A difícil reconstrução da educação
Em qualquer campo da atividade humana, o desenvolvimento do pensamento crítico é absolutamente central, ainda mais nos dias de hoje
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Até 2016, o Brasil vinha avançando no campo da educação. A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) informava que o ingresso no sistema de ensino de crianças de quatro a cinco anos, idade pré-escolar, aumentara de 72,5% em 2005 para 89,1% em 2014, e que o acesso à educação básica subira de 89,5% para 93,6% nos 10 anos anteriores. Dos 44,3 milhões de brasileiros com idade entre quatro e 17 anos, 41,5 milhões estavam na escola em 2014.
A destruição absoluta de qualquer tipo de avanço social não começou com Jair Bolsonaro, mas com Michel Temer, em cujo governo lançou-se o atual plano do Novo Ensino Médio, ora suspenso. Com Bolsonaro, veio o desmonte total, por isso há muito mais a fazer do que interromper a implantação do NEM. É preciso olhar também para o ensino superior.
Vale recordar.
O governo do capitão portou-se retórica e administrativamente como inimigo da educação. Para Bolsonaro e para os ministros Vélez Rodrigues, Abraham Weintraub e Milton Ribeiro - difícil escolher o pior -, professores eram pregadores marxistas e como tal deviam ser vigiados e delatados. Sociologia e filosofia seriam dispensáveis na formação do estudante. Universidades federais nada faziam além de promover “balbúrdias”.
Especialista no setor financeiro, Weintraub aportou no Ministério da Educação anunciando cortes na Universidade de Brasília, na Universidade Federal Fluminense e na Universidade Federal da Bahia. De cara, o governo Bolsonaro impôs as universidades federais cortes de 2,08 bilhões de reais, o correspondente a 29,74% do seu orçamento discricionário, de 6,99 bilhões de reais.
Ao não inserir o ensino superior público entre suas prioridades na hora de contingenciar recursos, o governo Bolsonaro demonstrou desconhecer que das 50 instituições que mais publicam trabalhos científicos no país, 36 são universidades federais e sete são universidades estaduais.
Um dos mais respeitados cientistas brasileiros, referência internacional em temas climáticos, Carlos Afonso Nobre disse ao colunista naquela época que 95% da pesquisa no Brasil são realizados em universidades públicas. Os 5% restantes seriam feitos por quatro instituições particulares – PUC, Fundação Getúlio Vargas, Insper e Mackenzie.
“Todos os governos de viés autoritário, de esquerda ou de direita, atuam para silenciar a universidade”, afirmou Nobre, relacionando a ideia de desmonte do ensino público com os princípios neoliberais que emergiram com Ronald Reagan na Presidência dos Estados Unidos, nos anos 80, e ganharam força agora na figura de Donald Trump.
“Reagan, Trump e seus seguidores entendem que cobrar menos impostos dos ricos é o que basta para desenvolver um país. É preciso ressaltar, contudo, que nos Estados Unidos as universidades não são públicas, mas contam com pesados incentivos públicos”, destacou o cientista.
Como contraponto, citou a Coreia do Sul, que foi castigada na crise de 2008 mas que, mesmo diante de uma queda brutal de suas exportações, aumentou os investimentos em ciência e tecnologia. “Quando passam por um aperto, eles pensam em como se tornar mais resistentes e competitivos no futuro”, elogiou.
Mas, seriam esquerdistas os professores brasileiros? Certamente, muitos o são, outros tantos não. A liberdade de cátedra, contudo, lhes deve ser assegurada. De todo modo, o tal “marxismo cultural” que predominaria nos meios acadêmicos é ficção. Karl Marx - tanto quanto Hegel, Adorno ou Platão - é referência filosófica para a humanidade. Imaginar que falar de Marx numa sala de aula levará jovens estudantes do Século XXI a empunharem foice e martelo contra o capitalismo e as “famílias” é um atentado ao bom senso. E é, antes de tudo, uma visão ideologizada.
Em qualquer campo da atividade humana, o desenvolvimento do pensamento crítico é absolutamente central, ainda mais nos dias de hoje, em que se tem uma abundância de informações por todos os poros e canais. É necessário transformar essas informações em conhecimento, e esse conhecimento só se concretiza quando se adquire uma visão crítica.
Lembre-se de que filosofia e sociologia eram ministradas em muitas escolas do ensino médio antes de serem eliminadas pelo regime militar. Os militares de então, junto com as forças políticas dominantes, acreditavam que aquelas aulas eram uma espécie de valhacouto de comunistas, o que já naquela época era uma tolice.
No conflitivo cenário atual, apenas uma base curricular moldada por critérios técnico-pedagógicos e que contemplem os avanços civilizatórios, de modo afeito à realidade brasileira, pode fazer da educação um instrumento de construção do futuro - quer-se crer que o governo Lula pensa dessa forma.
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