25 de agosto derruba presidente (3)

Alex Solnik resume o papel central de Carlos Lacerda nas crises que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas em 1954 e à renúncia de Jânio Quadros em 1961

Getúlio Vargas, Jânio Quadros e Carlos Lacerda
Getúlio Vargas, Jânio Quadros e Carlos Lacerda (Foto: Domínio Público)


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Por Alex Solnik

Getúlio resistiu por 19 dias aos ataques de Carlos Lacerda, em 1954; em 1961, Jânio Quadros jogou a toalha em apenas cinco.

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O oitavo mês de mandato do homem da vassoura ia de mal a pior. No dia 17 de agosto de 1961, a manchete da “Tribuna da Imprensa” prometia (ou ameaçava): “Jânio dirá o que mensagem de Kruschev tem”.

“A divulgação da mensagem do ‘premier’ Nikita Kruschev ao presidente Jânio Quadros está sendo esperada a qualquer momento e terá caráter especial. O documento, embora traduzido para o sr. Jânio Quadros pelo sr. Victor Azov, chefe da Missão da União Soviética ao Brasil, permanece um mistério. A mensagem tem 14 laudas, em russo”.

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Também na primeira página da edição de 17 de agosto, notícia internacional:  “Cuba fora da Aliança; Fidel acusa E. Unidos”

“Punta del Este, 17 - A Carta de Punta del Este, que estabelece a Aliança para o Progresso foi aprovada ontem à noite por todos países, com exceção de Cuba. Falando em Havana, Fidel Castro disse que ‘os Estados Unidos não cumprirão suas hipotéticas promessas da Aliança’. Na Conferência, o ministro Ernesto Guevara exortou os outros 20 países americanos a coexistirem com Cuba ‘apreciem ou não seu regime’. O chefe da delegação americana, Douglas Dillon afirmou: ‘Os Estados Unidos não reconhecem nem reconhecerão o regime de Cuba’. Dillon classificou Guevara e outros líderes cubanos de ‘traidores’”.

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Na edição de 18 de agosto, a “Tribuna da Imprensa” noticia a viagem do vice-presidente João Goulart à China: “Jango promove a China Comunista”.

“Pequim, 18 - ‘Estamos verdadeiramente surpreendidos em face do caminho percorrido pela China Popular sob a direção do grande chefe Mao Tse Tung’, declarou, hoje de manhã, o vice-presidente do Brasil, o sr. João Goulart. (..) O vice-presidente Tung Pi Wu expressou a convicção de que o Brasil e a China marcharão juntos para a prosperidade e a independência de todos os povos da Ásia, África e América Latina e lutarão contra o imperialismo para conquistar a paz duradoura, (..) João Goulart e sua comitiva deixarão este país no dia 24 ou 25 do corrente, via Hong Kong”.

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O inferno astral de Jânio começa na manhã de 20 de agosto, quando condecora Che Guevara, que voltava para Havana de Punta del Este, em pleno domingo, com a Grã  Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul. A notícia bomba nos jornais do dia seguinte.

 

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 Segunda, 21

 A “Tribuna da Imprensa” declara guerra a Jânio em editorial: “À revelia de todos, contra a lei e contra os costumes, o sr. Jânio Quadros praticou um ato que não é digno de seus propósitos, nem de suas declaradas intenções de moralização. Mas é a continuação lógica de sua política exterior deplorável. (..) O sr. Jânio Quadros desrespeitou a lei que criou a Ordem do Cruzeiro do Sul, conferindo, por súbito e desautorizado capricho pessoal, a grã cruz dessa Ordem, a um aventureiro internacional. (..) Vamos mostrar, em alguns editoriais neste jornal, a partir de amanhã, os falsos axiomas em que se baseia o erro monstruoso das provocações a que está sendo arrastado o Brasil, por falta de ministro e excesso de presidente”.

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Terça, 22

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Manchete da “Tribuna”: “Crise é gravíssima: comunistas apoiam JQ”.

“O sr. Carlos Lacerda afirmou que a crise entre os governos federal e estadual ‘continua gravíssima’ e que ‘a hipótese da minha renúncia não está definitivamente afastada’. (..) O sr. Carlos Lacerda disse também desconhecer a ‘terceira fórmula’ que, segundo se divulgou, lhe teria sido proposta, em carta, pelo sr. Jânio Quadros. Enquanto isso, agitadores comunistas, como o sr. Roberto Morena, faziam uma manifestação de apoio à política externa do sr. Jânio Quadros”.

 

Quarta, 23

Na página 2, em destaque a declaração do embaixador Ciro Freitas Valle, representante do Brasil na ONU: “O embaixador disse que Cuba é, de fato, um perigo:  “Se não é comunismo, o que há na ilha é coisa parecida”. 

(Gostaria de abrir um parênteses a fim de esclarecer essa história de Lacerda renunciar ao governo da Guanabara. Na sexta, 18 de agosto, ele viajou a Brasília. Estava ansioso para conhecer o teor da carta de Kruschev. E queria dissuadi-lo da aproximação com países comunistas, o que desagradava seus amigos americanos. Jânio nutria uma profunda antipatia por ele, para dizer o mínimo, mas aceitou recebê-lo fora da agenda, por insistência de sua mulher, dona Eloá. Logo ao chegar ao Palácio da Alvorada, Lacerda teve de esperar: o presidente estava assistindo a um filme, avisou para não ser interrompido. Depois do chá de cadeira, Jânio o recebeu e perguntou se estava com fome. Lacerda estava, mas Jânio  informou que o cozinheiro já tinha ido embora. Havia sanduíches frios. A seguir, enquanto Lacerda lanchava, em estrepolia típica de comédia de pastelão, escondeu-se numa sala, de onde pediu ao ministro da Justiça, Pedroso Horta, por telefone, que telefonasse e convidasse Lacerda para ir à sua casa. “Tente saber o que ele quer”. Era uma forma de se livrar da visita indesejada. Surpreendido pelo telefonema, Lacerda argumentou que seria falta de educação abandonar o presidente logo ao chegar, mas foi instado por Pedroso Horta a perguntar se Jânio daria licença -conforme o script combinado- e ele deu. Lacerda rumou, então, à casa de Horta, tendo deixado a valise no Alvorada, onde ficaria hospedado, achando que Horta lhe revelaria o conteúdo da carta de Kruschev. Na casa de Horta, provavelmente falaram abobrinha, em companhia do secretário de imprensa José Aparecido de Oliveira, já que a ideia era mantê-lo longe de Jânio, apenas isso. De volta ao Alvorada, achando que finalmente conversaria com Jânio a sós, Lacerda foi recebido à porta pelo mordomo, que lhe entregou a valise, avisando que Jânio já tinha ido dormir, iria acordar cedo e que Lacerda deveria se hospedar num hotel. Ao chegar ao seu quarto no Brasília Palace Hotel, Lacerda telefonou, furioso, a Pedroso Horta. Chamou o que tinham feito com ele de molecagem. E ameaçou renunciar. Repetiu a ameaça ao deputado Adauto Lúcio Cardoso, líder do seu partido, a UDN. Horta voou até o hotel para tentar acalmá-lo. Paremos por aqui. Somente seis dias depois Lacerda revelaria o que, na sua versão, aconteceu nessa visita a Brasília na véspera da condecoração de Che Guevara).

 

Quinta, 24

“Política externa de Jânio não tem apoio do povo” é a manchete da “Tribuna da Imprensa”, que reproduz texto de Carlos Lacerda. “Fidel Castro imita Hitler em versão comunista ao dizer que é democrata porque governa segundo os uivos da multidão na praça pública”.

 Tem mais Lacerda nesta edição.

“‘Não renuncio’, declarou aos jornalistas paulistas o governador Carlos Lacerda ao retirar-se, ontem à noite, da TV Excelsior, depois de fazer um discurso perante um auditório de 1200 pessoas, literalmente lotado. O governador da Guanabara admitiu, porém, sua renúncia como medida extrema no caso de representarem prejuízos para seu estado as críticas que faz à política externa do presidente Jânio Quadros”. 

 

Sexta, 25

Manchete da “Tribuna”, frase de Lacerda: “Só aos comunistas interessa política exterior de Jânio”.

“Perante uma grande cadeia de rádio e televisão e diretamente do Palácio Guanabara, o governador Carlos Lacerda vai falar hoje, às 22h15 sobre a crise causada pela política externa do sr. Jânio Quadros. Ao voltar ontem de São Paulo, Lacerda afirmou que a política exterior do sr. Jânio Quadros está interessando apenas aos comunistas”.

 

Sábado, 26

Manchete da “Tribuna”: “Lacerda fica para lutar contra trama golpista de Brasília”.

“O governador Carlos Lacerda afirmou, ontem, através de uma cadeia de rádio e televisão que permanecerá no governo da Guanabara para lutar contra uma trama golpista que está sendo coordenada pelo ministro da Justiça, o sr. Pedroso Horta, que o convidara a participar de um movimento de ‘reforma institucional de base’”.

“A crise se resume numa trama palaciana, de homens medíocres” diz Lacerda “tentando resolver por meios ilegítimos as dificuldades do regime brasileiro”.

Título de matéria à página 3: “Congresso previna-se contra ameaça de ‘golpe branco’”

Outra manchete da primeira página: “Lacerda: Jânio não disse tudo sobre a renúncia”.

“O governador Carlos Lacerda disse à Tribuna da Imprensa que não acredita que Jânio Quadros tenha como único objetivo de sua renúncia a intervenção no estado da Guanabara, que lhe foi frustrada, pois existem motivos muito mais graves que não poderiam ser ditos nestes momentos conturbados”

“Na minha penúltima visita a Brasília, sexta-feira, o presidente Jânio Quadros colocou a questão às claras. Disse que preparava para o Brasil uma reforma institucional de base, para reformar o regime. Comentou que já que o Congresso quer recesso remunerado, que fique em recesso remunerado definitivo. (..) O presidente Jânio Quadros explicou que a reforma institucional que pretendia estava expressa em artigos meus publicados em 1956 na Tribuna da Imprensa, em razão dos quais fui chamado de golpista. Os artigos preconizavam adiamento das eleições e esquematizavam uma forma de governo especial (regime de exceção).” 

Lacerda conta o que ocorreu ao voltar da casa de Pedroso Horta ao Palácio da Alvorada:

“Voltei ao Palácio da Alvorada e encontrei minha valise com o porteiro acompanhada da informação de que o presidente já se recolhera e eu devia dirigir-me ao hotel. Não era hóspede mais do sr. Jânio Quadros. No Brasília Palace Hotel o ministro Pedroso Horta me procurou. (..) Numa atmosfera boêmia, havia muito uísque, o ministro Pedroso Horta pediu-me a renúncia ou a adesão à maquinação”.

Na mesma edição, declaração do ministro Pedroso Horta: “O talento antropológico de Carlos Lacerda levou Getúlio Vargas à morte e Jânio Quadros à renúncia. (..) Os brasileiros precisam saber que Jânio Quadros foi  apeado do poder por uma farsa montada e liderada pelo governador Carlos Lacerda”. 

ERRATA: Jânio não se suicidou

Cometi um equívoco que precisa ser corrigido neste texto: ao citar declaração do ministro Pedroso Horta, escrevi, por descuido, que ele falara em suicídio de Jânio. O que ele disse, na realidade, foi:

“O talento antropológico de Carlos Lacerda levou Getúlio Vargas à morte e Jânio Quadros à renúncia. (..) Os brasileiros precisam saber que Jânio Quadros foi  apeado do poder por uma farsa montada e liderada pelo governador Carlos Lacerda”.

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