A campanha e a economia
É preciso esclarecer que há muito espaço para ser diferente e que Lula fará um governo voltado ao atendimento das necessidades da maioria da população
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A campanha eleitoral começou oficialmente nesta terça-feira, dia 16 de agosto. Mas isso acaba sendo apenas mais um dos muitos jogos de cena que sempre caracterizaram a esfera da política e o mais completo desrespeito às regras legais em nosso País. Todo mundo sabe, inclusive os magistrados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), que Bolsonaro está há muito tempo em plena atividade na busca de votos, a todo vapor, trabalhando em prol de uma tentativa desesperada de sua própria reeleição.
Ele tem se utilizado de forma escancarada da máquina da administração pública federal a favor desse projeto, uma vez que o temor de ficar sem a imunidade e o foro privilegiado a partir de primeiro de janeiro do ano que vem está perturbando visivelmente suas noites e assombrando o seu sono. Contra ele, sobram processos criminais nas esferas jurídicas nacionais e internacionais, em função das ilegalidades e atrocidades cometidas ao longo de seu mandato. Desde o momento em que abandonou o discurso falacioso da “nova forma de fazer política” e se jogou de braços abertos no colo do Centrão, o presidente colocou o tema da sua recondução ao Palácio do Planalto como prioridade absoluta de seu governo. Assim foi, por exemplo, quando encampou a campanha explícita em favor da eleição de Arthur Lira (PP/AL) e Rodrigo Pacheco (DEM/MG) para as presidências da Câmara dos Deputados e Senado Federal, respectivamente, ainda em fevereiro de 2021.
Alguns meses depois, em julho, Bolsonaro entregou o ministério mais importante de seu governo para uma das principais lideranças do fisiologismo no parlamento. O Senador Ciro Nogueira (PP/PI) foi nomeado para ocupar a chefia da Casa Civil. Com essas decisões, o ex-capitão buscou impedir qualquer avanço das inúmeras propostas de impeachment, uma vez que sua aceitação é prerrogativa exclusiva do presidente da Câmara. Por outro lado, a aliança explícita com os representantes do Centrão permitiu a tramitação e aprovação de medidas encaminhadas pelo Palácio ao legislativo, em troca de favores e benesses, como como atestam os escândalos com cargos e verbas. Nesse domínio, a novidade mais ousada talvez tenho sido a introdução das emendas do Relator no Congresso Nacional, tornando o Orçamento Geral da União uma verdadeira caixa preta. Isso porque as emendas bilionárias da nova modalidade aprovadas receberam o carimbo de “secretas”.
A economia de Bolsonaro é um desastre.
No entanto, as dificuldades enfrentadas pelo governo no campo da economia vieram a se somar aos escândalos de corrupção e às quase 700 mil mortes provocadas pela covid. E passaram a ser o centro das preocupações da maioria da população. Os preços crescentes dos derivados de petróleo e dos alimentos comprometeram ainda mais as condições de vida da grande maioria da população. Com isso, a inflação voltou aos dois dígitos e a perda do valor de compra da moeda tem penalizado mais agudamente a população de menor renda. A permanência do desemprego em patamares e a obsessão de Paulo Guedes em promover a austeridade fiscal e o desmonte das políticas públicas só fizeram aumentar a impopularidade do Presidente e contribuíram para dificultar sua preferência nas pesquisas de intenção de voto. Em razão desse quadro, Bolsonaro resolveu abandonar de forma definitiva qualquer compromisso com o discurso fiscalista da ortodoxia do superministro da economia e focou em sua reeleição a qualquer preço, literalmente.
Vieram assim os atos destrambelhados pela mudança no comando da Petrobrás, com o objetivo de reduzir o impacto dos aumentos dos combustíveis. Na sequência, surgiu a PEC do desespero e a busca pela redução da impopularidade do chefe do governo por meio de retorno de auxílios emergenciais para diversas categorias. Mais uma vez, ganha evidência por aqui o dito “é a economia, estúpido”, atribuído a um assessor da campanha do ex presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, em 1992, na disputa em que venceu o candidato republicano, George Bush.
Algumas pesquisas começam a captar os efeitos de tais medidas no comportamento da população e do eleitorado. Para além das atividades de campanha promovidas com todo a pompa e a estrutura da Presidência da República, as decisões mais recentes na área da economia pretendem neutralizar o avanço de Lula nas intenções de voto e jogar a decisão definitiva para um eventual segundo turno. Motociatas, inaugurações ilegais de obras já em funcionamento ou ainda inacabadas, participação em eventos religiosos e outras atividades em favor de si mesmo não estavam conseguindo nem mesmo impedir que a fatura fosse resolvida já no dia 2 de outubro.
Fugir da armadilha das questões “morais”.
O apelo desesperado para a redução dos danos na economia revelou-se uma cartada estratégica para Bolsonaro, ainda que tenha escancarado o seu total descompromisso com a agenda dita liberal de seu guardião junto ao sistema financeiro. Desde então, Guedes não tem escondido seu mal-estar em assinar medidas que rompem de forma explícita com a suposta “austeridade fiscal”, bordão a que ele se agarrou para desqualificar os governos do PT e para facilitar a aceitação de seu candidato no refinado mundo da elite do financismo. Guedes recolheu-se com seu evidente desconforto e praticamente não mais deu declarações à imprensa desde então. Mas Bolsonaro insiste em afirmar que ele continuará sendo o ocupante do posto caso seja reeleito. Acredite quem quiser.
Para fechar a estratégia de sua campanha, Bolsonaro pretende colocar o debate no campo da moral, dos costumes e da religião. Afinal, é ali que ele nada de braçada junto aos seus correligionários mais fanáticos e que se dispõem a difundir toda e qualquer notícia mentirosa pelo universo infinito das redes sociais. A mãozinha oferecida por um segmento importante das lideranças pentecostais mais extremadas colabora para criar um clima em que a campanha Lula terminou por ficar refém da tática do adversário. Ao invés de partir também para a ofensiva, a opção inicial de seu entorno foi a de seguir jogando parado e respondendo de forma reativa aos ataques do bolsonarismo. Talvez a entrada em cena do deputado federal André Janones consiga atuar para superação de algumas dificuldades em lidar com a chamada pauta do povo, além de tratar desses temas na linguagem da maioria da população.
Mas o fato inquestionável é que é na economia que a disputa deve ser travada. Cabe demonstrar que o desastre de Bolsonaro na condução da pandemia também foi acompanhado de uma tragédia na forma como foi implementada sua política econômica. É preciso esclarecer que há muito espaço para ser diferente e que Lula fará um governo voltado ao atendimento das necessidades da maioria da população. Não é possível que se continue refém do discurso da austeridade e da responsabilidade fiscal, sempre com aquele tradicional receio da reação dos chamados “agentes do mercado”. Estamos a pouco mais de um mês e meio do domingo do primeiro turno. A população precisa ter a segurança de que o auxílio emergencial terá o seu valor aumentado e que ele será mantido a partir do ano que vem – ao contrário do desejo de Paulo Guedes e da previsão da Emenda Constitucional aprovada no desespero, que manteve o benefício apenas até o mês de dezembro.
A economia é a pauta do povo.
Lula não pode deixar a menor margem de dúvida de que vai recuperar os programas sociais, com a retomada de medidas na área da saúde, da assistência social, da educação e similares. E que isso significa a necessidade de revogar a política de teto de gastos imposta pela EC 95. Lula precisa dizer também que as causas da inflação serão enfrentadas, ao contrário do que fez Bolsonaro em mais de 3 anos de desgoverno. Isso significa assumir que porá fim à política de preços da Petrobrás e promoverá a retomada de medidas de formação de estoques reguladores na área de alimentos.
Enfim, Lula precisa convencer o eleitorado de que pode e vai mudar a economia. Não pode se negar a assumir o compromisso com uma política de recuperação de gastos públicos, única forma de minorar os efeitos atuais da crise social e econômica, bem como para criar as condições para a retomada de um projeto nacional de desenvolvimento. Os recursos públicos para essa tarefa existem, ao contrário do que insistem em mentir as cassandras do liberalismo financista. Lula acerta ao recuperar a memória histórica do governo de Juscelino Kubitschek, ao afirmar que fará 40 anos em 4.
Ao contrário da intenção desesperada de Bolsonaro de levar a campanha para o campo dos valores morais, Lula deve manter o debate na crítica ao desastre provocado por Bolsonaro com sua política econômica liberal, privatizante e fiscalista. A estratégia de quem está atrás na disputa das intenções de votos é clara: as postagens nas redes sociais afirmam que Lula vai fechar igrejas, que a futura primeira dama tem pacto com as forças do demônio, que o Palácio do Alvorada era tomado por rituais satânicos e por aí vai. Esse é terreno em que a extrema direita se sente mais confortável para chafurdar.
A campanha de Lula deveria partir para uma ofensiva também no campo em que deixa Bolsonaro na defensiva. E isso significa usar e abusar da vidraça já estilhaçada oferecida pelos anos que o candidato à reeleição esteve à frente do governo. Uma das heranças malditas a serem deixadas por ele é o verdadeiro desastre social, com a tragédia proporcionado pelo comando da economia. E nesse campo, além de denunciar, Lula deve demonstrar que existem alternativas e que ele vai fazer diferente.
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