A denúncia contra Temer arquivada pela Câmara e a barganha institucionalizada

O governo Michel Temer empenhou um esforço gigantesco e revelou instinto de sobrevivência, mas apontando mais fraquezas do que força. Neste ano e meio restante de mandato, caso a próxima renúncia do PGR Rodrigo Janot não ganhe corpo, o residente do Jaburu terá de abrir ainda mais o cofre



✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Passava das 22 horas da 4ª feira, 02 de agosto de 2017, quando a votação nominal no plenário da Câmara dos Deputados encerrou. No total, 263 votos a favor do arquivamento da denúncia, indo ao encontro do relatório substituto produzido pelo deputado tucano mineiro Paulo Abi-Ackel na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa. Contra o arquivamento, foram 227 votos, houve 2 abstenções e 19 ausentes. O país, em plena deflação recessiva, acompanhou ao período do recesso parlamentar e os dias que antecederam a votação sendo de intensa barganha e negociações vindas do Planalto. Nada de novo, fora os holofotes e a vontade do residente do Jaburu em nada esconder.

Se há algo de positivo em todo esse processo que beira o absurdo, é a exposição das vísceras da política profissional brasileira. Os parcos votos do governo refletiram a dificuldade já verificada na montagem da base a favor de Temer na CCJ. Na Comissão, onde o relatório de Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) foi derrotado, o Planalto teve de trocar metade das posições, negociando com líderes de legendas cada voto. Metade dos votos a favor do relatório de Abi-Ackel e, obviamente, contra o relatório de Zveiter, foram fruto destas trocas. O mesmo aperto se verificou em plenário.

Para conseguir os votos, o Planalto liberou emendas parlamentares e negociou refinanciamento ou prazos alongados de dívidas empresariais ou do Funrural (ver http://bit.ly/2vu1Al1 ). Barganha explícita e à luz do dia, quase pornográfica, parafraseando Nelson Rodrigues. No caso das emendas, há uma blindagem parcial. As mesmas são impositivas, ou seja, o orçamento da União aprovado pelo Congresso - por esta legislatura - faz parte da peça orçamentária e seriam obrigatórias. Mas, diante da PEC 55 do Senado (a do Fim do Mundo, antes aprovada como PEC 241 na Câmara), o orçamento federal fica com gastos contidos e há contingenciamento de custeio e despesas. O chamado "shutdown" no jargão neoliberal, foi "flexibilizado" para dar sobrevida ao governo ilegítimo. Entre os meses de junho e julho (até dia 28) do corrente ano, foram pagas emendas da ordem de R$ 799,8 milhões e empenhadas (compromisso a ser pago) na ordem de R$ 3,4 bilhões (ver: http://bit.ly/2u4oiRq). Assim, embora executando emendas impositivas, a liberação financeira opera como moeda de troca para a votação.

continua após o anúncio

A barganha tem sua relevância proporcional à escassez de recursos. Quanto mais enxuto é o cofre, mais forte é o poder do intermediário. Considerando o modelo brasileiro de "colegião" eleitoral, o deputado federal que tem mais municípios em "sua base" e consegue liberação de recursos extras, fecha estas alianças com prefeitos, vices, vereadores e cargos comissionados, "amassando barro com poeira" para atingir o índice eleitoral necessário ano que vem. Se a regra de proibição do financiamento empresarial de campanha (sem doações através de CNPJs) seguir, logo, as relações de clientela e fisiologismo de baixa intensidade aumentam de importância. Temer conhece a "alma do Congresso", eu diria, "o ethos do político profissional", e percebeu a mudança de comportamento, alterando a cultura política brasileira.

Até o início desta legislatura e a eleição do ex-deputado federal pelo PMDB/RJ Eduardo Cunha para a Presidência da Câmara, havia ainda algum pudor em escancarar o fisiologismo e suas relações de clientela. Cunha, na "defesa do protagonismo da casa e a independência do Poder Legislativo" avançou neste sentido, trazendo à tona as formas mais abjetas da política profissional brasileira. A tampa do bueiro foi arrancada no processo do golpe parlamentar com alcunha de impeachment, chegando ao êxtase no domingo 17 de abril de 2016 (ver http://bit.ly/1U05AzM), através do espetáculo de horror em rede nacional de televisão. De lá para cá, O Brasil profundo emergiu na superfície. A dimensão "pornográfica", longe de ser uma analogia moralista – ou de hipocrisia como ocorre aos pregadores da moral universal – é uma mudança de comportamento. Avançou a elite política brasileira, auto e sobre representada pelos mandatos informais de classe, setor, fração de grupo dominante, de políticos neopentecostais, donos de mídia, empresários, da bancada transversa BBBB (bala, bíblia, boi e bola). Tal avanço trouxe à tona um comportamento político explícito, rompendo os biombos limites da moral privada tornando-a pública.

continua após o anúncio

Tais parlamentares, tomando como modelo limite, tipo-ideal às avessas, ao impagável deputado federal Wladimir Costa (SD-PA, o da tatuagem transitória), sabem perfeitamente bem que quanto menor o apoio de Temer, maior o poder de barganha. A relação se mantém na capacidade extrativa. Aumenta a escassez e reforça o poder do intermediário para arrancar vantagens ilegítimas atadas a um fiapo de legalidade, como o próprio mandato do atual presidente. Chama atenção o racha do PSDB na Câmara e a elevada votação da oposição, conseguindo avançar em cima de uma base frágil, a mesma base que elegera Cunha, derrubou Dilma e depois cassou ao próprio Eduardo Cunha.

O governo Michel Temer empenhou um esforço gigantesco e revelou instinto de sobrevivência, mas apontando mais fraquezas do que força. Neste ano e meio restante de mandato, caso a próxima renúncia do PGR Rodrigo Janot não ganhe corpo, o residente do Jaburu terá de abrir ainda mais o cofre já raspado para se mostrar um presidente "válido para o mercado". Com o fato da sentença Sérgio Moro contra Lula haver acelerado a agenda eleitoral, já sendo feitas sondagens para planos B e C, o Congresso mostra toda sua "volatilidade", acompanhada por uma sanha de cargos, salários e vantagens que embora legais, estão ao arrepio da legitimidade.

continua após o anúncio

Para além da derrota pontual das oposições, entendo que houve uma pequena vitória na votação em plenário da denúncia. Não me refiro às siglas eleitorais e seu embate parlamentar. O ponto vitorioso foi aumentar o nível explicito da política oligárquica, da dimensão "pornográfica" da politicagem, do jogo de barganhas expondo as entranhas e vísceras dos setores dominantes no Brasil. Tamanho abismo vai cobrar seu preço e angariar acumulação política para quem trabalhar socialmente a partir da base da pirâmide.

continua após o anúncio

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247