A CPI, o impeachment e 2022
"As oposições querem, realmente, o impeachment?", questiona o cientista político Aldo Fornazieri. "O PT e os demais partidos de esquerda e centro-esquerda definiram a estratégia de derrotar Bolsonaro pela via das eleições", diz. "A tese de fundo é 'sangrar Bolsonaro até o fim para derrotá-lo nas eleições'", continua
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Quando se faz análise de conjuntura é conveniente cuidar para não se enganar e para não enganar os outros. Os enganos, na sua maior parte, são involuntários. A intenção de enganar os outros, muitas vezes, é deliberada. A ela recorrem, com frequência, os dirigentes dos partidos de todos os matizes. Desde 2019 vimos dizendo que não haveria golpe e que o Brasil não se encaminharia um governo fascista, em que pese a vocação golpista e fascista de Bolsonaro e dos bolsonaristas. Os partidos e alguns analistas de esquerda só recentemente abandonaram essas análises equivocadas.
Nesses dois anos e pouco de governo Bolsonaro afirmamos também que o impeachment é uma possibilidade muito remota e advogamos a importância da CPI da Saúde. A pergunta que se coloca agora na conjuntura é a seguinte: a CPI pode ou vai conduzir ao impeachment de Bolsonaro? Dadas as atuais condições, a resposta é: dificilmente.
Quais as razões dessa resposta? Em primeiro lugar, é preciso dizer que não há impeachment a seco, sem grandes mobilizações populares. O Congresso, por si só, não caminha para um impeachment. É preciso que haja uma vontade da sociedade e que a sociedade manifeste essa vontade nas ruas. No impeachment de Collor e no impeachment-golpe de Dilma ocorreram grandes manifestações, que foram decisivas para o posicionamento do Congresso. As manifestações precisa derrubar o apoio do presidente para menos de 20%.
O que impede as grandes mobilizações? São dois fatores: 1) a pandemia e o temor das aglomerações; 2) a incapacidade convocatória das oposições. Desde 2015, as esquerdas têm baixa capacidade convocatória e mobilizadora. De lá para cá, todas as consignas que implicavam mobilização foram derrotadas.
Mas aqui cabe outra pergunta: as oposições querem, realmente, o impeachment? A resposta precisa ser clara: em que pese os vários pedidos de impeachment formulados por partidos e político das oposições, a resposta é não. Talvez partidos como o PSOL queriam o impeachment, mas a direção sabe que dificilmente ele vai ocorrer. O PT e os demais partidos de esquerda e centro-esquerda definiram a estratégia de derrotar Bolsonaro pela via das eleições. Para o PT essa estratégia se reforçou ainda mais depois que Lula readquiriu seus direitos políticos.
Os demais partidos de centro-esquerda, independentemente das alianças que venham a fazer, adotam o mesmo caminho. Este é também o caminho da centro-direita. A tese de fundo é "sangrar Bolsonaro até o fim para derrotá-lo nas eleições”. Mas na medida em que a candidatura de Lula está posta como um fato, independentemente das declarações, a centro-direita enfrenta a dificuldade de encontrar um caminho para pôr-se no segundo turno em 2022. Neste sentido, ela poderia cogitar pensar no impeachment a depender dos desdobramentos da conjuntura. Limparia o caminho para o segundo turno.
É neste ponto que surge a última pergunta: a CPI pode ser uma via de construção das condições para o impeachment? A resposta continua sendo: dificilmente. No caso desta CPI não vale muito o tradicional ditado que diz que “uma CPI se sabe como começa, mas não se sabe como termina”.
Ocorre que esta CPI não vai desvendar muitos segredos. Ela vai investigar e comprovar crimes conhecidos. Bolsonaro e seu governo, seja por omissão ou por ação, foram responsáveis diretos pela elevada mortandade causada pela pandemia no Brasil. Decidiram não comprar vacinas no tempo oportuno; Bolsonaro e alguns ministros defenderam o não uso de máscaras e foram contra o distanciamento social; foram responsáveis pela tragédia da falta de oxigênio em Manaus e em outras cidades; não adotaram medidas para impedir que a variante do vírus de Manaus se espalhasse rapidamente para o Brasil; não proveram o sistema de Saúde com o chamado kit intubação e impediram que estados e municípios os comprassem a partir de determinado momento; não empenharam todos os recursos financeiros e meios necessários para combater a pandemia.
Esses foram os principais crimes. A CPI terá que individualizar as responsabilidades de Bolsonaro e dos ministros envolvidos, não só de Pasuelo, mas de outros, a exemplo do general Braga Neto. Os responsáveis por esses crimes não poderão se livrar deles em suas biografias. E a CPI precisa produzir um relatório contundente no sentido de encaminhar responsabilizações à Justiça. A sociedade precisa exigir a punição dos criminosos.
Mas a CPI é importante também para o futuro. Ela precisa documentar todos os fatos para indicar a elaboração de uma legislação visando impedir que, no futuro, seja no enfrentamento de pandemias, de epidemias ou outros graves problemas coletivos de saúde pública, os governantes se omitam ou ajam criminosamente. É preciso fechar as portas para atitudes criminosas de governantes no enfrentamento dos problemas de Saúde Pública. A CPI precisa também indicar medidas de fortalecimento, de aperfeiçoamento e modernização do SUS.
O relatório da CPI deveria indicar também quais as medidas estratégicas que o Brasil precisa adotar, no campo da pesquisa científica e da tecnologia, para adquirir autonomia na produção de insumos e de vacinas, pois esta é uma verdadeira questão de soberania no mundo em descontrole que estamos vivendo. Da mesma forma, deveria sinalizar a necessidade da adoção de uma política ambiental adequada à saúde da população, visando impedir a disseminação de doenças e vírus em decorrência dos danos ambientais.
Bolsonaro, não resta dúvida, já cometeu vários crimes de responsabilidade. Nenhum presidente mereceu tanto o impeachment como o merece Bolsonaro. Mas como o impeachment depende de condições políticas, estas, infelizmente, não estão postas neste momento e dificilmente ocorrerão. Ademais, os trabalhos da CPI deverão se estender até o segundo semestre. A própria pandemia deverá se prolongar, com altos e baixos, até o final do ano, tendo em vista a escassez de vacinas.
Neste contexto, o encaminhamento de um possível processo de impeachment se colocaria para o próximo ano. Mas o próximo ano começará sob a égide das eleições. Os partidos e os políticos se ocuparão, prioritariamente, deste problema. Lula, como candidato, dificilmente estará de forma do segundo turno. Se a centro-direita quiser ter um lugar no segundo turno terá que encontrar um candidato e uma estratégia para derrotar Bolsonaro no primeiro turno. Não é uma tarefa impossível. Bolsonaro já tem muitas vulnerabilidades e chegará no próximo ano ainda mais fragilizado. Ele não tem tempo para se recuperar. Se o problema de Lula estará em definir a natureza e a amplitude de suas alianças, o problema da centro-direita deverá se definir na sua competência ou incompetência em fazer-se viável e competitiva.
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