A bola está com Lula

'A entrevista de Lula ao 247 é definidora do que se pode chamar de dignidade e espírito de brasilidade', escreve a colunista Denise Assis

Da esq. para a dir.: jornalistas Luís Costa Pinto, Helena Chagas, Luiz Inácio Lula da Silva, Leonardo Attuch e Tereza Cruvinel
Da esq. para a dir.: jornalistas Luís Costa Pinto, Helena Chagas, Luiz Inácio Lula da Silva, Leonardo Attuch e Tereza Cruvinel (Foto: Ricardo Stuckert)


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Hoje, em entrevista ao vivo e exclusiva para a TV 247, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, de frente, um “Didi Folha Seca”, como ficou conhecido o príncipe etíope, assim descrito por Nelson Rodrigues. Didi foi um jogador marcante em sua passagem pelo Fluminense, mas brilhou mesmo jogando pelo Botafogo, por onde foi campeão carioca em 1957, 1961 e 1962. 

Já escrevi nesse espaço sobre essa cena. E se volto a citá-la é porque, no país do futebol – ou éramos??? – ela é a melhor definição de elegância, soberania e autoconfiança. É definidora do que se pode chamar de dignidade e espírito de brasilidade. Anda em falta e, infelizmente, não se compra na farmácia.

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Didi participava de sua primeira Copa do Mundo, na Suécia, em 1958. Na final, contra a Suíça, logo após o Brasil sofrer o primeiro gol, aos quatro minutos de jogo, Didi, friamente, pega a bola no fundo do gol e caminha calmamente até o meio de campo. Foram 27 passos que transmitiram aos jogadores do Brasil o recado que precisavam: “somos melhores”. O Brasil venceu por 5 a 2 e ganhou o seu primeiro título.

Hoje, quem pegou a bola no fundo do gol e desfilou sobre o gramado dando infinitos passos rumo ao que se pode chamar de dignidade e cidadania foi Lula. Aos 77 anos demonstrou não estar preocupado com as teses dos comentaristas televisivos. (Parem os teclados e ouçam, se querem ter algum Brasil, parecia dizer). Ele não vai dar ouvidos ao que falam. Ele não vai se abalar. Que entendam de uma vez por todas, também, os seus ministros, - alguns ainda preocupados com os índices de popularidade, ameaça mais contundente usada contra os governos.

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A certeza inquebrantável de que retornou ao poder para reconstruir a democracia e o país, é o que o move o tempo todo. E essa verdade interna, esculpida nos 580 dias em que teve a chance de deitar-se de barriga para cima e pensar na vida e no que pretende para o Brasil, o emociona, porque o leva de volta à solidão da cela e aos momentos de desnecessário sofrimento – como a perda do irmão que não pôde velar -, mas também o forjou para a vontade de acertar.

Esse aspecto, o da força que aflora da dor, obviamente foi posto de lado nas manchetes oportunistas que logo pipocaram nas TVs, após sua fala ao 247. Destacaram o palavrão que Lula se permitiu, pensando, à la Rubens Ricupero, estar fora do ar. Exploraram o sentimento de vingança - que ele relatou -, o assaltava no tempo em que estava preso sem, contudo, contextualizá-lo. Quem em um momento de injustiça não pensa em esmurrar os algozes?

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Porém, nada disso tem importância para o Lula, que guarda com um sorriso terno, a cena do garoto que o abordou, falando da queda do preço da picanha.

O que se pôde constatar – e, ressalto, esta é uma visão muito pessoal -, é que ele sabe o que quer e onde quer chegar. Sim, conhece o peso da máquina e onde ela emperra. Sim, tem pressa, porque quatro anos passam rápido e talvez não dê tempo para tirar o Brasil do berço esplêndido em que o deixaram nos últimos seis anos. Mas está convencido de que pode fazer mais, se puder contar com empresários preocupados tanto quanto ele, com o país e, menos, com os lucros. (Eles existem???). Lula sabe que são poucos. Conseguiu citar Josué Alencar, filho do dileto amigo e ex-presidente, José Alencar. Talvez precisasse fazer esforço para lembrar de outros nomes.

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Não deu mostra de que vai arrefecer em sua zanga contra os juros escorchantes do Banco Central. E não deve. Os grandes especialistas de todo o mundo já atestaram que juros altos não são bom caminho para animar a economia.

O que Lula enfrenta, e a tal pesquisa Ipec recém-divulgada deixou isso muito claro, ao fazer perguntas que induziam as respostas que o “mercado” quer, é uma campanha presidencial antecipada para 2026, como nunca se viu antes.

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Não o toleram no cargo, não com essas ideias “estapafúrdias” de que gastos para alavancar pobres da condição de miseráveis não são gastos, mas sim, investimentos. Querem encontrar logo um nome da “terceira via” para “trabalhar” até lá. E, de preferência, não permitir que o seu governo dê certo. O povo há de querer reconduzi-lo (embora ele tenha falado que não quer, mas pode resolver ficar, embora se saiba, foi para espantar as raposas do galinheiro). O grande desafio é impedir que faça o sucessor.

No momento, esse nome está longe de ser o Haddad, muito suscetível aos ecos da Faria Lima. A não ser que ele pare para ouvir com atenção a tudo o que Lula falou na entrevista e queira, ele também, caminhar 27 passos até o meio do campo, com a bola, para dar exemplo de soberania.  

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