A decepção de Aristides e o fim do sonho dos patriotas

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/Presidência da República)


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Um clima de desespero tomava conta de Aristides. Seu comércio estava fechado desde o dia 30 de outubro, quando decidiu sair de casa e ir morar em frente a um quartel em protesto contra o resultado das eleições. Sua esposa e filhos, além de não o acompanharem na estranha aventura, decidiram que ele não entraria mais em casa e o denunciaram à justiça por abandono de lar. Enquanto aguardava a tão esperada atitude do seu mito, o comerciante recebia a informação de que aquele em que depositara toda sua esperança, estava embarcando para outro país, deixando o seu gado sem pasto, sem dono e sem rumo. Aristides irou-se.

- Me digam, por favor, que isso é Fake News da esquerda. Não posso acreditar nessa notícia.

Hildebrando, um pastor evangélico que estava coordenando a explosão de bombas no dia da posse do novo presidente, confirmou a informação.

- Infelizmente, é verdade nobre patriota. O nosso presidente vai viajar para os EUA sem invocar o artigo 142 e nos deixar aqui nas mãos dos comunistas.

Aristides foi evoluindo em sua condição de indignado e disparou:

- Filho da puta! Frouxo! Bunda mole!

Foi contido por dona Natalina, que, exigindo respeito ao seu presidente, mantinha a fé de que alguma coisa boa ainda estava por vir.

- Não julgue e não xingue um homem que foi escolhido por Deus para nos libertar do esquerdismo das trevas. Ele sabe o que faz e está agindo com estratégia e sabedoria. Hoje mesmo ele postou uma foto durante o café da manhã, e na mesa tinha 11 copos vazios, 1 pote de geleia de morango, uma fatia de pão de forma, 3 facas, um sonho com recheio de doce de leite, um relógio despertador, um pano de prato onde ele assoou o nariz, um guardanapo dobrado em formato de avião e um bambu.

Aristides, cada vez mais puto da vida, quis saber o significado da charada.

- E o que toda essa marmota significa? O avião eu já sei que é o transporte que ele vai usar para fugir do país e deixar a gente aqui com cara de tacho. E o resto?

Dona Natalina pediu calma e começou a explicar o enigma.

- Os 11 copos vazios significam os 11 ministros do STF que terão o poder esvaziado, o pote de geleia simboliza o sangue que será derramado, caso necessário, para defender a nossa pátria, a fatia de pão simboliza a propriedade privada que o comunismo quer nos tirar, as 3 facas significam o Exército, a Marinha e a Aeronáutica prontos para cortarem o mal pela raiz quando o nosso presidente as convocar, o sonho de doce de leite é o país que queremos para os cidadãos de bem, o despertador indica que é hora de agir, o pano de prato é a nossa bandeira, o guardanapo em formato de aviãozinho significa que ele vai limpar o país de cima para baixo.

Faltava um objeto e Aristides caiu na besteira de perguntar qual a sua finalidade.

- E o bambu?

Uma moça no auditório do programa Silvio Santos já tinha explicado para que servia, mas dona Natalina quis dar um desfecho ainda mais escatológico à mensagem.

- O bambu significa que ele é imbrochável, incomível e imorrível.

Aristides não se convenceu e continuou a soltar os cachorros em cima do seu mito.

- Essas mensagens são pura palhaçada daquele fanfarrão. Ele tirou a gente de otário. Eu estou pegando frio e chuva na porta de um quartel há quase dois meses, e ele disse que era para esperar só 72 horas.

Pastor Hildebrando interveio:

- Calma, homem de Deus! Nós ainda temos armas e as bombas para explodir no dia da posse ainda. O eleito não vai subir a rampa, em nome de Jesus!

Aristides aloprou de vez:

- Pega essas bombas e enfia no mesmo lugar onde você vai enfiar o bambu. Para mim, chega! Eu não sou palhaço! Dei a minha vida por essa causa e agora ele vai passar férias no resort do Trump, e deixa a gente aqui ao relento.

Quando dona Natalina se preparava para mostrar outra postagem enigmática para tentar convencê-lo, foi interrompida por barulhos de sirene que podiam ser ouvidos por todo o país.  Seu Anaclepto, um advogado aposentado que já tinha puxado cadeia por aplicar golpes no INSS, anunciou empolgadamente o golpe militar.

- Eu disse que a gente podia contar com nosso presidente. Ele já mandou a Federal para iniciar a intervenção militar no país. Deus seja louvado!

Menos otimista que o seu colega patriota, Aristides pressentia o cheiro daquilo que o seu presidente havia feito durante todo o mandato.

- Vem merda aí!

Enquanto seu Anaclepto prestava continência aos policiais que cercavam o acampamento, acreditando se tratar de aliados, um dos agentes lhe deu voz de prisão.

- Senhor Anaclepto de Souza Santos? O senhor está preso!

O velho advogado tentou resistir à prisão, mas foi convencido por dona Natalina a obedecer aos policiais e confiar que o seu presidente o libertaria da cadeia.

- Em 72 horas você estará livre de novo. Confie no nosso presidente.

Mal acabara de tranquilizar o colega de desordem, e ela também recebia uma ordem de prisão.

- Dona Natalina Madero? A senhora está presa.

Não houve postagem enigmática que tranquilizasse a digníssima patriota, que sacou o celular e entrou ao vivo pelo Facebook pedindo socorro.

- Valei-me, São Gabriel Monteiro! Cadê o Roberto Jefferson quando mais precisamos dele? Ministra Damares, olhe o que a Gestapo do Xandão está fazendo com a gente. Santa Michelle das causas patrióticas, valei-me! Bolsonaro! Bolsonaro! Bolsonaro! Socorro!

Apreensivo e com lágrimas nos olhos, Aristides observava os policiais terminarem de cumprir os mandados de prisão expedidos e determinar a desmontagem imediata das barracas que ali se amontoavam. Contra ele não havia mandado, mas ele se sentia traído e condenado a eterna idiotia, por ter acreditado que o seu presidente agiria em defesa da loucura que eles determinaram como a salvação do país.

- Que decepção! O que é que eu vou dizer lá em casa?

O comerciante abandonava o local onde residiu por 60 dias, enfrentando sol e chuva, apenas com uma certeza: A de que ele era um otário. Ao chegar em casa e se deparar com outro homem deitado no seu sofá e tomando a sua cerveja, se deu conta de que, além de otário, era corno.

- O que significa isso, Maristela? Quem é esse homem de camisa vermelha que está espojado no meu sofá?

Maristela, a esposa que havia sido trocada por uma causa maior, adverte:

- Auto lá! Seu sofá é uma pinoia! E esse homem é meu marido e tem nome, viu? Respeite Luís, o novo chefe dessa casa.

- Seu marido? O chefe dessa casa sou eu. Você está ficando louca?

- Louco é você, que me deixou sozinha aqui com os meninos e foi morar na porta de um quartel com um bando de doido.

- Mas foi em defesa da nossa pátria, meu amor.

- Não me chame de meu amor, porque eu sou uma mulher comprometida com outro.

- Você não pode me trocar por esse sujeito com cara de comunista. Somos uma família tradicional e de valores cristãos.

- Me poupe, Aristides! Até a ex primeira dama está dando entrada no divórcio, por não aguentar mais conviver com aquele maluco que vocês chamam de mito como marido

- Isso não pode ser verdade.

- É sim! Acabei de ler na coluna do Léo Dias.

- Que tragédia está se abatendo sobre o país.

- Sobre o país, não! Sobre vocês. E eu não sou a única a dar um pé na bunda de um patriota lunático. Acabei de assistir na Joven Pan, uma matéria falando sobre o aumento do número de mulheres bolsonaristas que se separaram dos maridos nos últimos 60 dias.

- Até a Jovem Pan está contra nós?

- Fechadíssima com o novo presidente

- Traidores! Mas vamos resistir! Deus, pátria, família e liberdade!

- Acho melhor você nem usar mais esse slogan. Deus não ouviu sua oração, a pátria já está nas mãos de outro governo e você não tem mais família.

- Mas eu ainda tenho a minha liberdade. E ela vale mais do que o ar que eu respiro.

Tinha, até uma viatura da Polícia Federal estacionar na porta de sua ex residência e um agente descer do carro anunciando:

- Senhor Aristides Junqueira Filho?

- Sou eu.

- O senhor está preso por perturbação da ordem e crimes cometidos contra a democracia.

- Mas eu só estava defendendo o país do comunismo...

Luís, o novo “presidente” da casa de Maristela, cantou de galo.

- Perdeu, mané! Não amola!

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