2020: um ano perdido
Apesar desse quadro geral de dificuldades de prospecção, os economistas não temos como fugir à pergunta que mais nos é dirigida, em especial em momentos de crise como atual. De quanto será a queda do resultado a ser apurado pelo IBGE para o desempenho geral da economia brasileira?
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As previsões para o desempenho da economia brasileira ao longo de 2020 é uma grande incógnita até o presente momento. Existe um conjunto de variáveis sobre as quais não se têm o menor conhecimento e muito menos controle. O clima generalizado de incerteza não permite que se confira nenhuma credibilidade às estimativas que se pretendem “técnicas” a respeito de qual será a taxa de “crescimento negativo” do Produto Interno Bruto (PIB) para o ano da pandemia. Aliás, os relatórios oficiais adoram esse eufemismo para fugir ao nome adequado e incômodo para caracterizar o fenômeno: recessão.
Apesar desse quadro geral de dificuldades de prospecção, os economistas não temos como fugir à pergunta que mais nos é dirigida, em especial em momentos de crise como atual. De quanto será a queda do resultado a ser apurado pelo IBGE para o desempenho geral da economia brasileira? Se em épocas marcadas por menor incerteza essa tarefa já é complicada, esse exercício torna-se ainda mais aleatório em períodos como os que vivemos atualmente.
O quadro é grave e complexo. Somam-se fatores tão diversos como: i) os efeitos da política de austeridade levada a ferro e fogo por Paulo Guedes desde o início do mandato; ii) os efeitos da crise política que se aprofunda a cada dia, com as dificuldades de articulação do governo Bolsonaro no interior do Congresso Nacional; iii) os efeitos da crise econômica internacional provocada pela crise do coronavírus, com redução do nível de atividades em boa parte do planeta; iv) os efeitos da pandemia internamente e as necessárias medidas de confinamento, com consequente redução da atividade econômica interna; e, v) os efeitos da incapacidade do governo Bolsonaro em apresentar um programa mínimo de combate ao civid19, com o objetivo de reduzir as vítimas e atenuar as consequências econômicas e sociais da doença.
O finacismo e seu mundinho.
As estimativas oficiais são sempre baseadas em uma pesquisa semanal realizada pelo Banco Central (BC) junto à nata do financismo tupiniquim. Todas as segundas-feiras o chamado “mercado” aguarda ansioso pela divulgação matinal do famoso “Relatório Focus”. O documento sintetiza os humores e as projeções dos principais dirigentes e tomadores de decisões atuantes no mercado financeiro. Trata-se de um seleto grupo de 130 indivíduos que mantêm uma profunda relação de dependência mútua e para com o próprio órgão de regulação e fiscalização do sistema. Assim, é amplamente conhecida a parcialidade de tais “sentimentos” investigados, mais do que estimativas isentas.
A verificação do comportamento tend, eioso das respostas quando perguntados sobre a estimativa de crescimento do PIB para 2020 é evidente. A evolução das respostas ao longo das semanas fala mais de como se esfarela o suposto otimismo no início do ano do que da incapacidade de avaliar os efeitos inescapáveis de uma grave epidemia, que já se anunciava inevitável quando começou a se espalhar para além das fronteiras chinesas.
Pois os nossos respondentes da pesquisa pareciam não se preocupar com isso. Até o início de março, eles seguiam leves e soltos, surfando na onda de otimismo permanente propagandeado pelo superministro da economia. Afinal, não havia nenhuma dúvida de que o Brasil cresceria um mínimo de 2% ao longo do segundo ano de Bolsonaro. Era mesmo necessário que algum resultado positivo fosse apresentado depois do fracasso do Pibinho de 2019 (1,1%), que conseguiu ser menor ainda que os números obtidos durante os anos da gestão de Temer e Meirelles.
No entanto, à medida que as semanas iam passando, os próprios integrantes do sistema financeiro foram sendo “obrigados” a se render às evidências gritantes e dramáticas da realidade e à gravidade da crise. E assim, as previsões apresentadas a partir de março foram uma verdadeira ladeira abaixo. O crescimento apontado ainda em março se converte uma recessão de -2% em abril. E logo se transforma em queda de -4,1% no mês seguinte. A pesquisa mais recente no início de junho aponta uma recessão de -6,5%.
Pesquisa Focus - Previsão PIB de 2020
Data pesquisa | PIB 2020 continua após o anúncio
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10/jan | 2,3 continua após o anúncio
|
07/fev | 2,3 |
06/mar | 2 |
10/abr | -2 |
08/mai | -4,1 |
05/jun | -6,5 |
Fonte:BCB
Mais do que retratar a incapacidade de os assim chamados de “especialistas” do financismo em realizar previsões minimamente isentas e confiáveis, o quadro reflete a profundidade da recessão que atravessamos. E aqui não se trata de disputar a medalha do pessimismo ou torcer pela linha do “quanto pior, melhor”. Há estimativas de outras empresas e instituições igualmente vinculadas ao establishment e que não se permitem dourar a pílula no quesito crescimento do PIB. Bancos privados já falam em queda de 7,7% e o próprio Banco Mundial aponta para uma recessão de 8%.
Recessão grave e ameaça de golpe.
Outras instituições de pesquisa não consideram de todo improvável que a continuidade da crise e a incapacidade do governo Bolsonaro em apresentar saídas amenizadoras terminem por levar o quadro recessivo para índices próximos a uma queda de 10%. O único setor que ainda consegue apresentar alguma colaboração positiva para a atividade econômica nacional é o complexo exportador - tanto o agronegócio quanto os exploradores de minérios. A rápida recuperação da economia chinesa reacendeu a demanda por esse tipo de importação de “commodities” e a queda na capacidade de nosso consumo interno não influenciou tanto esse tipo de atividade produtiva.
Bolsonaro parece já ter realizado a leitura política da conjuntura difícil para seu governo e sua popularidade. Ao identificar a incapacidade de reverter esse quadro recessivo e os impactos dele derivados, o capitão optou por jogar a responsabilidade das trágicas consequências sociais econômicas de sua incompetência para o colo dos governadores e prefeitos. Seu discurso tem sido marcado pela insistência em retomar as atividades e terminar com o confinamento. Para ele, pouco importa se haverá ainda mais mortes a partir do exemplo irresponsável de suas saídas cotidianas em contato físico direto com a população, sempre sem máscara e em direção oposta às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos ministros que ele demitiu há recentemente.
Para o presidente, só interessa a sua própria reeleição em 2022. Com isso, pretende se esvair do quadro ainda mais dramático que o Brasil ainda vai encontrar logo ali na esquina, em futuro próximo. A recessão terá sido forte em 2020? Isso não tem a nada a ver com ele ou Paulo Guedes. Foi tudo culpa dos membros do Congresso Nacional, da imprensa, dos governadores e dos prefeitos que não o deixaram governar como ele desejava.
Infelizmente, 2020 será mesmo um ano perdido em termos da economia e dos indicadores sociais. No entanto, cabe às forças democráticas impedirem que ele se transforme também em uma aventura totalitária. Os intentos de auto golpe do capitão, estão mais do que evidentes. A formação de uma Frente Ampla para tirar Bolsonaro do governo é tarefa essencial para os tempos de hoje. Esse é o caminho para curar as feridas da crise e da irresponsabilidade. Com a restauração da democracia consolida-se a possibilidade de retomar o projeto de desenvolvimento sustentável e inclusivo, com a urgente redução das desigualdades econômicas, sociais e regionais.
*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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