A CIA no Brasil

"O objetivo fundamental da visita de William Burns foi o de fazer, ou tentar fazer, que a ABIN coopere mais estreitamente com a CIA, nesses grandes temas políticos", escreve o sociólogo Marcelo Zero

William J. Burns
William J. Burns (Foto: 15 Reuters | ABr)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Por Marcelo Zero

William Joseph Burns, que esteve recentemente no Brasil, é o primeiro diplomata de carreira a assumir o estratégico cargo de Diretor da poderosa CIA. Fato inédito.

continua após o anúncio

Sua aprovação pelo Senado norte-americano deu-se de forma rápida e consensual. Fato raro.  

Após o senador Ted Cruz ter obtido a promessa de Joe Biden de que empresas que participem da construção do novo gasoduto russo para a Alemanha serão punidas, a sabatina de Burns transcorreu de forma bastante cordial, com muitos elogios para o indicado.

continua após o anúncio

Os elogios, do ponto de vista dos interesses dos EUA, são merecidos.  

A experiência de Burns é vasta. Filho de general, Burns, que entrou no serviço exterior dos EUA em 1982, foi embaixador na Jordânia (posto chave dos EUA no Oriente Médio) e na Rússia, onde se destacou por seus relatórios precisos sobre a ascensão de Putin. Além disso, Burns foi Vice-Secretário do Departamento de Estado (2011-2014) e Secretário Assistente do Departamento de Estado para o Oriente (2001- 2005).   

continua após o anúncio

Ele foi o principal negociador do atual acordo nuclear com o Irã. Por causa disso, a revisa Foreign Policylhe deu o título de “Diplomata do Ano”, em 2013. Não bastasse essa vasta experiencia, Burns é intelectualmente muito preparado, tendo feito mestrado e doutorado em Relações Internacionais no prestigiado St John's College, da Universidade de Oxford.   

Seu currículo é, pois, muito sólido e revela um diplomata profissional e competente.  

continua após o anúncio

Mas não foi apenas o currículo e seu prestígio, principalmente entre Democratas, que lhe assegurou no posto.

A nomeação de Burns, um diplomata de carreira, para a CIA insere-se na mudança que Biden quer introduzir na política externa e na política de segurança dos EUA.  

continua após o anúncio

Antes que os idiotas do pensamento do binário e simplório se manifestem, adianto que não se trata de mudanças de objetivos, que permanecem os mesmos, mas de métodos.

Os estrategistas ligados aos Democratas argumentam, com certa razão, que o unilateralismo e o isolacionismo do America Firstde Trump contribuíram para fragilizar a presença dos EUA no mundo, o que contribuiu para acelerar a ascensão de adversários como China e Rússia no cenário internacional.  

continua após o anúncio

O America First, segundo tal visão, corroeu as estratégicas relações com aliados tradicionais, particularmente os europeus, e criou vácuos diplomáticos e econômicos que foram ocupados, com muita competência, por China, Rússia, Irã etc.

Agora, Biden pretende recriar e fortalecer as alianças dos EUA no mundo, bem como voltar a ocupar as instituições multilaterais, de forma a isolar o que ele chama de “Estados autocráticos”.  

continua após o anúncio

 Na INTERIM NATIONAL SECURITY STRATEGIC GUIDANCE, divulgada em março, Biden afirma que os EUA não conseguirão realizar seus objetivos estratégicos sozinhos. Por esse motivo, diz ele, “nós vamos revigorar e modernizar nossas alianças e parcerias pelo mundo”.Tal esforço será dirigido especialmente para a região do Indo-Pacífico, a Europa e o Hemisfério Ocidental. Países como Índia, Austrália, Japão, Coréia do Sul, Vietnã, Singapura, Reino Unido, Canadá e México terão centralidade nessa estratégia de contenção dos “Estados autocráticos”.  

Mas o que isso tem a ver com a CIA e seu novo diretor diplomata?

Tem tudo a ver.

É que fragilização recente dos EUA também abrangeu a área de inteligência.  

Na realidade, os EUA estão levando uma surra de países como China e Rússia, nessa área.

Há cerca de uma década, a China conseguiu desbaratar a rede de espiões dos EUA em seu território. Desde então, os EUA têm se valido do MI-6 britânico para obter informações “on the ground”da China.

Mesmo assim, são informações precárias. A China desenvolveu um sofisticado sistema de contrainteligência, baseado em sólida inteligência artificial e biometria de ponta, que dificulta muito o trabalho e a presença de espiões estrangeiros em seu território. Ademais, tanto a China quanto a Rússia estão usando mais eficientemente a Internet e as redes sociais para suas atividades de inteligência e contrainteligência. O domínio da tecnologia 5G pela China poderá ampliar ainda mais, e por todo o mundo, sua vantagem estratégica.

A resposta dos EUA virá de três formas: mais investimento em tecnologias aplicáveis às áreas de inteligência e contrainteligência, melhor formação de quadros e, sobretudo, ampliação e aprofundamento de suas redes com sistemas de inteligência de aliados.

É nesse último ponto que entra o diplomata.

Burns vai aprofundar o relacionamento da CIA com outros sistemas de inteligência, de modo a inseri-los mais intensamente na geoestratégia dos EUA e propiciar sinergias para a contenção dos “Estados autocráticos”. Além disso, a presença de um diplomata permitirá que os sistemas de inteligência conversem sobre temas políticos que escapam à discussão estreita de métodos de inteligência.  

O Brasil é visto, nos EUA, como um país-chave da América Latina, fundamental para conter tanto a influência da China e da Rússia na região quanto para colocar obstáculos à ascensão de regimes e governos que sejam hostis aos interesses dos EUA no subcontinente.  

Portanto, o objetivo fundamental da visita de Burns foi o de fazer, ou tentar fazer, que a ABIN coopere mais estreitamente com a CIA, nesses grandes temas políticos.  

O perigo óbvio é o de que a ABIN, como já acontece também com o Itamaraty e as Forças Armadas, perca cada vez mais de vista os interesses soberanos do Brasil e passe a defender ainda mais intensamente os interesses geoestratégicos dos EUA, num alinhamento automático e subserviente de suas políticas de inteligência e contrainteligência.

Dadas às características geopolíticas do governo Bolsonaro, tudo indica que o pacto já foi selado. Se o pacto incluiu também a contenção de forças populares e políticas internas, com a escusa de que eles seriam aliadas dos “Estados autocráticos”, é algo a ser investigado e esclarecido.  

Na mencionada INTERIM NATIONAL SECURITY STRATEGIC GUIDANCE, Biden afirma que: “A América está de volta. A Diplomacia está de volta. As alianças estão de volta”.

Podemos acrescentar que a CIA, que nunca foi embora, também está de volta. E em grande e novo estilo, mais “cooperativo” e “diplomático”. Sobretudo, mais presente e atuante.

Mais um vírus no Brasil. Variante potencialmente letal para a democracia.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247