A entrevista de Freixo

Ao contrário do que diz Freixo, vivemos um momento de destruição de direitos, conquistas, liberdades democráticas e soberania. Um momento em que os golpistas (Temer inclusive) estão desgastados, com dificuldades, mas seguem atacando e causando danos profundos. Ao mesmo tempo, vivemos um momento em que ainda é possível deter, derrotar e reverter esta destruição

Marcelo Freixo, candidato do PSOL à Prefeitura do Rio
Marcelo Freixo, candidato do PSOL à Prefeitura do Rio (Foto: Valter Pomar)


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No dia 29 de dezembro de 2017, a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista com o deputado estadual carioca Marcelo Freixo (PSOL).

A entrevista está disponível neste endereço.

As declarações de Freixo geraram muita polêmica. Parte da repercussão pode ser lida aqui, aqui e aqui.

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Frente às reações negativas, o deputado gravou um vídeo em que busca explicar o que disse.

No vídeo, Freixo lembra que não foi ele, mas a jornalista Anna Virginia Balloussier que escolheu o título dado à sua entrevista.

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O título é: "Não sei se é o momento de unificar a esquerda, não".

Situação semelhante com o título ocorreu em entrevista recente concedida por Boulos ao Valor.

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A respeito sugiro ler meus comentários sobre a entrevista.

Títulos fora, vamos ao conteúdo da entrevista, considerando que a edição das respostas não mereceu reparos da parte de Freixo.

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Na primeira resposta, Freixo fala que "a esquerda até hoje não entendeu 2013". Fala, também, que "a esquerda preferiu achar que aquilo ali era coisa da direita, o que não é verdade".

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É no mínimo estranho ver um historiador falar da "esquerda" como se fosse algo homogêneo. Afinal, existem várias esquerdas, que têm diferentes posições acerca de grande parte do que ocorreu na história mundial desde pelo menos 1848.

Dizer que "a esquerda" não entendeu o que teria acontecido em 2013 pressupõe que alguém – a começar por ele próprio, Freixo -- teria entendido. Como Freixo é uma pessoa de esquerda, pode parecer paradoxal esta sua forma de falar, exceto se entendermos que há um qualificativo oculto: "velha" esquerda e "nova" esquerda.

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A "nova" esquerda, suponho, seria aquela que compreende e representa os movimentos que teriam irrompido em 2013. Que nesta narrativa ocupam lugar semelhante aos novos movimentos sociais que entraram em cena no final dos anos 1970, início dos anos 1980. Naquela época, contribuindo para o surgimento do PT. Hoje, segundo o que suponho ser decorrência da tal narrativa, criando espaço para que o PSOL ocupe seu espaço.

Da minha parte, penso que esta leitura sobre 2013 é tão falsa e parcial quanto a interpretação que resume o que ocorreu naquele ano a um movimento de direita. Mas o erro maior está em não perceber que -- mais que as mobilizações de rua de 2013 – muito mais decisiva foi a unificação do grande capital em torno da decisão de fazer o impeachment, criminalizar Lula e o PT.

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Para perceber isto seria necessário colocar no centro da análise a luta de classes entre o grande capital e a classe trabalhadora. Colocando no seu devido lugar os setores médios: um setor em disputa.

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Na segunda pergunta, Freixo atribui a ele e a sua companheira a ideia da candidatura Boulos. Como sabem os do ramo, memória e história oral constituem terreno pantanoso. É provável que outras pessoas tenham suas próprias histórias a respeito e todas considerem que sua iniciativa foi pioneira. Assim, salvo para quem estiver disposto a ironizar ou fazer análises psi, o que realmente interessa não é a paternidade, mas sim o papel atribuído à candidatura Boulos.

Freixo considera que a candidatura Boulos é portadora de várias qualidades. Na entrevista e no vídeo, fala-se de esquerda do século 21, antisistêmica, antirentista, expressão de novos movimentos etc. Freixo fala, também, de testes de aceitação feitos com integrantes de seu gabinete e também da participação de Boulos em uma reunião de intelectuais na casa de Paula Lavigne.

Tudo isto é muito interessante, mas muito mais importante é o que ele responde para uma pergunta simples feita pela jornalista da Folha: "é esperto pulverizar a esquerda em várias candidaturas?"

A versão compacta da resposta de Freixo é: "não sei".

Obviamente esta resposta foi alvo de todo tipo de crítica.

Mas é preciso atentar para a resposta completa: "a gente vive um momento de reconstrução: qual esquerda a sociedade vai enxergar? Porque precisa enxergar o diferente. Não sei se é esse o momento de unificar todo mundo, não. Até porque a direita está muito fragmentada."

Esta resposta é incrível, porque – Luke Skywalker que me perdoe— são muitas frases, mas nenhuma correta.

Começando pelo mais importante: é um equívoco achar que a direita está "fragmentada". Existem várias pré-candidaturas de direita. Mas a coalizão golpista tem unidade estratégica; opera com vários cenários táticos, inclusive os que dispensam eleições; e tem meios para consolidar uma unidade eleitoral, como aliás fizeram em 1989.

Dizer que a direita está "fragmentada" é confundir 2018 com 2002, ocasião em que uma parcela importante do grande capital e de seus representantes políticos adotou uma posição de neutralidade e outra parte inclusive apoiou a candidatura Lula. Ou confundir com 1989, quando havia fragmentação eleitoral tanto da esquerda quanto da direita, mas ainda num contexto de crescimento da esquerda, situação diferente da atual.

Em segundo lugar: é falso dizer que vivemos um momento de "reconstrução". Quem pensa assim acha que a batalha do presente ou já foi perdida, ou já foi ganha.

Ao contrário do que diz Freixo, vivemos um momento de destruição de direitos, conquistas, liberdades democráticas e soberania. Um momento em que os golpistas (Temer inclusive) estão desgastados, com dificuldades, mas seguem atacando e causando danos profundos. Ao mesmo tempo, vivemos um momento em que ainda é possível deter, derrotar e reverter esta destruição. Possibilidade que depende de vencermos a eleição de 2018. Pelo contrário, se perdermos 2018, podemos estar diante de um período mais prolongado de defensiva e derrotas.

Portanto, o que está em jogo não é qual esquerda a sociedade vai enxergar. O que está em jogo é unir a esquerda para derrotar a direita. Derrotar aqui e agora. Não depois.

Ao falar em "enxergar", fica claro que Freixo pensa que 2018 é o momento em que se deve dar "visibilidade" para uma esquerda "diferente". Diferente, como é óbvio, do PT e de Lula.

Por isso é que, para Freixo, a unidade da esquerda não é algo central. Pois unificar todo mundo só faz sentido se acharmos que há uma batalha decisiva, aqui e agora, que só será vencida se houver unidade. Mas se o pressuposto é que já está em curso um "processo de reconstrução", então cabe usar as eleições de 2018, pelo menos o primeiro turno, para projetar a esquerda do século 21....

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Freixo diz que não há a menor chance de unificar a esquerda em torno da candidatura Lula. E afirma: "se quisessem recompor a esquerda, não andariam de braços dados com Renan Calheiros em Alagoas".

Sem dúvida, há setores da esquerda, espalhados em vários partidos, que são especialistas em fornecer pretextos para inviabilizar a unidade do campo democrático e popular.

Mas pretextos não são argumentos. Prova disso é que no vídeo citado, Freixo deixa claro que pode apoiar Lula no segundo turno de 2018, como apoiou Dilma em 2014. A questão central, portanto, não é Renan Calheiros.

O PSOL, assim como o PCdoB e Ciro Gomes, têm todo o direito de ter candidaturas presidenciais em 2018. Mas não vale usar o argumento (ver vídeo de Freixo) de que vivemos um cenário similar ao de 1989.

Se os golpistas levarem até o fim a interdição da candidatura Lula, e se o PT mantiver com firmeza a decisão de não ter plano B, a questão da unidade eleitoral da esquerda estará posta desde o primeiro bimestre de 2018; e vai se misturar com uma importante questão democrática, já que manter uma candidatura própria, neste contexto, pode servir aos que pretendem legitimar uma fraude.

*

É sobre isto que versam várias das seguintes respostas dadas à entrevista. Em resumo: num momento em que estamos chamados a derrotar o golpe, a construir o "pós-golpe", Freixo se deixa arrastar para uma discussão sobre o pós-Lula!!!

Primeiro ele diz que o PT vai continuar um grande partido, mas é difícil imaginar "o que será dele na hora em que o guarda-chuva eleitoral do Lula fechar, e em algum momento ele vai. É aí que o pós-Lula vai se dar. Aliás, vai se dar mesmo se ele for eleito".

Aí a jornalista pergunta: "como seria este pós-Lula com Lula presidente?"

E Freixo responde: "Se ele for impedido de concorrer, o pós-Lula vai ser posto. Se concorrer e perder... é o cenário ideal para a direita. O que também pode acontecer: Lula vencer e governar com alianças que sempre fez".

Mesmo afirmando que Lula estaria sendo empurrado para uma postura de maior enfrentamento, Freixo diz que se pudesse Lula faria as alianças de sempre. E completa: "Nesse sentido o pós-Lula vai se dar também, para a esquerda. O PSOL precisa entender seu papel neste contexto. Não tem que ser anti-Lula, somando-se aos setores mais conservadores. Temos a chance de marcar diferença com o lulismo por meio de um programa."

Novamente vamos de Skywalker: todas as frases do raciocínio acima estão erradas.

O maior erro é, como já dissemos antes, construir a tática em torno da disputa com o PT e com Lula, não em torno da disputa contra o golpismo e a direita. Se esta tática prevalecer, queira ou não, o PSOL se converterá em aliado objetivo dos setores conservadores, que também tem como centro de sua tática derrotar Lula e o PT.

O segundo erro é encarar 2018 da mesma forma como o PSOL encarou as eleições de 2006, 2010 e 2014. Ou seja: disputar no primeiro turno com candidatura e programa próprio, decidir no segundo turno o que fazer.

Especialmente se a direita prosseguir no processo de interdição da candidatura Lula, as eleições de 2018 precisam ser enfrentadas pela esquerda como algo totalmente diferente do normal.

Vale lembrar que no segundo turno das três eleições presidenciais que disputou até hoje, a posição oficial do PSOL não foi de apoiar a candidatura petista.

Agora, o que se espera de toda a esquerda é que considere unificar-se desde o início. Não apenas para ganhar a eleição, mas para impedir que o golpismo promova uma fraude que o legitime e consolide.

O terceiro erro, implícito nos anteriores, é a ausência de consideração aos cenários não eleitorais (golpe, parlamentarismo, adiamento das eleições etc.) e a crença – ausente no mais moderado dos petistas – de que Lula conseguirá disputar, vencer, tomar posse e governar como em 2002 e 2003...

Finalmente, há um quarto erro: acreditar na possibilidade de ultrapassar pela esquerda o PT, o petismo e o lulismo, através de uma demarcação programática e eleitoral.

Claro que o PT e Lula podem ser atropelados pela direita. Claro que algum setor da esquerda pode acreditar que seria beneficiado por este atropelamento. Ou pelos imperativos da biologia.

Mas o PT e Lula podem ser ultrapassados pela esquerda? Nesta conjuntura? E através da apresentação de uma candidatura presidencial e de um programa mais avançado? Que buscaria seu espaço sem tomar partido no fogo cruzado entre o golpismo e o PT? Acreditar em algo assim faz parte de uma das versões do cretinismo parlamentar de esquerda, que não consegue enxergar muito além das disputas eleitorais e legislativas.

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Como disse antes, considero que Freixo é uma pessoa de esquerda. Mas algumas de suas posições – por exemplo no segundo turno das eleições municipais no Rio – revelam que ele vem fazendo crescentes concessões ao senso comum típico de certos "setores médios". Exemplos disso, nesta entrevista à Folha, é o que ele diz acerca de Bolsonaro e da Operação Lava Jato. Mas sobre isso não vou falar, pois frente ao conjunto da obra, são erros menores.

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