A construção do DF
A erradicação do analfabetismo é como uma reconstrução de Brasília, é a cidade acertando as contas com a sua história, com a sua gente
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O Distrito Federal largou na frente e foi condecorado como a primeira unidade da federação a receber o Selo de Território Livre do Analfabetismo, concedido pelo Ministério da Educação.
é muita coisa, sobretudo para um governo que tem obras, mas não tem marca, pela absoluta ineficiência de seu, cada vez mais caro, aparato de comunicação.
Brasília, você sabe, foi a primeira cidade do mundo a nascer às margens de uma favela, porque primeiro nasceram os barracos, depois é que nasceu ela.
no final dos anos 50 do século passado, o nordeste enfrentava uma das mais severas secas de sua história. o sertanejo, arrasado, não tinha o que beber, o que comer e nem pra onde ir.
a construção de Brasília surgiu como um milagre. entre 60 e 80 mil miseráveis, sem a menor qualificação profissional, da noite pro dia, estava a erguer uma das mais modernas e ousadas cidades do mundo.
gente do campo, sem escola, sem formação técnica, que construíra a sua própria morada com varas e barro. da noite pro dia, essa gente se via manuseando um aparato sofisticado: solda, esmeril, serras, aço, concreto, máquinas...
e trabalhavam de sol a sol, de chuva a chuva, não raro em turnos de dez a doze horas ininterruptas e desprotegidos da cabeça aos pés, é só ficar atento às fotografias: chapéu de palha, chinelo de dedo e mão nuas, os EPIs dos miseráveis.
não eram poucas as escoriações, mutilações e mortes. Nada disso se ensina nas escolas do DF, disso não se fala.
acabo de finalizar um romance contando essa história.
muita gente não sabe, mas esses trabalhadores, amadores e desqualificados, eram encorajados a se sentirem heróis, ganhavam gravuras pujantes nos jornais, onde eram sempre apresentados ao Brasil como fortes e bravos.
na verdade era uma massa de gente subnutrida, submetida a uma carga horária desumana e comendo feijão azedo.
chegaram, os farsantes, a forjar uma improvável etnia em um canteiro de obras. queriam que os peões se reconhecessem não mais como baianos ou cearenses, mas como candangos.
um gentílico pejorativo, diga-se.
o diabo é que após a construção da cidade, esses "heróis" foram solenemente ignorados. jogados para bem longe da cidade-presépio, como restos de construção.
do desprezo e do desamparo nasceram as cidades-satélites, para abrigar essa gente. primeiro a Ceilândia, um enorme acampamento a céu aberto: sem esgoto, sem asfalto, sem energia elétrica e sem escolas.
hoje Ceilândia abriga a segunda maior favela do Brasil, o Sol Nascente.
durante 5 décadas os miseráveis continuaram miseráveis, trabalhado como porteiros, padeiros, pedreiros... os governantes se comportavam como prefeitos de Brasília, a capital, deixando a periferia à míngua, segundo o projeto original.
foi Cristovam Buarque, governador pelo PT, que abriu os olhos para enxergar os problemas das satélites e tocou projetos inovadores como o Orçamento Participativo, o Bolsa Escola, o Poupança Escola, o Saúde em Casa, o Mala do Livro (bibliotecas comunitárias), abriu brinquedotecas, construiu assentamento para os trabalhadores rurais, distribuiu cestas pré-escolares com alimentos e brinquedos pedagógicos, além de uma série de projetos culturais, de saúde e educação voltados aos invisíveis.
Agnelo, também governador pelo PT, está complementando esse trabalho, com a renovação da sucateada frota do transporte público coletivo e a construção de corredores exclusivos para os ônibus, a instalação de 11 centros olímpicos e paralímpicos nas satélites, construção de UPAs, além dos programas de moradia e de erradicação da miséria.
mas ainda havia a herança do canteiro de obras, uma massa enorme de gente analfabeta e semi analfabeta, milhares de jovens e adultos sem futuro na cidade dos concursos e da "meritocracia."
a erradicação do analfabetismo é como uma reconstrução de Brasília, é a cidade acertando as contas com a sua história, com a sua gente.
ou melhor é, de fato, a construção do DF, de um DF com cidadania e não como um amontoado de deficientes cívicos.
é bom que os governantes não se esqueçam, o Distrito Federal é maior que Brasília e a cada dia toma mais consciência de querer se ver sujeito de seu destino.
e é bom ficar ciente, quanto menos analfabetos, tanto mais cidadãos conscientes.
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