A esquerda brasileira, de um século a outro

Colunista Emir Sader afirma que, se a esquerda voltar a governar o País, precisará 'democratizar o Estado, a mídia, o Judiciário, as estruturas econômicas'

Mobilização progressista e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Mobilização progressista e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas | Ricardo Stuckert)


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A esquerda brasileira já tem uma longa trajetória, que já cruzou diferentes conjunturas políticas. Suas origens são nacionalistas, remetendo ao getulhismo. Uma vertente que sobreviveu a ele, com lideranças como a do Leonel Brizola. O getulhismo, que passou a ser reivindicado pelo maior líder da esquerda brasileira – o Lula.

Se tomamos as últimas décadas do século passado e as deste século, podemos encontrar pelo menos três perfis distintos da esquerda brasileira.

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Ao longo dos anos 1950 e começo da década seguinte, a esquerda lutava pelo que chamava de reformas de base. Tratava-se de, no marco do processo de industrialização, promover a reforma agrária e a limitação da exportação de lucros, como objetivos imediatos, com um programa nacionalista geral para o Brasil.

Era uma esquerda nacional e popular, apoiada no movimento sindical urbano, de sindicalização rural e do movimento estudantil. Lutava, além disso, por uma política externa independente.

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Uma esquerda que foi fragorosamente derrotada pelo golpe militar. Não teve capacidade de resistir e foi destruída pela ditadura, tanto nas suas organizações sindicais, como nas suas bancadas parlamentares e dirigentes populares.

A ditadura militar impôs a questão democrática como central. Houve uma tentativa de construção de uma esquerda vinculada à luta armada, com guerrilhas, que foi rapidamente derrotada e liquidada.

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A partir daquele momento a oposição à ditadura passou a ser dirigida por setores liberais. A esquerda passou a fazer parte, de forma subordinada, à frente opositora, que passou a comandar o processo de transição democrática, com o fim da ditadura.

O caráter liberal – e, portanto, limitado - da democratização – que nem sequer conseguiu aprovar as eleições diretas para presidente – levou ao seu esgotamento e permitiu que a direita se renovasse e mudasse a agenda nacional. A pauta neoliberal descolocou a esquerda, que foi derrotada sucessivamente em três eleições presidenciais, sem conseguir impor uma agenda nacional distinta.

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O acumulo de descontentamentos com as políticas neoliberais favoreceu, finalmente, que o PT lograsse convencer a maioria dos brasileiros que o problema fundamental do Brasil não é a inflação, mas a desigualdade social. Foi com esse projeto que o PT finalmente conseguiu eleger o presidente do Brasil e reelegê-los sucessivamente.

A nova esquerda no Brasil, a esquerda do século XXI, é uma esquerda antineoliberal. Uma esquerda que propõe a prioridade das políticas sociais no lugar da prioridade dos ajustes fiscais, do neoliberalismo. Que propõe os processos de integração regional e intercambio Sul-Sul, ao invés dos Tratados de Livre Comercio com os Estados Unidos. E que se propõe a resgatar o papel ativo do Estado, no lugar do Estado mínimo e a centralidade do mercado, para induzir o crescimento econômico e colocar em prática políticas sociais de redistribuição de renda.

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Essa esquerda conseguiu, pela primeira vez no Brasil, governar o País ao longo de três mandatos, com mais de 10 anos de governos, eleitos democraticamente. Conseguiu diminuir grandemente as desigualdades sociais e regionais no País.

É uma esquerda que teve sucesso nos seus governos. Conseguiu realizar seus objetivos imediatos, cortando a disseminação generalizada do neoliberalismo. Mas tem um desafio maior agora, caso consiga efetivamente eleger o Lula de novo.

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Não bastará o restabelecimento da democracia liberal. Será necessário democratizar o Brasil, a sociedade brasileira no seu conjunto. Democratizar o Estado brasileiro, os meios de comunicação, democratizar o Judiciário, democratizar as estruturas econômicas, democratizar a vida cultural.

Além de que, terá que colocar em prática não apenas um programa antineoliberal, mas pós-neoliberal. Não apenas de resistência e negação do neoliberalismo, mas pós-neoliberal, de superação do neoliberalismo.

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Tratar-se-á de uma nova fase da história da esquerda brasileira.

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