A entrevista de Haddad

Haddad também está certo ao dizer que o golpe de 31 de agosto de 2016 encerrou a Nova República. E que as opções da classe dominante nos levam de volta ao país agroexportador do início do século 20. Uma pergunta que caberia responder é: em que medida este desfecho deve-se ao fato do próprio PT ter aceito atuar nos marcos desta "Nova República"? 

Brasília- DF 05-01- 2016 Foto Lula Marques/Agência PT Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, durante entrevista a imprensa depois de encontro com ministro, Jaques Wagner.
Brasília- DF 05-01- 2016 Foto Lula Marques/Agência PT Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, durante entrevista a imprensa depois de encontro com ministro, Jaques Wagner. (Foto: Valter Pomar)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Recomendo a leitura da entrevista de Fernando Haddad para o jornal Folha de SP: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1833961-disputa-sera-da-direita-com-a-extrema-direita-afirma-haddad.shtml

Nela, ele parte do lugar certo: a análise da situação mundial, mais exatamente dos movimentos do capital a partir dos anos 1970 e 1980.

Entretanto, ao menos na entrevista Haddad desemboca numa conclusão estranha: "Trump é só um elemento a mais da reação da classe trabalhadora tradicional, europeia e americana".

Convenhamos: não dá para entender Trump sem levar em conta as divisões na classe dominante nos Estados Unidos, que por sua vez têm relação com as contradições entre o papel internacional e a dinâmica nacional dos EUA.

Tampouco dá para entender Trump sem levar em conta as políticas neoliberais dos Democratas (Clinton e Obama incluídos), assim como a atitude da esquerda dos EUA, que não dispõe de uma alternativa partidária e eleitoral de massas autônoma.

Finalmente, Trump é incompreensível sem levar em conta as peculiaridades do sistema político dos EUA. 

Levando em conta tudo isto, é correto apontar o dedo para o fato de setores importantes da classe trabalhadora terem votado em Trump, inclusive nos estados que antes deram vitória a Obama. 

Entretanto, sem levar em conta tudo isto, imputar à classe trabalhadora a responsabilidade pode nos levar ao ponto de partida, a saber, às opções "sem classe" que certa esquerda fez nos últimos vinte anos. 

Haddad também está certo ao dizer que o golpe de 31 de agosto de 2016 encerrou a Nova República. E que as opções da classe dominante nos levam de volta ao país agroexportador do início do século 20.

Uma pergunta que caberia responder é: em que medida este desfecho deve-se ao fato do próprio PT ter aceito atuar nos marcos desta "Nova República"? 

Ou, dito de outra forma, ter acreditado que o cenário internacional favorável permitiria ampliar direitos sem rupturas estruturais.

Se o PT tivesse adotado outra postura, o desfecho poderia ter sido outro.

O mesmo vale, aliás, para 2013. 

Se o PT em geral e o prefeito Haddad em particular tivesse adotado outra postura frente as manifestações daquele ano, o desfecho poderia ter sido outro.

Mas a opção feita pelo prefeito foi incorreta, do começo ao fim, com destaque para o anúncio feito em conjunto com o governador Alckmin.

Mesmo admitindo que fosse correta a tese de Haddad sobre o que foram as manifestações de 2013, ainda assim caberia perguntar o que deveria ter sido feito para disputar e ganhar os setores médios.

Mas -- se a entrevista publicada corresponde ao que foi dito -- repete-se algo curioso: nos EUA o problema estaria na classe trabalhadora tradicional, no Brasil o problema estaria nos setores médios. 

A classe dominante, o grande capital, não aparece com o destaque devido na análise.

E, no terreno eleitoral, são os problemas do PT que explicariam a derrota nas eleições municipais de 2016. 

Já os exemplos de bom governo estão na redução da dívida, na ampliação das receitas próprias e na folha de pagamentos sob controle.

Sendo esta a análise, não espanta a conclusão de que a política no Brasil vai ser polarizada entre direita e extrema-direita. 

Não espanta, é possível, mas não precisa ser assim.

E para que não seja assim, é preciso que o PT faça autocrítica de suas ilusões, inclusive das ilusões "republicanas" de que Haddad foi e segue sendo um portador.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247