10 anos do Mensalão e o PT: para além de um "partido-estado de espírito"

O "mensalão" nada mais foi do que a tentativa de assassinato do PT. Daquele PT capaz de disputar e ganhar eleições, e governar. Para ser efetivo, o V Congresso tem que revisitar e atualizar o que o "mensalão" quis exterminar

O "mensalão" nada mais foi do que a tentativa de assassinato do PT. Daquele PT capaz de disputar e ganhar eleições, e governar. Para ser efetivo, o V Congresso tem que revisitar e atualizar o que o "mensalão" quis exterminar
O "mensalão" nada mais foi do que a tentativa de assassinato do PT. Daquele PT capaz de disputar e ganhar eleições, e governar. Para ser efetivo, o V Congresso tem que revisitar e atualizar o que o "mensalão" quis exterminar (Foto: Leopoldo Vieira)


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1) No artigo Dez Anos Depois, o Mensalão Fez Mal à Democracia, publicado jornal Brasil 247, Tereza Cruvinel, afirma que "o mensalão (...) atrasou a agenda desenvolvimentista de Lula". No PT, contribuiu questionar um importante legado que se quer jogar fora "junto com a água da bacia" e amoldar um partido na defensiva, emparedado entre o conservadorismo e a obsessão por novidades.

2) Desde 1995 o PT apresentou ao país o Programa da Revolução Democrática, que consistia numa série de medidas inclusivas e democratizadoras dos serviços públicos, o que permitiu consolidar governos chamados "democrático-populares", cujas principais marcas eram a inversão de prioridades e participação social, promovendo, em massa, a mais importante "alquimia" da história do Brasil: a conversão de trabalhadores em gestores e legisladores públicos. Simultaneamente, militantes do PT lideravam a resistência contra as privatizações, o arrocho e o desemprego. Molas a girar ao contrário da engrenagem do Consenso de Washington nas urnas e nas ruas.

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3) Assim, o PT superava sua primeira fase, a dos anos 80, período em que se conformou como síntese de diversas ideologias populares e movimentos sociais presentes na abertura democrática e obteve êxito em ganhar, com discurso e práticas alternativos, governos municipais quase que exclusivamente com chapa própria e enquanto frente social e política. Não é incorreto dizer que este é um processo no qual, agora, começa a ingressar o Podemos! espanhol ou o Syriza grego, respeitando sempre o que articulam de mais amplo e transversal a si mesmos.

4) Nesta segunda etapa aberta, era comum que a militância e dirigentes à frente destas gestões discutissem tais governos como "transições ao socialismo", mas o o sentimento do dever cumprido perante o povo era mesmo receber prêmios como o Prefeito Criança. Ali já vigia a superação do PT pequeno para o partido capaz de aglutinar, vencer e governar. Ou seja: do amálgama de movimentos e organizações concentrados em unificar uma frente política inovadora ao quadro partidário pós-ditadura, nascera uma unidade na diversidade estruturada enquanto partido político com o objetivo de governar o país.

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5) Para se colocar ainda mais à altura deste crescente ciclo de governança petista foram criados os setoriais do PT sobre variados temas, voltados à elaboração de propostas temáticas de governo e também para a organização destes setores na vida partidária para o diálogo social. Foram criados os diretórios zonais para aproximar o partido das comunidades e territórios, imbuindo um trabalho eleitoral e político mais próximo das lideranças de base. Sem falar no PED, quando as rádios e TVs passaram a cobrir em tempo real, em caso inédito no país, os debates petistas presentes em eleições de massas internas. Aquele partido dispunha de canais permanentes com os artistas e intelectuais brasileiros. Não à toa, sempre havia aquela expectativa, antes da propaganda eleitoral diária, de aparecer "aquele cantor" ou "aquele ator" declarando voto no candidato do PT. O crescimento do PT, fincado na perspectiva de vencer eleições e governar em democracia, abriu a possibilidade de se utilizar os serviços de marketing político para melhor promover sua imagem, ideias e propostas. Esta escolha foi bem sucedida em nível local e fez boa parte da militância não ser apenas - como todo brasileiro - "técnico de futebol", mas, sobretudo "marqueteiros". Nada de descaracterização, como atestou a reeleição da presidenta Dilma ano passado.

6) A esquerda mundial sorria para este partido - o "PT do Orçamento Participativo" - ainda perplexa com a corsa tomada pela ofensiva neoliberal. O PT retribuía, engajando-se e sendo a estrela maior de articulações como o Fórum Social Mundial, mesmo que para ouvir de muitos "denúncias" sobre sua "capitulação à ordem burguesa". Na verdade, parafraseando Trotsky, estava-se apenas construindo a nova ordem com os tijolos herdados da antiga.

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7) "Mais experiente e mais maduro" após este acúmulo de forças, com resultados concretos na transformação da vida cidadã e ideias e propostas factíveis e testadas na gestão pública, advindas de acúmulos na luta social determinados pela sua própria origem "social", o PT adquiriu credibilidade para apresentar um programa de governo à nação. Só que, seja para iniciar a transição socialista, seja para derrotar o Pensamento Único a partir do Palácio do Planalto, os tipos de maioria social e política que se tentou construir em 1989, 1994 e 1998 fracassou. Então, o PT optou por buscar arrastar parte fundamental do setor industrial-empresarial para a chapa vitoriosa Lula e José de Alencar e assegurar governabilidade institucional com a atração do PMDB. Finalmente, o povo percebeu que, podia até não saber, mas, no fundo, também era um pouco PT.

O PT tem matéria prima robusta para se reinventar

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8) Em 2005 surge um ponto fora da curva: as ilações de Roberto Jefferson e alguns efeitos disso no PT foram pedras e sombras sobre todo este acúmulo programático e organizativo, como uma espécie de "organograma da lepra", seguidos de canhões internos pelos quais a "culpa" seria do próprio partido e seus dirigentes; e o medo de defender o partido e de ser atacado. O povo, entretanto, entendeu, não precisou de tecla SAP, reelegendo Lula, elegendo e reelegendo Dilma, mas ao não conseguir defender o partido e seus dirigentes, foi se abrindo espaços para injustiças surreais à imagem do partido, à suas lideranças históricas, chegando no carimbo de partido corrupto.

9) Ocorre que aquela narrativa interna, somada à narrativa que a grande mídia impôs ao PT sem grandes resistências, geraram um conjunto de efeitos: dificuldade de se estruturar um núcleo dirigente, tomar a iniciativa política, reagir e lutar; em larga medida desmobilizou aquela máquina eleitoral "involucrada" ao povo e aos movimentos sociais, fê-la perder "timings" fundamentais para organizar os beneficiados por suas políticas sociais e a nova base surgida das transformações que promovera no Brasil.

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10) Nos 10 anos do "mensalão", às vésperas de um congresso partidário ímpar em seus prováveis sucessos ou fracassos, é preciso fazer escolhas. Uma, é trazer à tona antigos segredos e resgatar o legado que nos trouxe até aqui como matéria prima para formatar o PT da segunda década do século XXI. A este caminho, cabem perguntas: Como está morto o partido que ainda possui a maior bancada na Câmara dos Deputados, governa, somando os municípios sob sua direção, a maior população e o maior orçamento do país, dirige a segunda maior cidade da América Latina, acabara de reeleger a presidenta da República num show de garra e vitalidade de sua militância? Como dizer que marketing profissional não é parte da solução da ampla defesa que o PT tem de fazer de si mesmo neste momento de perda de hegemonia na sociedade? Como dizer que os Diretórios Zonais não são parte da solução da necessária articulação de base do partido para reverter o anti-petismo nos escaninhos da psicologia popular? Como dizer que ter propostas concretas e factíveis de gestão, bebendo na nova geração de políticas públicas inclusivas (governos Lula e Dilma), associando-as com as novidades luminosas que vêm da prefeitura de São Paulo - nova política anti-drogas, democratização do espaço público e dos territórios, tributação progressiva, diálogo social territorial, lupa sobre iniquidades em grandes políticas como assegurar lugar á população LGBT no Minha Casa Minha Vida paulistano - não são parte da solução para uma nova síntese programática a guiar a disputa das municipais de 2016?

11) Outras são: se mover por estímulos aos ataques da direita, a situação atual rejeitada pelo conjunto partidário; e considerar que o PT deve percorrer um caminho que já percorreu, o de ser uma "frente de novidades". Ambos se assemelham, com pólos de humor invertidos, a um "partido estado de espírito".

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12) A social-democracia européia já foi movimento sindical, virou partido, promoveu avanços, bateu no teto ao capitular à Terceira Via e, se perde atualmente espaços para organizações nascidas desde a base, "bricoladas" nos impasses comunicativos, associativos, propositivos, organizativos da política em 2015, é porque não logrou se atualizar. O insuspeito Paul Krugman, em artigo recente, defende que os Estados Unidos "estão apresentando um nível de polarização política que desde a Guerra Civil não se vê" e que "os democratas tentarão expandir os programas sociais, a intervenção estatal na economia e reduzir gastos bélicos" para polarizar com os Republicanos. Na fronteira sul do Brasil, o peronismo, com décadas de tradição, ao contrário do socialismo hegemônico do Velho Continente, reinventou-se programática e organizativamente a partir da condição de governo de Nestor e Cristina, mas bebendo em suas próprias fontes: Montoneros, cacerolazzos, o breve governo de Hector Cámpora nos anos 70. Um partido-movimento é desejado, mas como corrente político-social de massas com uma forte coluna vertebral partidária, não como amálgama de horizontalidades. Isso pode até parecer mais compatível com a ideia de democracia de massas, de "governo comum", mas é auto-insular em capacidade de disputar poder porque é autorreferenciado em sua própria diversidade e não da diversidade social em geral.

13) Como aperfeiçoamento da pusilanimidade surge o "80's volver!", daqueles que, para não ficarem para trás, exigem a volta ao passado e, novamente, a miragem à grama do "vizinho" que, como se sabe, é mais verde, o que, em muito, confunde-se com traumas relativos ao insucesso - apesar da faca e o queijo na mão - da antiga Opção de Esquerda, em 1993, mãe do "partido em disputa" de uns contra a década de noventa. À isso é imprescindível opor que o "mensalão" nada mais foi do que a tentativa de assassinato do PT. Daquele PT capaz de disputar e ganhar eleições, e governar. Para ser efetivo, o V Congresso tem que revisitar e atualizar o que o "mensalão" quis exterminar.

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