A demolição do Estado e da República não vem das ruas

Não tem precedentes, em algum Tribunal Superior, desde a República de Weimar, a intensidade do ativismo político judicial que a Suprema Corte do país está adotando neste momento de crise das instituições formais do Estado brasileiro

Plenário do STF 
Plenário do STF  (Foto: Tarso Genro)


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Não tem precedentes, em algum Tribunal Superior, desde a República de Weimar, a intensidade do ativismo político judicial que a Suprema Corte do país está adotando neste momento de crise das instituições formais do Estado brasileiro. Uma manchete do Estadão Newsletter, aberta neste dia 7 de dezembro, sintetiza sem dramaticidade o período, o que demonstra que o impasse está naturalizado. Diz o título da matéria: Gilmar diz que liminar sobre Renan é ilegal e pede a saída de Marco Aurélio;. Dois Ministros do Supremo Tribunal Federal, ambos levados àquela Corte – segundo exige a Constituição – pelo seu saber jurídico e qualidades de cidadania, revelam um conflito aberto – fora dos autos – apartado, portanto, do devido processo legal, irradiando-o como conflito político entre Poderes e também internamente ao Poder Judiciário.

Não cabe examinar neste artigo quem tem, ou não, razão, até porque uma opinião sobre este embate não terá a menor influência sobre o seu desfecho. E também porque as raízes da radicalização deste ativismo estão nos solos da Primeira Instância, com as sucessivas arbitrariedades cometidas pela República de Curitiba que, mais além de combater a corrupção – o que é apoiado por qualquer cidadão de bem de qualquer partido – tem se especializado em criar normas de “exceção”, com o abuso das prisões preventivas para forçar delações premiadas, com os vazamentos selecionados e escutas ilegais, que ajudaram a criar o clima psicológico destinado dar suporte ao processo de “impeachment”. Ao golpismo, portanto. O hiper-ativismo do Judiciário é também uma peça do golpismo pós-moderno, que abateu a Presidenta Dilma.

Tudo ocorre no período em que se experimenta uma revogação atípica da Constituição Social de 88, através da PEC 241\55. Por esta, em combinação com a Reforma da Previdência, os recursos destinados à concreção dos direitos fundamentais e à proteção social da cidadania mais pobre, ficam congelados por vinte anos, aumenta de maneira linear o tempo de trabalho necessário para a aposentadoria e são cortados os recursos essenciais às políticas de saúde e educação. O processo de “impeachment” da Presidenta, a demonização da política e dos Partidos em abstrato, como se estes fossem a nascente da corrupção, a transformação da esfera da política numa esgrima entre honestos e desonestos – todos sendo incriminados pela mídia como bandidos “da mesma laia”- esvaziou a possibilidade de uma saída para a crise como a atual, por dentro do sistema político atual, mormente estando à testa do país um Presidente ilegítimo. O que era para fulminar o PT e a esquerda se tornou um calabouço e um patíbulo: o calabouço da política e o patíbulo da democracia representativa

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Os juízes se transformaram em juízes da Política e a grande mídia se transformou no Tribunal que julga a todos, inclusive a Justiça, segundo os seus interesses de momento. O pano de fundo deste processo é a adaptação perversa da Constituição de 88 à seguinte exigência básica dos nossos credores da dívida pública: nosso Sistema Jurídico deve abdicar da sua condição de ser o mediador do Estado Social, para se transformar no Sistema mediador do Estado não-social, o Estado dos nossos credores, que passam a ser absolutamente priorizados nos futuros orçamentos do Estado. Sua verdade está centrada no seguinte fato: aprovada a PEC 241/55 só o que pode aumentar, livremente, no Orçamento Geral da União são os gastos com a dívida – rolagem, juros, serviços, pagamento do principal – sendo que os demais gastos vão ficar petrificados, atingindo inclusive a própria funcionalidade do Sistema de Justiça, além das áreas vitais da saúde, educação e segurança.

Completa-se desta forma a captura do Estado pelo capital financeiro e aquele se torna uma mera estrutura burocrática de controle, para que as finalidades da Constituição não mais sejam o propósito das suas instituições, mas instrumentos de retomada da confiança dos “investidores”, a saber, os financiadores insaciáveis da dívida pública, que arbitram os juros, as condições de pagamento e as garantias contratuais para sua solvência. A fusão do capital bancário com o capital industrial, apontada pelos economistas mais relevantes, se realiza, assim, diretamente através do Estado, que alcança o seu grau máximo de privatização. Não se espantem com a complacência dos industriais e comerciantes fortes, com este processo, pois eles sabem fugir com seus recursos, para o mercado financeiro, onde se abrigam com seu dinheiro acumulado. Tanto aquele acumulado licitamente, dentro das normas do capitalismo vigente, como ilicitamente pelas fraudes fiscais e sonegações gigantescas.

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O professor Joaquim Falcão escreveu no Globo, dia 7 de dezembro passado, que “é difícil o Supremo ter relação saudável com o Senado, se alguns Ministros do Supremo não tem uma relação saudável entre si”. A frase, direta e simples, apanha a centralidade da crise institucional à beira de se transformar numa crise de Estado. Ela aponta, na verdade, que os Poderes não estão se respeitando a si próprios, neste quadrante dramático que estamos vivendo, em que um Presidente ilegítimo não consegue governar, um Legislativo refém do Judiciário está impedido de legislar livremente, e o Poder Judiciário está pautado por estamentos internos, que não respeitam a independência de consciência dos seus próprios integrantes.

A crise é dura e a sua naturalização é um desserviço ao país. Só um Presidente e um Congresso eleitos livremente, num prazo razoável – acordado entre as distintas representações da opinião, dentro e fora dos Partidos – pode nos devolver à ordem democrática que está sendo sucateada e buscar uma saída minimamente consensual, para a crise fiscal que nos devora. Ou uma Constituinte originária, livre e soberana, se os caminhos ainda se tornarem mais estreitos. A anarquia jurídica e institucional e a anomia já começam a vencer a democracia política. É hora da esquerda e do centro progressista e democrático, se unirem acima dos seus interesses eleitorais e do imediatismo da sua sobrevivência, para apresentarem uma alternativa aos caos e à anarquia, que está vindo cada vez mais fortemente de cima. Não das ruas atônitas e sem esperança.

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