(Vídeo) Daniel Filmus, ministro argentino: 'governo Lula retoma o que parou com Bolsonaro na relação entre Brasil e Argentina'
Em entrevista exclusiva ao 247, o titular da Ciência e Tecnologia falou sobre temas como saúde, economia, política externa e meio ambiente

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
Por Marcia Carmo, correspondente do 247 na Argentina - O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação da Argentina, Daniel Filmus, e a ministra brasileira da pasta, Luciana Santos, se reúnem em Brasília no dia 24 de maio. Será o terceiro encontro dos dois em cinco meses. Em quatro meses, desde a posse do presidente Lula, nove ministros já estiveram em Buenos Aires para reunião com seus pares do governo vizinho. Neste mês de abril, chegará o décimo ministro – o dos Transportes, que desembarcará após as visitas dos ministros da Agricultura, dos Direitos Humanos e da comitiva ministerial que acompanhou Lula, em janeiro, ao país. A agenda frenética é um contraste com o silêncio e o distanciamento político que os dois países viveram até dezembro passado.
Nesta entrevista exclusiva ao Brasil 247, em seu gabinete, na capital argentina, o ministro Filmus falou sobre os acordos já assinados com a ministra Luciana Santos, comentou sobre os projetos bilaterais que ficaram parados na gestão brasileira anterior e como os dois países podem avançar para aumentar a produção com valor agregado e reduzir desigualdades sociais.
Seguidor do presidente Lula, antes mesmo que ele chegasse ao Planalto, ainda como sindicalista, Filmus disse ter ficado emocionado com seu retorno à Presidência e acredita que os projetos conjuntos podem agora avançar. Ele tem uma foto com Lula em seu gabinete. Mas o ministro argentino ressalvou que a vontade política é decisiva para que iniciativas como o ‘Banco do Sul’, por exemplo, não fiquem somente nas ideias.
A seguir a entrevista do ministro Daniel Filmus ao Brasil 247:
Brasil 247: O senhor teve dois encontros, até agora, com a ministra Luciana Santos, de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil. O primeiro, assim que ela foi indicada, antes da posse. E o segundo quando o presidente Lula esteve aqui em janeiro.
Filmus: As duas reuniões foram muito produtivas. Quando ela esteve aqui com o presidente Lula, assinamos dois acordos. Um acordo para aprofundar a relação em diferentes assuntos em ciência e tecnologia. É um acordo, que é o primeiro entre os dois países, para trabalharmos conjuntamente no Atlântico Sul.
Brasil 247: Por que?
Filmus: O Atlântico Sul é, em termos geopolíticos, estratégico. Sempre existiu um olhar, de certa forma, de isolamento entre a Argentina e o Brasil. Cada um em sua porção do Atlântico Sul. É isso, de alguma maneira, abre uma porta para trabalharmos de forma conjunta na Antártida.
Brasil 247: Mas trabalhar juntas de que maneira?
Filmus: De muitas maneiras. Ali temos o problema da pesca, que inclui um conjunto de espécies, como o camarão, que é uma espécie migratória, que tem origem no Brasil, que percorre a Argentina, atravessa para o lado das Malvinas e volta para o Brasil. É um tipo de pesca que pode ser muito produtiva para o Brasil e a Argentina, mas que vem sendo depredada com centenas de barcos que estão nesta região.
Brasil 247: Vocês também devem estar falando sobre o impacto da mudança climática.
Filmus: Sem dúvida. A mudança do clima está tendo um impacto muito forte. E tanto as costas do Brasil como a da Argentina estão sofrendo. Este impacto produz, por exemplo, o derretimento dos glaciares na Antártida.
Brasil 247: Mas como vocês pretendem realizar essa preservação?
Filmus: Nosso objetivo principal é a defesa da biodiversidade. E vamos trabalhar juntos por exemplo para saber que tipo de pesca temos e daquelas espécies que estão dentro das 200 milhas (do Atlântico Sul).
Brasil 247: O que mais vocês conversaram?
Filmus: Por exemplo, a questão de satélites. A Argentina está construindo um satélite que se chama ‘sabia mar’. Nós tínhamos trabalhado com o Brasil neste projeto l, mas ele ficou paralisado durante o governo de Bolsonaro. Este satélite foi especialmente desenhado para o trabalho no oceano Atlântico Sul.
Brasil 247: Poderia voltar a ser uma operação conjunta?
Filmus: Poderia voltar a ser. O satélite entrará em órbita no fim do ano que vem. E podemos trabalhar conjuntamente. Mas entrevista acordos que assinamos também incluímos a questão da transição energética.
Brasil 247: Pode explicar? Energias limpas. Mas quais delas?
Filmus: Algumas questões estão ligadas ao lítio e ao hidrogênio. E também com o uso pacífico, na qual temos muita história com o Brasil…
Brasil 247: O uso da energia nuclear…
Filmus: Exato.
Brasil 247: Os dois países têm um acordo para o uso pacífico da energia nuclear.
Filmus: Claro, mas aprofundando a questão voltada para a medicina, na qual a Argentina tem muita experiência. E também estamos conversando sobre a biotecnologia, onde o Cabio, que é o centro binacional de biotecnologia que, claro, nos últimos anos foi ampliado e passou a ser latino-americano. E é um modelo que também queremos repetir para a nanotecnologia. Neste caso, a Argentina tem muito para aprender do Brasil. Em muitas áreas da ciência e tecnologia o Brasil fez investimentos muito mais fortes do que a Argentina.
Brasil 247: Com o retorno do presidente Lula.
Filmus: Com o governo Lula, podemos recuperar o projeto Llama. O projeto llama é um projeto especial que está sendo realizado em Salta, a cinco mil metros de altura. É um projeto astronômico. Originalmente, era do Brasil e da Argentina. E, depois, a parte brasileira deixou de participar do projeto e, então, avançamos com os europeus. Agora, nossos cientistas estão conversando com cientistas brasileiros para o retorno do Brasil ao projeto. Poderia ficar aqui horas falando porque estamos conversando sobre vários projetos conjuntos com o Brasil.
Brasil 247: Na pandemia, ficou evidente que nossos países não tinham projetos conjuntos na área de vacinas e as importações foram decisivas. Também se está avançando na área dos imunizantes?
Filmus: Como muitos outros assuntos, o Brasil tem vantagens em relação à Argentina.
Brasil 247: Com a Fiocruz e o Instituto Butantã.
Filmus: Exato. Mas, no caso da pandemia, esperamos que a Argentina seja quem tenha a vacina no meio do ano.
Brasil 247: Para exportar para a América Latina?
Filmus: Cuba foi o primeiro da América Latina (chamada ‘Soberana’). E, no caso da Argentina, seria a primeira da América do Sul. Já estamos na fase 2 e 3.
Brasil 247: Qual seria o nome da vacina argentina?
Filmus: O nome é Arvac e foi desenvolvida por uma equipe de mulheres. É uma homenagem à primeira médica na Argentina, Cecilia Grierson. E estamos orgulhosos disso. E a vacina foi feita junto com a Universidade San Martín, que é pública e o Conicet é um laboratório privado que será quem a levará pra frente (produção e distribuição).
Brasil 247: Como seria a distribuição para outros países?
Filmus: Os organismos reguladores poderiam ter uma única regulamentação na América Latina. E as aprovações poderiam ser conjuntas.
Brasil 247: Poderia ser uma vacina com a marca Mercosul, por exemplo?
Filmus: É sobre isso que também poderíamos chegar a acordos. O Brasil tem uma capacidade muito maior e admirável neste setor. O Brasil é um modelo para nós da Argentina. Aqui não temos laboratórios públicos como vocês têm é acho que trabalhar conjuntamente com o Brasil seria muito importante.
Brasil 247: A Argentina está vivendo uma seca histórica. O que poderia estar sendo realizado a partir da sua pasta?
Filmus: Por exemplo, nós desenvolvemos, com outra universidade, a Universidade del Litoral, e a empresa Bioceres, do setor privado, a semente de trigo HB4 e a soja HB4 que são resistentes à seca.
Brasil 247: Entendo que o Brasil já teria aprovado essa importação não?
Filmus: Exatamente. Essa é uma boa notícia. No ano passado, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália, Índia, Indonésio, África do Sul e o Brasil a aprovaram. É uma semente geneticamente modificada a partir da semente de girassol.
Brasil 247: O que significa, na sua visão, o retorno de Lula à Presidência para a relação bilateral?
Filmus: Prefiro falar como companheiro de Lula e não como ministro. Eu o conheci antes de ele assumir a Presidência pela primeira vez. A volta dele é uma emoção imensa. Ele sofreu uma perseguição judicial muito injusta. E ele voltou com o apoio de grande parte do povo brasileiro. Minha admiração por ele é enorme. As portas, agora, foram reabertas para que possamos voltar a atuar conjuntamente e a ter uma integração muito maior. O Brasil e a Argentina avançaram muito na integração política. Por exemplo, foram criadas a Unasul e a Celac, organismos regionais. Mas avançamos pouco na integração econômica e na integração logística. Em 2007, assinamos a criação do Banco do Sul..
Brasil 247: E nunca saiu do papel.
Filmus: Sim, pois é. E a gente continua falando sobre integração monetária, integração econômica…
Brasil 247: O que está faltando?
Filmus: Decisão política dos governos. E estudar e avançar nos assuntos. É importante agregar valor às nossas produções. O comércio bilateral, com a produção automotiva, é a prova disso. Somos complementares. Nossos países têm muita desigualdade social e é com produção, com valor agregado, que podemos reduzir essas diferenças sociais. É o que acredito.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popularAssine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247