A anulação da sentença de Bendine e a falsa polêmica sobre o direito de defesa
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Ao julgar, na terça-feira (27) agravo regimental em Habeas Corpus, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou a sentença condenatória do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no âmbito da operação Lava Jato, ao entendimento de que a apresentação das alegações finais de corréus não colaboradores deve se dar após a apresentação do documento por parte dos colaboradores, e não em prazo comum como fora feito pela 13ª Vara Federal de Curitiba.
Não parece haver qualquer dúvida, nem mesmo entre os ardorosos defensores da operação Lava Jato, de que no nosso sistema acusatório é direito da defesa falar por último.
É em atenção ao direito fundamental da liberdade, aspecto da primazia da dignidade da pessoa humana, que a lei confere ao acusado maior proteção jurídica, concedendo-lhe a última palavra no processo penal. Os que se opõem à decisão proferida pelo STF colocam em questão, portanto, que todo réu, delator ou não, deve ter prazo comum e não sucessivo.
Em nota, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba afirmou que, se o entendimento for aplicado nos demais casos da operação, “poderá anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de réus presos”. A polêmica se apresenta falsa, na medida em que não enfrenta o erro na condução dos processos, e intenta buscar apenas justificar o procedimento nas mesmas premissas de que “vale tudo no combate à corrupção”.
Ora, o princípio do contraditório, que tem natureza constitucional, permeia todo o processo, como bem assentido pelo ministro Ricardo Lewandoski, ao divergir do relator Edson Fachin. Disso se extrai que fere as garantias do direito de defesa todo e qualquer expediente que impeça o réu de conhecer os termos e alegações que contra ele são apresentadas, para o fim de interceder de forma ampla e eficaz.
O corréu que delata encontra-se no plano da acusação. Seus argumentos são destinados a influenciar o convencimento do julgador, no sentido da condenação dos réus não delatores, e com vistas a conseguir benefícios. Desse modo, sabendo que a argumentação exercida tem relevância e influência na formação do convencimento do julgador, não se pode permitir que haja elementos de imputação de crime não conhecidos, porque tratados dentro do mesmo prazo de apresentação ao juiz.
Portanto, é simples reconhecer que viola o princípio da ampla defesa e do contraditório permitir que réus delatores utilizem o mesmo prazo dos não delatores, impossibilitando a estes rebater fundamentos e argumentos apresentados. Seria um viés distorcido supor que, por constarem ambos no mesmo lado da lide processual, seus termos são de idêntica finalidade, o que não se afina com o devido processo legal constitucional, nas dimensões da ampla defesa e do contraditório, princípios que se fundam na informação e na reação.
Esse é o motivo pelo qual as testemunhas da acusação são ouvidas antes das da defesa, o réu é interrogado após todas as provas orais, as alegações finais da acusação precedem as da defesa. Em todos os casos a defesa precisa conhecer, antecipada e previamente, as razões por meio das quais a acusação é sustentada. E se a denúncia se sustenta, inclusive, no depoimento e documentos de réus delatores, não resta qualquer dúvida de que o prazo não pode ser comum, sob pena de ferir a sistemática que se compatibiliza com os princípios constitucionais que regem nosso processo penal.
A partir do julgado da Segunda Turma do STF devem, portanto, retroceder à fase de alegações finais na operação Lava Jato, todos os processos em que os juízes responsáveis pela condução abriram tempo conjunto para os réus se manifestarem, quando havia delatores entre eles, pra definir que o prazo é sucessivo, não comum. Delatores falam antes.
O que deve vigorar é o princípio da máxima eficácia e efetividade das garantias constitucionais, em suas dimensões objetivas e subjetivas. Diante da alegação de membros da força-tarefa da operação Lava Jato de que o STF decidiu no vácuo da norma, pode-se ou deve-se sugerir uma leitura dos dispositivos do Código de Processo Penal, bem assim da jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, além por óbvio, daquele livrinho em desuso chamado Constituição Federal.
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