A censura calou de vez Paulo Henrique Amorim
"Foi por contrariar muitos, com suas informações e comentários – de qualidade, cultos e, na maioria das vezes, irônicos – que PHA tornou-se sim um dos campeões na imprensa em processos a responder. Não nos cabe aqui julgá-lo, ainda mais agora que nos deixou. Mas registrar sua coragem de continuar emitindo opiniões e revelando informações, tais como entendia necessário fazer, apesar de todos as ações que lhe moviam", diz Marcelo Auler, membro do Jornalistas Pela Democracia
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Por Marcelo Auler, para o Jornalistas Pela Democracia - Oficialmente terá sido um infarto fulminante que calou a voz do jornalista Paulo Henrique Amorim, aos seus 77 anos, na madrugada da quarta-feira (10/07). Certamente haverá meios de confirmarem cientificamente a causa-mortis. Nenhum laudo, porém, afastará de seus amigos a percepção de que o problema cardíaco tem ligação direta com a censura que lhe foi imposta. Censura provocada pela pre$$ão do desgoverno Bolsonaro junto à Rede Record, do bispo Edir Macedo, que em 24 de junho o afastou do seu programa semanal – Domingo Espetacular.
Nos meus 46 anos de profissão jamais trabalhei diretamente com PHA. Em um período, 1978, estivemos juntos o Jornal do Brasil. Mas ele na sede, no Rio de Janeiro, como editor-chefe. Eu, em Brasília, ainda como repórter iniciante. Ao longo do tempo tínhamos referências mútuas. Porém, só fomos manter diálogos mais constantes quando, a partir de 2016, surgiram os processos contra este Blog, por conta dos delegados da Lava Jato. Em especial a delegada Erika Mialik Marena.
Nos aproximamos nessa luta contra a censura e o autoritarismo de policiais e também dos juízes de primeira instância – no caso dele, muitas vezes, também nos tribunais – que desrespeitando a Constituição, nos impuseram censura. Uma luta que também inclui a prática de disseminarem ações nos mais diversos pontos do país. O que nos obriga a gastos não apenas com as defesas, mas também com deslocamentos constantes e muita perda de tempo de trabalho.
Acabamos criando afinidades, muito embora pessoalmente só viéssemos a nos encontrar na noite de 27 de abril de 2017, na tradicional Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco. Foi no lançamento do Manifesto do Projeto Brasil Nação. Embora eu já o conhecesse de vista, ali, no palco das Arcadas, nos falamos pela primeira vez pessoalmente. Conversa que prosseguiu, na presença de outros, como Luís Nassif, na Pizzaria Bráz, em Higienópolis, bairro que PHA residia.
Dele jamais me faltou a solidariedade e o apoio. Foram muitas as reportagens aqui publicadas que mereceram republicações no seu site, Conversa Afiada. Tal como também fizeram diversos sites, como o GGN, de Nassif, e O Tijolaço, de Fernando Brito.
Compromisso com a Liberdade de Imprensa – Mais do que uma simples solidariedade, tais posturas sempre foram tomadas por conta do seu compromisso com a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito. Aquele que quando começa a ser ameaçado atinge, inevitavelmente, a Liberdade de Imprensa como seu primeiro alvo.
Não a liberdade que os patrões das grandes mídias “permitem”, desde que não ameacem seus interesses. Quase sempre os interesses do capital. Na maioria das vezes, contrários ao dos trabalhadores e da população em geral.
Mas a Liberdade que faz o jornalista ter como compromisso brigar para levar ao público os fatos como ocorrem, ainda que isso contrarie a muitos.
E foi por contrariar muitos, com suas informações e comentários – de qualidade, cultos e, na maioria das vezes, irônicos – que PHA tornou-se sim um dos campeões na imprensa em processos a responder. Não nos cabe aqui julgá-lo, ainda mais agora que nos deixou. Mas registrar sua coragem de continuar emitindo opiniões e revelando informações, tais como entendia necessário fazer, apesar de todos as ações que lhe moviam. Sempre defendendo o lado certo. A favor da democracia e do povo mais sofrido.
Tal prática, se lhe causou prejuízos – o maior deles na madrugada desta quarta-feira – não deixou de lhe glorificar. E muito. Afinal, foi possivelmente por tentarem lhe cercear a voz que ingressou no hoje chamado mundo da blogosfera. Seguiu o caminho de Nassif e rapidamente dominou o espaço. Tornou-se um líder de audiência, a partir de todo o aprendizado acumulado desde 1961, ao ingressar na carreira jornalística. Em especial com suas passagens pelas grandes redes de TV. Usando a internet, ganhou uma voz que poderia não ter conquistado através das mídias tradicionais.
Mas a mesma prática de defender a Liberdade de Imprensa real, a favor do leitor/telespectador/internauta, pode ter lhe roubado da nossa convivência. Os amigos não duvidam que o seu afastamento do programa Domingo Espetacular, da Rede Record, que apresentava há 13 anos, por pressão do desgoverno de Bolsonaro, jamais poupado por PHA, pode sim ter sido a causa do infarto que lhe levou.
Apesar de ele ter aguentado calado, pelo menos esta censura. No mesmo dia em que foi afastado do programa, quando por mim questionado via WhatsApp, desmentiu a notícia da demissão que corria solta pelas redes sociais: “deixei de apresentar o Domingo Espetacular, mas fico na empresa, com mais dois anos de contrato”.
Naquela ocasião, outro amigo nosso em comum o procurou: Fernando Morais, muito mais próximo a ele, até por residir em São Paulo. Ao questionamento sobre o que ocorrera, PHA respondeu ao telefone com a sua sonora e conhecida gargalhada, acrescentando: “você sabe! todos sabem”. A mim, educadamente, pediu que evitássemos os protestos. Deveria ter seus motivos, que certamente jamais saberemos.
Foi-se para o outro plano, vítima da censura que ele sempre combateu. Independentemente de a quem atingisse. Não apenas por solidariedade profissional. Mas por convicção de que sem a Liberdade de Imprensa não existe democracia.
Motivo mais do que justificável para que a ideia de Fernando Brito, nas primeiras horas da manhã de quarta-feira, fosse concretizada, com a ajuda do seu xará paulista, Morais. Foi quem a apresentou à viúva, Georgina Amorim: levar o velório de PHA para a sede da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, no centro do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (11/07), entre 10:00 e 15:00 horas.
Afinal, trata-se de uma entidade que sempre empunhou, em passado recente, as mesmas bandeiras de Paulo Henrique Amorim: a intransigente defesa do Estado Democrático de Direito, compreendendo a Liberdade de Imprensa e o respeito ao trabalho dos jornalistas.
Seu velório será um ato político neste momento de turbulências e ameaças que todos assistimos diuturnamente. Servirá ainda para reincorporar a velha e respeitada ABI às demais entidades da sociedade que lutam na defesa do respeito à Constituição, à democracia e, em especial, da Liberdade de Imprensa. Ou seja, em defesa da sociedade. Algo que jamais deve ser esquecido por aqueles que estarão à sua frente nos próximos anos.
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