A celebração precipitada dos tucanos

Mais do que bloquear uma nova candidatura de Lula, este movimento de determinados setores autoritários da burocracia estatal – articulados com a maioria da mídia tradicional – visa “ressecar” a esfera da política, apropriar-se desta esfera “impura”, que está contaminada por partidos que se corromperam e por políticos que só pensam em si mesmos

Belo Horizonte_MG, 07 de marco de 2015 Encontro de lideranças do PSDB com a presença dos senadores Antonio Anastasia e Aecio Neves. Foto: MARCUS DESIMONI / NITRO
Belo Horizonte_MG, 07 de marco de 2015 Encontro de lideranças do PSDB com a presença dos senadores Antonio Anastasia e Aecio Neves. Foto: MARCUS DESIMONI / NITRO (Foto: Tarso Genro)


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Aos que festejam a condução coercitiva do Presidente Lula é bom informar que os acontecimentos de sexta-feira, dia 4 de março, marcam uma profunda mudança no Estado de Direito em nosso país. E que essas mudanças, se consolidadas, dependendo dos governos e da correlação de forças dentro do Poder Judiciário, podem se aprofundar e chegarmos a uma situação que Mário Vargas Llosa – insuspeito de ser de esquerda – classificou de “ditadura perfeita”. Foi como ele designou o regime do PRI, partido-estado mexicano, que governou o país durante mais de sete décadas.

Por que “ditadura perfeita”? Trata-se de um regime – segundo o epíteto de Vargas Llosa – que, apoiado numa institucionalidade autoritária ou num regime constitucional manipulável, não rasga seus códigos e leis, mas estabelece uma tal supremacia do grupo político hegemônico, que ele pode fazer o que quiser, sem declarar-se fiel a um ditador e sem o seu poder originar-se de um golpe militar em sentido clássico.

O ex-presidente da República Lula da Silva não ia sair do país, atendeu todas as requisições para depor, tem residência fixa e jamais regateou para prestar quaisquer esclarecimentos a qualquer autoridade legalmente investida, a respeito da sua vida financeira e do seu passado como gestor público. Todos os cidadãos podem ser investigados pelos órgãos do Estado, dentro da legalidade e por motivos fundados, mas os vazamentos seletivos, os massacres morais pela mídia, a midiatização do processo penal, certamente não fazem parte desta legalidade.

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A sua condução coercitiva, porém, foi um espetáculo político nitidamente articulado com o movimento de golpismo político, que está em curso contra presidenta Dilma, no momento em que é noticiado um PIB negativo, uma eventual delação do Senador Delcídio e – muito importante! – a “Zelotes” começa a apresentar alguns resultados que fugiram à previsibilidade dos que perderam as eleições presidenciais.

Mais do que bloquear uma nova candidatura de Lula, este movimento de determinados setores autoritários da burocracia estatal – articulados com a maioria da mídia tradicional – visa “ressecar” a esfera da política, apropriar-se desta esfera “impura”, que está contaminada por partidos que se corromperam e por políticos que só pensam em si mesmos.

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Esta é nitidamente a orientação que está no despacho do juiz Moro – nitidamente de “exceção”- que converteu a prisão temporária de João Santana e de sua esposa, em prisão preventiva. Lá ele diz que, como a corrupção é sistêmica e profunda “impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena do aguçamento progressivo do quadro criminoso…” Nada de individuação de responsabilidades de maneira consistente, para manter a prisão de pessoas que vieram do exterior para depor. Apenas o combate em abstrato à corrupção.

Isso não é novo, ocorreu com Getúlio, com a ascensão de Mussolini, com Fujimori no Peru, com Hitler, com a genocida ditadura argentina, em outras condições históricas, por outros meios, mas com o mesmo sentido final: mostrar que a democracia não presta e que ela não consegue reformar a si mesma, pelos processos políticos previstos na Constituição.

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Longe de mim acusar – e o digo sinceramente – que estamos perante uma conspiração de juízes e promotores fascistas, tramando contra a República e a Democracia. Isso seria simplismo e muito fácil de combater, porque bastaria mostrar provas da existência de um grupo conspirativo e ataca-lo por meios jurídicos e políticos. A situação é muito mais complexa, como movimento regressivo dos padrões democráticos da Constituição de 88.

Trata-se, na verdade, de uma mudança profunda no funcionamento do Estado, pela qual as suas funções públicas passam a ser diminuídas, momento em que ele, Estado, precisa dar mais importância para responder aos credores da sua dívida pública (com o capital financeiro global), em detrimento da sua dívida originária com os sujeitos dos direitos sociais inscritos na Constituição (povo constituinte que lhe deu sentido).

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As duas dívidas não podem respondidas ao mesmo tempo e o que predomina, a partir desta ambiguidade, é a força normativa do capital financeiro se sobrepondo à força normativa da Constituição, processo que só se consolida com a extinção da esfera democrática da política, cujos alvos centrais são sempre os dirigentes mais prestigiados junto às classes populares.

Se fosse, mesmo, uma luta sincera contra a corrupção (o que move os novos tutores da República), não deveriam eles ter o mesmo tratamento e proporcionar a mesma exposição na imprensa, sem qualquer inculpação prévia, de Alckmin, Richa, Fernando Henrique e Serra? Isso não ocorre porque a mídia – que socorre e ampara todos os dias os novos tutores da República – romperia com eles e, sem o apoio da mídia, estas arbitrariedades não teriam o mínimo apoio popular. Leiam o artigo que Moro escreveu sobre as Operações Mãos Limpas, na Itália. Está tudo lá.

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