A Democracia em Vertigem é um registro fundamental de nossa derrocada

"De maneira precisa e bela, o dcoumentário de Petra Costa dá contribuição fundamental para se entender, no presente e no futuro, que a democracia brasileira morre no momento em que a elite decide que ela morra, sob o olhar complacente das instituições", diz Aquiles Lins, editor do 247 e Jornalista pela Democracia

(Foto: Reprodução/Netflix)


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Por Aquiles Lins, para o Jornalistas pela Democracia

"A Democracia em Vertigem" é um documento necessário no panteão que registra a história do Golpe de 2016 e suas consequencias. O documentário da cineasta mineira Petra Costa estreou na Netflix nessa quarta-feira, 19, e retrata de maneira precisa os fatos históricos que levaram à destituição ilegítima da presidente Dilma Rousseff e à prisão ilegal do ex-presidente Lula. Narrado em primeira pessoa pela cineasta, o filme tem depoimentos e cenas inéditas e impressiona pela beleza com que as imagens, cenas e falas específicas dos personagens conseguiram apresentar este capítulo incivilizatório da nossa história contemporânea.

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Como fez em outros documentários, Petra Costa conta um pouco de sua própria história ao retratar a ascensão e queda da democracia brasileira. Ela é filha de Manoel e Lian, um casal de militantes progressistas que trabalhou contra a ditadura militar. Os dois foram presos, junto com mil outros estudantes, no histórico congresso da UNE na cidade de Ibiúna, em 12 de outubro de 1968. Também foram presos no mesmo dia os presidentes da UNE, Luís Travassos, e da União Estadual dos Estudantes (UEE), José Dirceu. O sangue progressista foi uma mutação inesperada na família da cineasta, que tem ascendência na tradicional elite econômica e de direita brasileira, sendo ela neta de um dos fundadores da empreiteira Andrade Gutierrez. Alvo da Lava Jato, a Andrade Gutierrez já firmou acordos de leniência de R$ 1,49 bilhão com a órgãos da União a título de ressarcimento e multas referentes a 54 contratos investigados.

A maior parte das cenas se passa entre as manifestações de junho de 2013 e a primeira semana do governo Jair Bolsonaro em 2019. A montagem cronológica da narrativa é meticulosa. Em vários momentos é cuidadosamente preparada para arrancar lágrimas inadvertidas de quem já  acompanha a história do ex-presidente Lula. Como a cena do discurso de posse de Lula no Congresso Nacional: “Enquanto houver um irmão brasileiro ou uma irmã brasileira passando fome, teremos motivo de sobra para nos cobrirmos de vergonha”. O longa retrata a afirmação do Brasil como potência emergente, soberana e propagadora da cultura de paz e cooperação entre os povos, o combate à pobreza e o bem-estar social que marcaram os governos Lula.

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A eleição da presidente Dilma Rousseff em 2010, o anúncio da redução das taxas de juros dos bancos públicos, a retirada de cargos do PMDB, a chantagem de Eduardo Cunha e a operação Lava Jato são narrados entre os agentes principais que levaram ao impeachment. Dilma fala sobre este contexto do golpe. Ao responder sobre a decepção de muitos eleitores em torno da aliança do PT com o PMDB, Dilma expõe a Petra um problema que está no cerne da Ciência Política no Brasil, que é a governabilidade dentro de um sistema partidário hiperfragmentado.  “A decepção tem de dar no seguinte: você para governar, precisa de maioria no Congresso. Os que estão decepcionados precisam se perguntar por que nós não elegemos senadores e deputados, e deixamos que para ter dois terços na Câmara e no Senado era necessário ter 20 partidos”, diz Dilma. Ela afirma que o erro que o levou à queda foi não ter dimensionando corretamente o crescimento da direita e da extrema-direita em 2014. “Isso fica posto quando Cunha, porque o chefe é o Cunha, não é o Temer, se elege presidente da Câmara. Ele monta a estrutura do golpe, a estrutura do cerco. Eu quero te dizer que eu não governei durante 2015”. 

Há também vários diálogos inéditos de Lula. Como o que ele informa a alguém por telefone que tomará posse como ministro da Casa Civil de Dilma. Ou quando Lula conversa com Dilma na saída do comício que fez para milhares de pessoas na avenida Paulista contra o golpe. E dos momentos que antecederam a sua prisão.

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A fala do senador Lindbergh Farias ao então juiz Sérgio Moro no Senado, em dezembro de 2016, expondo o crime da divulgação ilegal da conversa entre Dilma e Lula foi um registro importante do documentário, especialmente para o cenário do atual ministro Moro. Assim como a fala do advogado José Eduardo Cardozo na comissão da Câmara, que resume a ridícula acusação de pedaladas fiscais em que o Parlamento se ancorou para cassar um mandato legítimo. É elucidativo, à luz do que veio já veio à tona sobre o seu conluio com o Ministério Público, ver o então juiz Sérgio Moro na cena do depoimento, não conseguir parar na própria cadeira, indo para frente e para trás ao fazer perguntas a Lula. Moro encenava uma farsa.

Dentro da trama golpista contra Dilma e a democracia, o filme traz de maneira quase pedagógica os diálogos de Romero Jucá e Sérgio Machado, no qual defendiam “um grande acordo nacional. Com o Supremo, com tudo”, e de Aécio Neves com Joesley Batista, onde o senador que não aceitou o resultado das urnas e infuflou o país pedindo impeachment, fala que para receber a propina de R$ 2 milhões acordada, precisaria mandar “alguém que pudesse matar” antes de fazer delação. 

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Outro belíssimo trecho da película de Petra Costa, talvez o mais importante, foi protagonizado por uma personagem anônima, aparentemente uma funcionária do Palácio do Planalto que está limpando a escadaria do local, que exemplifica a concepção do povo sobre a democracia. “O povo escolheu ela. Na minha opinião, novas eleições seria melhor. Não sei se ela foi tirada pelo povo. Não foi uma escolha do voto, não foi uma democracia. Na verdade, não existe democracia. O direito da gente votar, acho que não existe não”, diz a mulher. 

Ao entrelaçar sua própria história de vida com a da democracia brasileira, Petra expõe com sensibilidade extraordinária a incerteza que paira sobre ambas. Até a sua narração, com uma voz suave e palavras mais pausadas no meio das frases, transmite leveza e resiliência, mas muita apreensão. A mensagem ao final é clara e importante para ser percebida mundo afora: o Brasil não vive uma democracia. Nas palavras da autora do filme, o Brasil é uma república de famílias. “Umas controlam a mídia, outras os bancos. Elas possuem o cimento, a pedra e o ferro. E de vez quando, acontece delas se cansarem da democracia, do estado do Direito”. 

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A Democracia em Vertigem vale por si próprio, pelo registro histórico fidedigno da nossa derrocada enquanto nação democrática. É uma contribuição fundamental para se entender, no presente e no futuro, que uma democracia morre no momento em que a elite decide que ela morra, sob o olhar complacente das instituições. 

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