24 de agosto derruba presidente (2)

O jornalista Alex Solnik mostra a cronologia dos eventos que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, através dos jornais da época

Getúlio Vargas
Getúlio Vargas


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Por Alex Solnik

“Haya de la Torre no Rio, sem permissão”, trombeteia a manchete da “Última Hora” de 5 de agosto de 1954. “Figura de projeção mundial, líder político peruano, Haya de la Torre, apesar de grande amigo do Brasil e dos brasileiros tem recusado o seu pedido de visitar o Brasil”. 

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Abaixo do logotipo, o fato mais impactante do dia (e, quiçá, do século) recebe um título enigmático:

“Apresentou-se à polícia o motorista de táxi”.“Recolheu, na avenida Copacabana, um rapaz que fugia à perseguição de um guarda municipal; não disse em que ponto desembarcou o passageiro”.No alto da página, um texto, sem título, informa:

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“Em consequência da tentativa de morte contra o jornalista Carlos Lacerda, perdeu a vida, atingido pelas balas, o major Rubens Florentino Vaz”.

Embaixo do texto, foto do major morto sobre a maca e a legenda: “o corpo do infortunado”.

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“Mobilizados todos os recursos do governo para esclarecer o crime” é o título principal da página 2. A reportagem começa com uma advertência: 

“Não é lícito a ninguém adiantar-se às inevitáveis conclusões a que a polícia, agindo com o máximo rigor, deverá chegar”.

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Ao lado, destaque para declaração do general Ângelo Mendes de Moraes, ex-prefeito do Rio. (Feita há 67 anos, soa mais atual do que nunca.)

“Agora mais do que nunca não há clima para golpes, nem do alto para baixo, nem do baixo para o alto. O Exército, coeso e unido responsabilizar-se-á na garantia da ordem das instituições democráticas”. “O Exército conserva-se à margem da política”.

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O jornal noticia os fatos do crime com sobriedade, dando voz, inclusive, à narrativa do jornalista Carlos Lacerda, inimigo figadal tanto da “Última Hora” quanto de Getúlio.

A manchete da “Tribuna da Imprensa” de 5 de agosto de 1954 é incendiária: 

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“A nação exige o nome dos assassinos”

O crime ocorreu às 00h45, em frente ao prédio número 180 da rua Toneleros, em Copacabana, diz o jornal. 

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“Estávamos os três na calçada (Lacerda, seu filho e o major)” diz Lacerda “quando notei um homem pardo que se aproximava e, na distância de cinco metros abriu o paletó e descarregou o revólver em cima de nós” .

“Vargas foi o culpado”, declara ele, em outro espaço, também na capa do jornal, do qual é o dono. “Os que não cedem à corrupção caem sob a ação da violência” denuncia. “Perante Deus, acuso um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões, cuja impunidade lhes dá audácia por atos como o desta noite. Esse homem chama-se Getúlio Vargas. Ele é o responsável intelectual por esse crime”.

O jornal ainda informa, na capa, ter recebido telefonema anônimo com o seguinte teor:

“Para a orientação de vocês, eu tenho a informar que os autores do atentado a Carlos Lacerda foram dois elementos da guarda pessoal do presidente da República e um elemento da polícia especial, todos muito chegados ao sr. Lutero Vargas. Também pertenço à guarda pessoal da presidência”.

No dia 6, segundo dos vinte dias que abalaram o Brasil, a “Última Hora” repercute discurso do deputado Gustavo Capanema, líder da maioria:

“Capanema responde aos demagogos profissionais: cabe ao Poder Judiciário punir os autores do covarde atentado”.

E traz declaração do senador Alencastro Guimarães:

“O presidente não pode ser responsável pela agressão”.

Na manchete, o deputado Lutero afirma: “Enquanto meu pai for presidente da República eu me empenharei para que Carlos Lacerda não sofra qualquer atentado”.

Desmentido cabal do presidente do Clube da Aeronáutica: 

“Não passei telegrama a ninguém”.

“Segundo um matutino de hoje, o presidente do Clube da Aeronáutica, Brigadeiro Loyola Daher, teria expedido ontem um veemente telegrama a todos os oficiais da FAB”, diz o jornal getulista.

Trava-se, nos dias seguintes, intenso duelo entre Getúlio, para sobreviver, e Lacerda, para o derrubar. Lacerda entrincheirado na “Tribuna da Imprensa”, Getúlio na “Última Hora”.

7 de agosto

De acordo com a “Tribuna da Imprensa”, “Aeronáutica, Exército e Marinha decidiram apurar tudo, até o fim, e seguir as pistas que a polícia se recusa a seguir porque levam até altas autoridades”.

A “Última Hora” dá de manchete “Cerco de ferro em torno do assassino” e destaca declaração do ministro da Guerra, Zenóbio da Costa:

“O Estado-Maior do Exército nada exigiu do ministro da Justiça”.

10 de agosto

A “Tribuna da Imprensa” abre espaço para declarações dos deputados Afonso Arinos e Aliomar Baleeiro que pedem “afastamento, licença ou renúncia de Getúlio”. “Presente no curso das diligências” explicam “o presidente da República, que é um dos principais suspeitos, dificultará muito a apuração da verdade”.

A manchete da “Última Hora”, sob o subtítulo “Horas de decisão no Catete” expressa diretriz do governo:

“Garantir o regime contra a desordem”.

“Dissolvendo sua guarda pessoal” diz texto na primeira página “Vargas coloca uma vez mais a sua consciência do dever acima de todas as contingências sentimentais”.

O jornal também informa a posse do novo chefe da polícia.

11 de agosto

Na manchete da “Tribuna da Imprensa”, em letras garrafais, ultimatum de Carlos Lacerda a Getúlio: “Renuncie à presidência para salvar a República”.

A “Última Hora” avisa que o Clube da Aeronáutica “decidiu ontem ficar em sessão permanente até a apuração do crime e punição dos culpados”.

12 de agosto

Segundo a “Tribuna da Imprensa”, em reunião, todos os generais do Exército brasileiro deliberaram: 1) garantir a apuração dos fatos em torno do crime e 2) pedir renúncia de Getúlio se culpados não forem punidos.

A “Última Hora” exalta Exército, Marinha e Aeronáutica “unidos em defesa da constituição” e sai com a seguinte manchete:

“Reação contra a ditadura da desordem”.

Repercute declaração do ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa: 

“Não procurem instigar o povo à violência”.

E tranquiliza a nação: “Sereno e bem disposto, o presidente Vargas seguiu para Belo Horizonte”.

13 de agosto

A “Tribuna da Imprensa” traz declaração do marechal Eurico Gaspar Dutra:

“A renúncia viria tranquilizar o país”.

A “Última Hora” abre manchete para Getúlio com o subtítulo “Vargas adverte os fomentadores da provocação e da desordem”:

“Não permitirei que agentes da mentira levem o país ao caos”.

“Enquanto eu planto usinas, meus adversários querem plantar a desordem” declara o presidente da República.

14 de agosto 

“Intensa movimentação no ministério da Guerra” informa a “Tribuna da Imprensa”. “A Marinha está ao lado da Aeronáutica”, acrescenta.

Manchete em caracteres gigantes da “Última Hora”:

“Lutero Vargas renuncia às imunidades para que surja toda a verdade”.

Zenóbio, Guillobel e Estilac: “Pela paz, contra a calúnia e o golpe”. “Enérgicas proclamações dos ministros da Guerra e da Marinha e declarações incisivas do comandante da zona militar centro”.

16 de agosto

“Preso na Marinha Gregório Fortunato” é a manchete da “Tribuna da Imprensa”. “O ‘tenente’ Gregório Fortunato foi preso, ontem, por ordem das autoridades que presidem o inquérito policial-militar sobre o atentado da rua Toneleros. Gregório, chefe da guarda pessoal do sr. Getúlio Vargas foi posto incomunicável no Hospital Central da Marinha, na Ilha das Cobras. Foi posto em hospital porque alega sofrer de mal cardíaco”.

“Dutra repele manobra de Vargas” diz a “Tribuna”. “O senhor Gustavo Capanema pediu ao marechal Eurico Gaspar Dutra que retirasse a declaração que fez, sábado, à Tribuna da Imprensa e em que disse que o sr. Getúlio Vargas deveria renunciar. Dutra respondeu-lhe que não costuma desdizer-se e que realmente acha que a renúncia de Vargas é o único caminho para restauração da paz e da autoridade no Brasil”.

“O que já foi apurado” é o título de um box na página 2. “Estão presos e incomunicáveis na Base Aérea do Galeão vários indivíduos relacionados com o atentado na rua Toneleros. Podemos informar que já se apurou o seguinte: 1) o atentado foi premeditado com muita antecedência; 2) houve tentativas anteriores, que falharam; 3) o pagamento da primeira ‘prestação de sangue’ aos pistoleiros foi feito no Palácio do Catete; 4) um dos pistoleiros, de nome Alcino, apontou como mandante do crime o sr. Lutero Vargas, filho do presidente da República”. 

A “Última Hora” prefere dizer que não há “nenhuma acusação contra Lutero Vargas” e adverte:

“O crime de Toneleros não deve continuar a envenenar o país”.

17 de agosto

A “Tribuna da Imprensa” informa prisão do primeiro suspeito pelo atentado: “Climério Euribes de Oliveira estava acuado num bananal em Tinguá; o cerco começou às 4 da manhã; 200 homens na operação que durou 20 horas; com emprego de helicópteros e paraquedas luminosos”.

Manchete da “Última Hora”:

“Climério rendeu-se: seria metralhado se resistisse ao cerco”.

18 de agosto

“As Forças Armadas repelem o convite ao golpe”, diz a “Última Hora”. “Estiveram reunidos ontem, no Palácio do Catete, até às primeiras horas da noite os três mais altos chefes militares: general Zenóbio da Costa, ministro da Guerra, o almirante Renato Guillobel, ministro da Marinha e o brigadeiro Epaminondas Gomes dos Santos, até ontem o mais provável substituto do brigadeiro Nero Moura no ministério da Aeronáutica” diz o jornal.

19 de agosto 

“Eis os criminosos, falta o mandante” provoca a manchete da “Tribuna da Imprensa”. E completa: “Renuncie Vargas, exige o país inteiro”. 

A “Última Hora” noticia que “não há nada contra Lutero, afirma o presidente do inquérito militar”. 

O presidente Getúlio Vargas afirma ao jornal:

“É preciso que nisso tudo surja a verdade, a verdade somente e não a verdade que eles querem”.

20 de agosto 

“Preso o último dos assassinos: Soares. Fugia para Campos. Já está no Galeão”. Diz a “Tribuna da Imprensa”.

A “Última Hora” mostra trecho do depoimento à polícia do pistoleiro Alcino, o provável matador:

“Enquanto o major Vaz procurava revidar, Carlos Lacerda corria para a garagem”.

21 de agosto

“Depois da prisão de todos os pistoleiros, ainda hoje o nome do mandante” promete a “Última Hora”.

A “Tribuna da Imprensa” publica comunicado do coronel-aviador João Adil de Oliveira encarregado do inquérito policial-militar:

“Não tenho dúvidas e já tenho elementos seguros de prova de que o crime foi planejado e executado por elementos que serviam o Palácio do Catete, onde residiam, mesmo. O chefe e o secretário da guarda pessoal, Gregório e Valente estão inequivocamente comprometidos no crime”.

Carlos Lacerda comenta a nota:

“Falta agora expulsar Vargas do Catete”.

22 de agosto

“Tensa a situação político-militar” é a manchete da “Tribuna da Imprensa”. “A situação agravou-se com a reunião do Alto Comando do Exército por solicitação do ministro da Marinha, que foi convocada porque os altos chefes militares já conheciam o nome do mandante do crime da rua Toneleros”.

23 de agosto

“O Brasil escapa à guerra civil” diz a manchete da “Última Hora”. “A disposição de Vargas, não permitindo que a autoridade do poder civil fosse ontem desmoralizada, assim como a férrea decisão do general Zenóbio e dos comandos militares salvaram o Brasil da guerra civil”.

“Às 9 horas da manhã” informa o diário “o presidente da República iniciou seus despachos normais”.

“As próximas 48 horas, segundo tudo indica, devolverão à Nação a sua tranquilidade”.

A “Tribuna da Imprensa”, no entanto, adverte:

“Greve na Marinha e na Aeronáutica se Vargas ficar mais 48 horas”.

“Os brigadeiros reunidos” informa, ainda, o jornal. “Decisão unânime: renúncia de Vargas”.

E ainda na mesma edição:

“Café Filho propõe a Vargas a renúncia de ambos em favor do presidente da Câmara”.

“Noite agitada no país inteiro”.

“Intensa movimentação nos círculos militares”.

“Censuradas as estações de rádio”.

24 de agosto

“Suicidou-se Getúlio Vargas” diz a manchete da “Tribuna da Imprensa”. “Desfechou um tiro no coração - o suicídio ocorreu em seus aposentos particulares - o médico da Assistência nada pôde fazer”. 

A cronologia dos fatos:

1h30 - o general Zenóbio foi ao Palácio do Catete para transmitir ultimatum dos chefes militares para Getúlio renunciar

3h25 - não se sabia a reação de Vargas; estava reunido com a família e com todo o ministério

4h15 - o marechal Eurico Gaspar Dutra declara a jornalistas em seu apartamento, à rua Redentor:

“Estava ouvindo as notícias pelo rádio. Estou sabendo que o sr. Getúlio Vargas afirmou que não sairá do governo. Ele faz muito mal. A sua renúncia se torna indispensável”.

7h00 - “em seu apartamento, o vice-presidente Café Filho isolou-se das visitas para conversar com os srs. Afonso Arinos, líder da oposição e Bilac Pinto”.

“Matou-se Vargas” diz a manchete da “Última Hora” de 24 de agosto de 1954, acrescentando: “O presidente cumpriu a palavra: ‘só morto sairei do Catete’”

O texto informa, curto e grosso:

“Às 8.30 hs da manhã de hoje o maior líder popular que o povo brasileiro já conheceu encerrou de modo dramático sua grande vida”. 

A crise de agosto seguinte ocorreu em 1961. Continua amanhã.

Leia também: Agosto derruba presidentes (1)

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