A crueldade está nas ruas

(Foto: Reprodução/Twitter/@GeorgMarques)


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São poucos os momentos em que os artistas se sentem em sintonia com a sociedade em que vivem. Com frequência, o mundo caminha para um lado e a arte para outro, criticando-se mutuamente. Uma destas ocasiões se deu em Portugal, durante o 25 de abril, a Revolução dos Cravos, que transformou um país humilhado por anos de salazarismo num lugar em que a população se orgulhava de haver nascido. Registrou o fato um belo cartaz assinado pela artista plástica Vieira da Silva no qual aparecia em baixo as palavras: A POESIA ESTÁ NA RUA, um verso de Sophia de Mello Breyner Andresen.

No Brasil, talvez cheguemos lá, mas ainda nos falta um caminho a percorrer. As eleições, tudo indica, colocarão no Palácio do Planalto um homem digno de lá estar, dono de um currículo extraordinário e de uma força espiritual que poucos detêm. A importância de tal evento talvez ainda não possa ser avaliada, a não ser pelas negativas, pelo que não temos, não admiramos e não saudamos em Brasília ou fora dela. Imitadores do presidente em exercício gostam de copiá-lo pelo que exibe de sombrio, violento e estúpido com as mulheres. Por cauda disso, coisas acontecem. Gente nas ruas, com ódio no coração, procura um alvo para matar ou maltratar. Foi o que se verificou em Belo Horizonte, num de seus bairros mais nobres, onde um cidadão, com um cachorro na coleira, expôs sem pudor suas frustrações de classe. A vítima, a faxineira Lenirge Alves de Lima, pega de surpresa, caiu na calçada, enquanto o dono do cão, contente por esse gesto de coragem, complementava o seu serviço, tomando-lhe a mangueira e lhe jogando água no rosto. O agressor fez o que fez e se foi. Deve ter experimentando um grande orgulho pessoal. Graças a ele, mais uma vez, a crueldade passeia livremente nas ruas. Querem mais um exemplo? Em Angra dos Reis, um novo agressor disse que enfrentaria uma mulher como a um homem. Feriu-a com pedaço de pau. Ela foi parar num hospital. Vaidoso, dizia-se bolsonarista.

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Na verdade, ao contrário do que parece, não se trata de um fenômeno isolado. Por razões políticas ou por mero sadismo, rezando a cartilha do seu modelo na presidência da república, homens agridem adversários políticos, procuram vítimas para maltratá-las ou matá-las. A sociedade, a mesma que conhecíamos como sendo dada à cordialidade, de uma hora para outra em vez de praticar a paz, exercita a raiva, em vez do amor ou da fraternidade, produz indiferença, despeito, inveja e competição no pior sentido da palavra. A faxineira Lenirge procurou uma delegacia para providenciar um boletim de ocorrência e, agora, deve esperar para ver se farão alguma coisa. Em Angra, idem.

De nossa parte, seguimos o caminho trilhado por Vieira da Silva e Sophia de Mello Breyner Andresen, para introduzir um pouco de beleza nas relações sociais. Como elas sugerem, a beleza, não se localiza apenas nos museus ou galerias de arte, nos livros nos quais gente de sensibilidade conta os instantes de incerteza e também de confiança que viveram porque creem na sua criatividade. A beleza pode surgir num sorriso de alegria, numa explosão de entusiasmo quando se rompem os grilhões da opressão e se aponta para um horizonte novo. Estamos a um passo, talvez, de alcançar este patamar. Nossos artistas se apresentam à espera dos acontecimentos. Já escutamos os acordes de seus hinos. É hora de prender a respiração e esperar que sejamos aquinhoados. Se isso ocorrer é possível que procedamos como nossos companheiros portugueses, com um grito a plenos pulmões: QUE VENHA A POESIA PARA AS RUAS!

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