadores e suas organizações. Disso é decorrente a prisão de Lula, as reformas da previdência, trabalhista e outras, as privatizações, o aumento da ditadura do Judiciário e o próprio governo do fascista Bolsonaro.
João Pimenta, dirigente da Aliança da Juventude Revolucionária, afirmou em coluna publicada no Diário Causa Operária, em 16 de julho, que o golpe “deveria ter ensinado que não se resolve um conflito que supera as instituições por dentro dela”. Esta afirmação está absolutamente correta. Por exemplo, a política do PT de não apostar nas mobilizações contra o impeachment ou contra a prisão de Lula, defendendo articulações parlamentares ou artifícios jurídicos, mostrou-se um fracasso. Tanto é que o golpe ocorreu e Lula foi preso - tendo sido solto após um ano, quando a fraude das eleições já estava consumada e em seguida de diversas mobilizações em Curitiba pela sua soltura.
Pimenta, após ótimas argumentações em um artigo que precisa ser lido pela militância, afirma que “encaminhar a luta para novembro tende a ser um beco sem saída”. Novamente está certo e isso foi comprovado por todas as eleições após o golpe, em 2016 e 2018.
“Daremos algumas aulas adiantadas sobre as eleições de novembro deste ano: 1) a situação financeira da esquerda é pior do que antes 2) a campanha de rua terá um peso menor por conta da pandemia 3) o PL das Fake News apenas censura as redes, se consumado será usado contra a esquerda também. 4) Os candidatos da esquerda, como o verde-amarelo Boulos ou Tatto, são menos polarizadores do que antes, candidatos piores que Haddad em 2016, no Rio a situação é pior que na capital paulista. 5) A direita jogará muito mais pesado, e tentará usar a esquerda para levar partido como o PSDB para a vitória contra o bolsonarismo”.
Neste parágrafo, alguns pontos fundamentais das próximas eleições estão colocados. É bom discutir, rapidamente, ponto por ponto. Primeiro, “a situação financeira da esquerda é pior do que antes”, tendo as sucessivas derrotas do movimento operário enfraquecido sua base de apoio partidária, principalmente no PT.
O resultado nas eleições foi que, tanto em 2016, quanto em 2018, a esquerda perdeu prefeituras importantes, como São Paulo; governos estaduais ainda mais importantes, como no caso de Minas Gerais; e no Congresso nacional diminuiu sua bancada. Da mesma forma, a aprovação do projeto da terceirização e a reforma trabalhista enfraqueceram os sindicatos, que seriam a principal força para, mesmo em momentos de aparelhamento do processo eleitoral, realizar uma ferrenha campanha polarizante e tentar diminuir o retrocesso.
Segundo ponto trata das mobilizações. A pandemia foi um ótimo argumento para a esquerda que é contra a política de mobilização do povo contra os golpistas, que, ou prefere apostar em artifícios institucionais, ou vêem a mobilização de rua (e, portanto, o acirramento da luta de classes - polarização) como um empecilho para a defesa de uma política de frentes com a direita durante as eleições.
Vendo que a população estava se mobilizando contra o fascismo apesar da direções, setores com interesses eleitorais, principalmente do PDT (de conjunto) e do PSOL (como Guilherme Boulos, em São Paulo), trataram de atacar (como no caso dos pedetistas) ou sabotar por dentro (como no caso de Boulos) as mobilizações anti-fascistas (voltarei sobre isso mais adiante).
O terceiro ponto, o projeto das fake news, já foi criticado por mim em outro artigo. Porém, vale ressaltar novamente que ele abre pretexto para a censura nas redes sociais. A esquerda, ao apoiá-lo acreditando que se trata de uma ofensiva contra o bolsonarismo, esquece que o mesmo argumento foi usado para censurar contas do PT na internet. E o fundamental deste projeto, que está sendo levado adiante em ano eleitoral, é a censura da campanha política que não esteja dentro da grande imprensa e do monopólio das comunicações, que tem seus próprios candidatos. Ou seja, quem não for amigo da Globo, da Folha de S. Paulo e outros já começa em desvantagem.
O penúltimo ponto, o 4, bate em uma tecla que discutirei mais adiante, mas é bom salientar, como faz o artigo mencionado, que os candidatos da esquerda para a Prefeitura em São Paulo (principal cidade do País) são muito mais moderados que anos anteriores. Tatto tem relações profundas com empresários paulistas e Boulos há muito tempo vem sendo usado pela direita (sabendo ele ou não deste fato) para isolar o lulismo, aparecendo como “nova liderança das massas”, manobra que - até agora - não deu certo.
O último ponto trata sobre a política frente ampla atualmente sendo manobrada pela direita e uma parcela da esquerda. A frente em si é uma fraude e procura unificar partidos não golpistas com partidos golpistas em defesa de um conceito abstrato de “democracia”. A frente seria para se contrapor a Bolsonaro, que é usado de espantalho para justificar uma aliança com os “pais” do bolsonarismo - PSDB, PDT, Globo, etc. - que querem manter a política do bolsonarismo sem os inconvenientes causados pelo fascista e pela chamada “ala ideológica” (conceito que foi criado para defender a ala “técnica” da extrema-direita brasileira, que é tão ruim quanto).
É neste cenário que a esquerda pode vivenciar um dos maiores fracassos eleitorais dos últimos anos, sem ganhar nenhuma capital importante. Isto é avaliado inclusive por setores moderados da esquerda que vêem nas eleições um fim. Em coluna publicada no Brasil 247, o secretário do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), e ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Ricardo Capelli, afirma que “é absolutamente realista considerar a hipótese de que PT, PDT, PSB, PCdoB e PSOL não elejam nenhum prefeito nas capitais”.
“No Sudeste, a esquerda pode não ir sequer ao segundo turno. No Sul, a única chance está em Porto Alegre. No Centro-Oeste, só uma “zebra”. No Norte, parece que só Belém ainda ‘respira’. No Nordeste, personagens de centro-direita ou bolsonaristas lideram as pesquisas em boa parte das capitais”, destacou.
Eleição: a política dos reformistas e a política dos revolucionários
Como foi citado anteriormente, grupos da esquerda acabaram com as manifestações contra o fascismo por calcular que não seria uma boa jogada eleitoral aumentar a polarização política neste momento em que se constrói uma frente com a direita. Liderado por Guilherme Boulos, candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL, o movimentos Somos Democracia tratou de desqualificar os atos para expulsar a extrema-direita neonazista da Avenida Paulista, o que acabou esvaziando as manifestações.
Primeiro através da realocação do ato para o Largo da Batata, onde não haveria um enfrentamento com a extrema-direita; em seguida, através de um acordo com a Justiça, o governo Doria (PSDB) e os fascistas (como o grupo Dama de Ferro) para alternar, entre esquerda e direita, os finais de semana de manifestações no local. Isto é, não haveria mais o confronto, que era o essencial dos atos, mas um acordo entre fascistas e antifascistas.
Isso coloca em debate a diferença da política reformista e da política revolucionária para as eleições, pois mesmo mostrando o cenário desfavorável das eleições golpistas - para esclarecer que não se deve ter ilusões no processo - uma política marxista defende a participação na operação política, diferenciando-se de setores sectários da pequena burguesia radical, como os anarquistas e outras variações do tipo.
Os reformistas: eleição é um fim
Primordialmente, é importante esclarecer a diferença entre os dois segmentos da esquerda. Os reformistas acreditam em um melhoramento do sistema capitalista através de reformas sociais. Atualmente, a maioria dos reformistas defendem um capitalismo “justo”, com menos desigualdades, mas houve época, em que a esquerda não estava tão acuada pela ideologia direitista, que intelectuais oportunistas, como o alemão Bernstein, defendiam que as reformas eram uma forma de se atingir o socialismo.
Essa ideia se demonstrou totalmente farsesca com o desenvolvimento histórico, pois por mais que o Estado promova determinadas reformas sociais em um determinado momento, sem derrubar o poder do imperialismo e do restante das classes dominantes, basta uma mudança na correlação de forças para que tudo o que foi feito seja jogado por água abaixo. Tanto é que diversos governos de esquerda passaram pelo mundo e, em uma perspectiva histórica, a miséria e a desigualdade só fizeram crescer. O caso do golpe no Brasil é um bom exemplo. O PT promoveu uma série de reformas (mesmo que extremamente moderadas) que foram totalmente canceladas pelos golpistas, que inclusive levaram, em seguida, uma política que retrocedeu o País. Desta forma, o Brasil avançou pouco durante 14 anos, mas retrocedeu muito mais em quatro.
Para os reformistas, as eleições são um fim, pois a participação no Estado é fundamental para executar e aprovar tais reformas. Desta forma, como os fins justificam os meios, tudo vale para obter uma vitória eleitoral. Às vezes a mobilização é benéfica para este fim e deve ser estimulada, às vezes ele é ruim para determinados setores e precisa ser combatida. De todos os jeitos, a mobilização fica em segundo plano. É isto que está em jogo com o esvaziamento dos atos contra o fascismo e contra o golpe no Brasil.
Antes de entrar na políticas dos revolucionários, vale destacar que, até mesmo do ponto de vista reformista, a política destes grupos no Brasil é extremamente errada e medíocre. Errada pois aposta que uma aliança com a direita, que rompeu o pacto da Constituição de 1988, permitirá a ascensão da esquerda; medíocre porque o objetivo é eleger meia dúzia de parlamentares e ganhar uma ou duas Prefeituras importantes, um ou dois governos de estado, ou chegar à Presidência apoiando-se na direita e, desta forma, não ter forças para aprovar as reformas.
A política da esquerda, inclusive do ponto de vista eleitoral, deveria ser de apostar na mobilização para realizar uma grande campanha política e, caso seja vitoriosa, ter forças para levar adiante os processo de reformas, seja do ponto de vista municipal, ou estadual, ou federal.
Os revolucionários: eleição é um meio
Por outro lado, os revolucionários acreditam que as eleições são um meio de fortalecer a luta política da classe trabalhadora. Desta forma, as eleições estão submetidas aos interesses dos trabalhadores e não o contrário. A mobilização sempre aparece como o principal instrumento, junto com o trabalho de agitação política e propaganda. Por exemplo, a política do PCO de utilizar as eleições fraudulentas de 2018 para lançar candidatos que denunciassem o processo com a palavra de ordem “Eleição sem Lula é fraude” foi extremamente acertada.
Para os revolucionários, as eleições devem servir como um momento de aumentar a campanha do partido, fortalecendo seus aparatos internos e ganhando influência com o momento propício à luta e ao debate político. Da mesma forma, para os revolucionários não faz sentido abrir mão dos interesses dos trabalhadores e se eleger com apoio da direita, pois sabem que isso não resolverá o problema dos trabalhadores, mas ao contrário submeterá o desenvolvimento da luta por seus interesses aos interesses da classe exploradora: os capitalistas.
Mas qual é a importância desse desenvolvimento da organização dos trabalhadores? Os revolucionários, ao contrário dos reformista, defendem que as mazelas do atual sistema capitalista apenas poderão ser impedidas com a sua derrubada. Para isso, é preciso acabar com as forças que dominam o poder político por meio de uma revolução social que exproprie os grandes capitalistas, culpados pelas desigualdades, fome, miséria, atraso cultural e científico, guerras e outras contradições pelo mundo.
Resumindo, a política correta para as eleições deste ano é o aumento da agitação e das mobilizações contra o golpe e o fascismo, submetendo as eleições a esta campanha e não abrindo mão dela em defesa das eleições.
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