A derrota da realidade, o triunfo do nada e as tarefas de nosso tempo

Se o silêncio das urnas não autoriza o projeto liberal também não lhe interpõe obstáculo significativo. Os setores que estão saqueando a Nação manterão sua pauta de retirada de direitos, desmonte do estado, liquidação do patrimônio nacional, precarização dos serviços públicos, redução do valor do trabalho e priorização do capital especulativo, até que alguma força significativa lhes interrompa o movimento



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Ao fim do escrutínio dos votos do primeiro turno fica claro o tamanho do dano provocado à democracia pelos conservadores liberais brasileiros. Após uma década e meia de um criminoso cerco, alimentado pelos desejos mais inconfessáveis e empreendido pelo bloco político-jurídico-midiático que golpeia sem constrangimentos a democracia, o campo democrático popular sofreu significativo recuo nas urnas. Sequiosos por esvaziar a legitimidade política da esquerda brasileira, legitimidade que permitiu o conjunto de transformações únicas acontecidas nos Governos Populares desde 2003, as elites, lançando mão de grande quantidade de recursos financeiros, midiáticos, jurídicos e políticos e ao arrepio da lei e da verdade, realizaram uma longa e virulenta campanha de desmoralização da democracia e do voto popular.

O objetivo, óbvio a esta altura dos acontecimentos, era rapinar a base eleitoral da esquerda para os partidos liberais, obtendo um triunfo eleitoral que legitimaria, de alguma forma, os atos criminosos praticados contra a ordem democrática e o recuo civilizatório que os descontentes com a democracia desejam impor ao Brasil. Consolidado um crescimento eleitoral exponencial esperavam poder implementar, sem resistências significativas, um processo de reconcentração brutal de riqueza através do empobrecimento e pauperização dos trabalhadores e do desmonte e liquidação dos serviços públicos. A ambiguidade dos resultados não autoriza de pronto tal empreitada.

As forças democráticas perderam muito nesta eleição, é verdade, mas é verdade também que a horda conservadora avançou muito menos do que imaginava. Os números indicam, dramaticamente, o triunfo do nada. Histórica na quantidade de abstenções a eleição demonstrou que a criminalização da política, perpetrada irresponsável e ininterruptamente por conservadores, levou parte significativa do eleitorado ao desencanto

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Se o silêncio das urnas não autoriza o projeto liberal também não lhe interpõe obstáculo significativo. Os setores que estão saqueando a Nação manterão sua pauta de retirada de direitos, desmonte do estado, liquidação do patrimônio nacional, precarização dos serviços públicos, redução do valor do trabalho e priorização do capital especulativo, até que alguma força significativa lhes interrompa o movimento. Estamos na iminência de sofrer o mais brutal recuo civilizacional de nossa história, processo que, se não interrompido, lançará novamente milhões de brasileiros na miséria mais medonha e pulverizará todos os direitos obtidos no processo de redemocratização do Brasil. A tarefa mais importante de nosso tempo é impedir que tal tragédia se concretize e ao fazê-lo salvar o futuro. Para que isto seja feito o desencanto deve ser desfeito e a esquerda precisa mudar.

O achatamento do capital eleitoral do bloco democrático popular é claramente resultado da criminalização de seus partidos e principais lideranças pelo consórcio que sabotou a democracia brasileira e empossou um títere na presidência. Apesar disso expõe também fragilidades e erros cometidos pela esquerda em sua trajetória e análises. O primeiro é a fé de que os resultados falam por si mesmos. Apesar da forca e renitência dos ataques a que fomos submetidos permaneceu durante todo o tempo a convicção de que os resultados transformadores de nossas políticas na vida das pessoas, por reais e profundos que foram e são, não poderiam ser obscurecidos por versões falsas da realidade mesmo que estas fossem repetidas a exaustão. Grande engano. Se esta foi a eleição do desencanto também foi a em que as versões triunfaram sobre o real. Se a cidade de São Paulo, ao trocar um governo moderno e humanizador por um filho caricato das elites que foi vendido como um homem que veio de baixo, é emblemática neste sentido também o são dezenas de outros casos que não cabe enumerar aqui. Posto isso fica claro que uma das tarefas imediatas das esquerdas é a articulação de formas de comunicação capazes de romper o danoso processo de falsificação da verdade que vitimou, neste momento, toda a sociedade brasileira.

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Os tempos também exigem o fim da dispersão dos setores progressistas de nossa sociedade. É mais urgente que nunca a construção de uma frente ampla de esquerda capaz de atuar de forma unificada contra o retrocesso em curso. Tal unidade deve se consolidar numa plataforma comum, através de relações horizontais e fraternas e se materializar em atuação conjunta nas ruas, nos espaços institucionais e na atuação eleitoral.

Por fim a esquerda precisa realizar uma reflexão programática que resulte em um projeto capaz de mobilizar sua base social na defesa da democracia e dos direitos já obtidos e de incorporar setores médios do centro que progressivamente tem migrado para o desencanto ou para o conservadorismo.

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O ponto de encontro me parece ser a quantidade e qualidade dos serviços públicos. Os setores médios do Brasil, inclusive os que foram enganados para dar sustentação ao golpe, não são, necessariamente, signatários do projeto de desmonte do Estado que se encontra no centro das intenções dos setores conservadores e seu governo ilegítimo. Pelo contrário. Pesquisas demonstram que em sua maioria defendem serviços públicos em quantidade e qualidade e um Estado atuante. Uma nova plataforma para a esquerda deve, creio, considerar que um novo ciclo distributivo, realizado a partir dos aparelhos públicos e financiado por um sistema tributário mais justo pode ser o centro de uma utopia, capaz de contribuir em um processo de mobilização que detenha a tragédia societária que se avizinha e permita novos avanços na construção de um Brasil mais justo e humano.

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