A defesa da Frente Ampla é uma tática “abraço de urso”
"A tática da Frente Ampla está sendo defendida como a melhor resposta da oposição, em alternativa à tática da Frente Única de Esquerda. São dois caminhos estratégicos e táticos incompatíveis", escreve o colunista Valério Arcary
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Sabedoria popular espanhola
Quando os ursos se sentem ameaçados por algo, eles se levantam sobre as patas traseiras, avançam rapidamente e abrem os braços na direção da presa. O ataque é fatal. Denomina-se “abraço de urso” uma tática que, na forma, faz um chamado à unidade, em condições que são implausíveis, incabíveis ou inaceitáveis, para responsabilizar os outros pela divisão.
O “abraço de urso” é uma bravata, uma chantagem, uma intimidação. Em nome da bandeira da unidade contra um inimigo comum se avança um ultimato. Parece doce, mas é amargo. Explora-se o justo sentimento de unidade contra um inimigo comum implacável. O “abraço de urso” é uma dissimulação ensaiada, um artifício, uma cilada, uma armadilha.
A tática da Frente Ampla está sendo defendida como a melhor resposta da oposição, em alternativa à tática da Frente Única de Esquerda. São dois caminhos estratégicos e táticos incompatíveis. Um caminho é a aliança entre os partidos de esquerda, para resistir a Bolsonaro, para tentar impedir Bolsonaro de governar, para tentar construir as condições para derrubá-lo. Mas, também, para lutar por um governo de esquerda, com um programa de esquerda. Nesta via, a questão difícil será a construção deste programa, não o partido ou liderança que a encabeça.
A defesa da Frente Única de Esquerda não exclui a defesa da unidade de ação mais ampla possível contra os ataques, investidas, agressões do governo de extrema direita no poder e as ameaças dos neofascistas. Unidade na ação não é uma Frente em torno de um programa e um projeto de governo para disputar eleições. Unidade de ação é uma articulação pontual defensiva diante de um perigo imediato.
A Frente Ampla consiste, essencialmente, em reduzir a tática da oposição a uma tática eleitoral, ou seja, uma tática quietista. O quietismo é “deixar como está para ver como é que fica”, ou não provocar, ficar quieto. Ou esperar o calendário eleitoral, portanto, respeitar o mandato de quatro anos, apostando no “desgaste de material” de quem está à frente do governo.
É uma tática estritamente eleitoral porque não há qualquer perspectiva de que haja algum setor do centro que esteja disposto a se apoiar na mobilização de massas contra as ações do governo. A linha do centro é se apoiar na maioria dirigida por Maia no Congresso, e no STF para limitar, institucionalmente, os excessos bonapartistas de Bolsonaro. Algo que é mais do que insuficiente diante de um governo de extrema direita. A história ensina dramaticamente que, sem mobilização social, os neofascistas não serão derrotados.
A Frente Ampla é uma aliança que se apresenta como um projeto político de poder com dissidentes da classe dominante, para atrair setores da classe média, através da aproximação com o centro contra a extrema-direita, respeitando um programa mínimo com uma ala burguesa.
Teve inúmeras variações históricas.A mais importante, na história contemporânea do Brasil, foi a linha do PCB e PCdB de defesa da submissão da esquerda à direção liberal do MDB entre 1979 e1984, quando a onda de greves colocou a possibilidade de fundação do PT e da CUT. Essa orientação foi derrotada.
A campanha das Diretas Já em 1984 foi a concretização da tática da unidade na ação. O PT, muito corretamente, não entregou os seus votos no colégio Eleitoral à chapa Tancredo Neves/José Sarney. Ao contrário, foi o eixo da oposição ao governo Sarney. Foi, essencialmente, em função deste posicionamento estratégico e tático que Lula chegou ao segundo turno em 1989. O PT não teria sido fundado, ou seria um partido marginal, se tivesse abraçado a tática da Frente Ampla na fase final da luta contra a ditadura.
A tática da Frente Ampla em 2020 é ainda mais perigosa que a defesa da submersão no MDB em 1979. Se a esquerda renunciar a ser uma oposição para valer nas ruas antes de 2022, e abrir mão da defesa de um programa de esquerda para 2022, facilitará o caminho para uma reeleição de Bolsonaro.
Seria um suicídio, uma derrota sem luta que é a pior das derrotas, por muitas razões. A primeira é que é que Lula e o PT mantém-se como as principais referências da oposição, e uma tática de Frente Ampla seria um harakiri - ritual suicida japonês reservado à classe guerreira surgido no século XII e disseminado principalmente entre samurais.
Só é possível, se o PT renunciar ao papel de liderança da oposição. Na verdade, o PT teria que renunciar ao direito de apresentar Lula como candidato em 2022 para tentar, por uma via de negociação pelo alto, uma anulação das condenações que o ameaçam e impedem de ser candidato. Teria, portanto, que na prática abandonar a campanha Lula Livre.
A segunda é que confiar que uma ala da burguesia seria aliada na luta contra Bolsonaro é mais que ingenuidade, é uma miopia política delirante. Prevalece uma enorme unidade da classe dominante no apoio aos planos de Paulo Guedes. Não é previsível que haja alguma ala da burguesia disposta a uma frente eleitoral com a esquerda contra Bolsonaro.
Não é por outra razão que os governadores do PT no Nordeste estão encaminhando reformas de previdência em seus Estados, completando a destruição de direitos iniciada em 2019. Rui Costa já deixou claro que postula a indicação como candidato a presidência em 2022 e é um entusiasmado defensor da tática da Frente Ampla. É a esquerda que faz o diálogo com o centro aplicando a política da direita.
Tampouco é simples definir o que é o centro político que estaria em disputa em 2020. Para alguns, o centro em disputa vai até Ciro Gomes/PDT e Paulo Câmara/PSB. Mas para outros é um espaço mais amplo. A tática de eleição de Rodrigo Maia como presidente da Câmara dos Deputados, por exemplo, foi apresentada como um desdobramento da tática da Frente Ampla.
O PCdB e uma parcela da bancada do PT apoiou Maia. Maia foi ou não um dos pontos de apoio para o governo Bolsonaro em 2019? A mesma tática explica a aprovação do pacote anticrime com votos da esquerda parlamentar. apresentado por Moro, com a alegação de “redução de danos”.
Como em 1979/83 o desafio da esquerda é ter a flexibilidade tática para a unidade na ação contra Bolsonaro através de “geometrias variáveis” e a firmeza estratégica de construção de uma Frente Única de Esquerda para a resistência e para as eleições. A tática da Frente Ampla é um abraço de urso. Esse é caminho que facilita a reeleição de Bolsonaro.
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