A desordem do dia
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O problema com o passado, no que diz respeito a vê-lo, não se situa somente na interpretação que a ele decidimos conferir. A questão vai além disso. O esforço que se desencadeia, na busca por uma hegemonia ideológica, gira em torno de noções de esperteza que nada têm a ver com a verdade. Interpretações avançadas sobre fatos ainda recentes não levam em conta o que se viveu e as dores que sangram em nosso psiquismo. Um exemplo, traz ao tema a “ordem do dia” emitida pelo Ministério da Defesa nas suas comemorações do dia 31 de março de 1964. É a data em que oficializaram a quartelada e a instalação da ditadura militar, derrubando por mais de 20 anos os princípios da democracia. O autoritarismo dominou nossos comportamentos, bateu, prendeu e torturou, semelhantemente ao conjunto da América Latina, operários, estudantes e os que se opunham ao arbítrio e seus efeitos. É certo que a memória trabalha por camadas, uma se sobrepondo a outras, de modo que as últimas dão a impressão de prevalecer. E, lembremos ainda, nós não pusemos ninguém na cadeia em função de suas quebras à constituição ou aos mais fundamentais direitos do homem de acordo com o que defendem as normas internacionais. A ordem do dia, aceita e estimulada por Jair Bolsonaro, representa um apelo ao crime, como se, por um decreto superior, soltássemos as rédeas da violência armada, desde que comandada por ele e seu Ministro da Defesa. Por causa disso, não basta um protesto em nome da mentalidade nacional, amparada pelos ditames do certo e do errado. Cabe chegar mais longe e recordar, agora sim, mais uma vez, o elogio que produziu em plena Câmara dos Deputados ao Brilhante Ustra, o pior dos piores torturadores, algo que lhe valeu uma cusparada de Jean Wyllys, colega do parlamento, incapaz de permanecer indiferente àquilo que evocava os anos de chumbo da história nacional.
É por isso que não se pode denominar de “ordem” o texto da Defesa, com aval do Palácio do Planalto. Ela está mais para desordem do dia, já que subverte o encaminhamento dos fatos e deturpa o que cada um de nós viu, ouviu e sentiu na própria pele na ocasião dos mandos e desmandos de uma época infeliz da nossa história. Também deve ser por isso que, enquanto pensamos, recordamos Brecht “Na manhã do novo dia, ainda na aurora / Os abutres se levantarão em negras nuvens / Em costas distantes / Em voo silente / Em nome da ordem”.
No entanto, se levarmos em conta as anomalias, não tanto de ontem, mas de hoje, pode-se mencionar que o candidato à reeleição tem metido os pés pelas mãos, em escândalos atrás de escândalos. Houve o lamentável episódio das propinas no Ministério da Educação, envolvendo evangélicos de “confiança”. Nas terras indígenas comenta-se o garimpo “autorizado” atrás de ouro e enriquecimento não lícito. Isso para não falar da péssima qualidade de um ministério que, em seu conjunto, transmite a ideia de ali se encontrar para tirar proveito da situação, sob a perplexidade do povo que constata o agravamento da asfixia de seus dias, com salários controlados e os preços em disparada. Já seria difícil estabelecer uma “ordem” de papel timbrado para atender aos anseios de civis ou fardados do mais atrasado conservadorismo direitista. Melhor empregar a desordem mal camuflada por uma quantidade de medidas que aparelharam o estado para controlá-lo e garantir-lhe uma direção. Neste sentido, o que são as eleições que se avizinham e as repetidas chamadas, à maneira de Trump, para criar um clima de golpismo?
Nada de uma ordem constituída, pode receber tal referência. É certo que continuamos a dar de ombros e fingir que seguimos em frente atrás de um novo horizonte. Quem tem o verbo e a razão não se deixa abater. Lula, na Concha Acústica na UERJ, para uma multidão de estudantes e ouvintes, não se mostrou cansado. Nem os 580 dias na Polícia Federal, em Curitiba, lograram dobrá-lo. Perfil de estadista se constrói com esses parâmetros. A desordem do dia, mil vezes pisada e repisada, no 31 de março ou fora dele, ecoa como fraude.
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