A democracia está nas ruas
O que a sociedade ganha com a limitação às manifestações populares? Não ganha absolutamente nada. O direito de manifestação é constitucionalmente garantido, podendo ser realizado em qualquer lugar do país
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O ministro Luiz Fux afirmou recentemente que “a democracia, longe de exercitar-se apenas e tão somente nas urnas, durante os pleitos eleitorais, pode e deve ser vivida contínua e ativamente pelo povo, por meio do debate, da crítica e da manifestação em torno de objetivos comuns". Concordo com essa ideia.
Mas a Justiça do Paraná parece não concordar com o ministro Fux, pois fixou multa de R$ 500 mil por dia aos manifestantes de movimentos favoráveis e contrários ao ex-presidente Lula que ocupam o entorno da Superintendência da Polícia Federal, no bairro Santa Cândida, em Curitiba, ignorando o que dispõe a Constituição Federal quanto ao direito de manifestação e reunião.
O que a sociedade ganha com a limitação às manifestações populares? Não ganha absolutamente nada.
O direito de manifestação é constitucionalmente garantido, podendo ser realizado em qualquer lugar do país. O Artigo 5º, em seu inciso XVI da Constituição Cidadã dispõe sobre a "liberdade de reunião", condicionada à observância de outros direitos, cabendo lembrar que é vedado o anonimato, visto que, este traz a ideia de violência, vandalismo.
Não há noticia de violência ou vandalismo nas manifestações que ocorrem em Curitiba, mesmo assim o juiz substituto Jailton Juan Carlos Tontini da 3ª Vara da Fazenda Pública, decidiu que “... diante do elevado número de pessoas existentes na área e com o intuito de dissuadir os réus – evitando, inclusive, a necessidade de medidas mais enérgicas, como, por exemplo, o uso de força policial –, compreende-se que o valor da multa diária deve ser estabelecido em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para cada réu que descumprir a ordem judicial, e sem prejuízo de eventuais outras sanções cíveis e criminais aplicáveis.”.
O Judiciário tem o dever de “dissuadir” cidadãos? Claro que a resposta é negativa. As estruturas do Estado e os Poderes da República tem o dever de garantir as manifestações e o debate.
Fato é que a decisão do Juiz Substituto é motivada porque há algumas centenas de pessoas acampadas no entorno do prédio da superintendência da Policia Federal, onde Lula cumpre pena numa solitária, estão lá reunidas em solidariedade e manifestando-se pacificamente.
A decisão do Juiz substituto tem por base o descumprimento do interdito proibitório concedido liminarmente à Prefeitura de Curitiba e expedido no último domingo, por outro juiz, o senhor Ernani Mendes Silva Filho que determinou que os manifestantes se abstivessem “...de transitar nas áreas descritas na inicial, não impeçam o trânsito de pessoas e coisas na mencionada área, bem como se abstenham de montar estruturas e acampamentos nas ruas e praças da cidade”.
A liminar teve, em tese, o objetivo de garantir o direito de ir e vir dos moradores e dos que trabalham naquela área, mas dela emerge violenta restrição ao direito de reunião e manifestação.
Essas decisões não estão harmonizadas com a nossa Constituição, pois muito se fala sobre a cessação do direito de ir e vir, em tese, provocado pelas manifestações públicas, mas há de se perceber que é através das manifestações populares que se adquire ou mantem-se direitos. O que garante o ir e vir é a democracia conquistada nas ruas e não nos gabinetes elegantes daqueles que recebem auxílio-moradia.
Desde os tempos do Pátio dos Leões acredito que o centro de gravidade do desenvolvimento jurídico e da cidadania não está na legislação, na ciência do Direito ou na jurisprudência, mas na sociedade mesma, pois há na sociedade — entre a ação humana e as estruturas sociais — uma tensão contínua que gera um movimento de transformação e progresso civilizatório.
A ação humana pode transformar as estruturas quando não reconhece a legitimidade das próprias estruturas de poder, a ação humana deve transformar as estruturas.
A sociedade é um conjunto de relações sociais ou de ações sociais e o exercício da nossa condição de cidadãos ocorre através do diálogo, trata-se do exercício comunicativo da liberdade, através das manifestações, através do debate, através da dialética da negação e afirmação.
São os debates e as manifestações que trazem a tona uma necessária consciência crítica do cidadão, por isso penso que Poder Judiciário de Curitiba, agora o Estadual, com essas decisões nega ou relativiza a democracia, ignora que ela deve ser exercida não apenas e tão somente nas urnas, durante os pleitos eleitorais, mas pode e deve ser vivida contínua e ativamente pelo povo, por meio do debate, da crítica e da manifestação em torno de objetivos comuns.
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