Presidente da Frente Ampla do Uruguai diz que Lacalle Pou cometeu "abusos de poder" durante campanha de referendo
Fernando Pereira também questionou Mauricio Macri por intervir na campanha uruguaia: "se alguém do kirchnerismo tivesse feito isso, teríamos um mês de polêmica"
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Agência Regional de Notícias - As últimas pesquisas anteriores ao referendo a ser realizado no Uruguai neste domingo (27) mostram uma tendência de paridade entre as opções de revogar ou manter 135 artigos da Lei de Consideração Urgente, um dos principais carros-chefe do governo Luis Lacalle Pou.
Na reta final da campanha, esses dados favoráveis aumentaram a expectativa entre os defensores do Sim (rosa), a opção promovida pela Frente Ampla de esquerda, a central sindical PIT-CNT e outras organizações sociais, que buscam revogar parte do lei.
“Minha impressão é que o copo está ficando cheio e no domingo as pessoas vão fazer transbordar. Iniciamos a campanha vários pontos abaixo, as pesquisas públicas refletiram isso e também as que pedimos. Na rua havia um enorme desconhecimento dos artigos da LUC, mas o trabalho da militância nos permitiu entrar no alcance e mudar a tendência, avançando para uma vitória do 'Sim'”, disse o presidente da Frente Ampla, Fernando Pereira, entrevistado na quarta-feira pela Agência Regional de Notícias (ARN) .
Pereira argumentou que tal vitória estaria "se apresentando", entre outras coisas, porque os promotores da revogação teriam que competir com “todo o aparato estatal”. “Durante a campanha houve abusos de poder por parte do governo. Lacalle Pou esqueceu que foi eleito para governar para todos os uruguaios. Ele é o presidente de quem vota 'Não', mas também de quem vota 'Sim'. É algo elementar, mas deve ser sempre levado em conta, para cuidar melhor da institucionalidade, coisa que não aconteceu durante a campanha”, lamentou o ex-presidente do PIT-CNT.
Uma questão que gerou desconforto entre os promotores da revogação é que há algumas semanas o presidente anunciou que a campanha terminaria com duas emissoras de rádio e televisão, mas depois mudou a estratégia e optou por conduzir pessoalmente uma coletiva de imprensa no dia seguinte à cadeia de oposição, realizado nesta terça-feira.
“Há certos cuidados que não foram tomados. Eles mudaram as regras do jogo na hora e foi muito injusto . Além disso, quem fala no final de uma campanha? Geralmente o gerente de campanha ou presidente do partido. Mas o Presidente da República não pode ser a pessoa, é algo discutível até em termos constitucionais. O Presidente da República não pode ser o chefe da campanha do 'Não'”, acrescentou.
Para além destas polêmicas, Pereira considera que a campanha pelo 'Sim' foi “muito intensa” e os militantes deixaram “tudo no campo”, com uma aposta especial “cara a cara”. “Os votos não são obtidos apenas por um líder em uma coletiva de imprensa, eles também são obtidos conversando na loja, no supermercado, na feira e na conversa com um vizinho. E isso é jogado até às 19h de domingo", disse.
Lendo os resultados
Para chegar a este referendo, aqueles que são contra os 135 artigos da LUC tiveram que recolher 25% do caderno eleitoral para convocar os cidadãos. Em julho de 2021, cerca de 800 mil assinaturas foram entregues à Justiça Eleitoral .
Neste domingo, os uruguaios terão que decidir entre duas cédulas: a rosa para o 'Sim' à revogação e a azul clara para o 'Não' à revogação. A lei exige que, para revogar total ou parcialmente uma lei , seja necessário obter pelo menos metade mais um dos votos válidos e o voto em branco conta a favor da opção 'Não'.
“Para nós não há resultado satisfatório além da vitória. Hoje estamos trabalhando para vencer no domingo, porque se esses artigos da LUC não forem revogados, as pessoas vão perder direitos e isso seria uma derrota. Outra coisa são os sinais políticos e as leituras que podem ser feitas depois”, admitiu Pereira, consultado sobre a eventualidade de um resultado ajustado a favor do 'Não' pelos votos em branco.
O ex-sindicalista admite que tal resultado também poderia “ser um sinal poderoso para o governo”. “Mas isso será visto depois, hoje eu parto da base de que estamos construindo uma maioria e o único cenário que considero é a vitória. Estamos montando uma coisa muito poderosa, que não tem nada a ver com a liderança da Frente Ampla, do PIT-CNT, da FUCVAM ou da FEUU, mas tem a ver com um papel coletivo, de muitas pessoas que se envolveram, inclusive outras partidas", disse.
O componente de classe
Pereira garante que a “questão de classe” foi um fator que acabou emergindo na campanha do referendo. “Talvez não o digam expressamente por estratégia, mas as principais câmaras empresariais agropecuárias, a Associação Rural do Uruguai e a Federação Rural, e outras câmaras empresariais, defendem os artigos vinculados à regra fiscal e estão de acordo com o espírito da LUC, é notório", disse ele.
Do outro lado, segundo o presidente da FA, estão “os trabalhadores, os cooperados, os estudantes, os artistas, os que vivem em situação de vulnerabilidade social, os grupos docentes, os pais da educação pública”.
“E eles estão começando a se expressar porque o LUC defende certas liberdades que favorecem os mais poderosos, a quem o presidente Lacalle Pou chamou de 'malha de ouro'. Quando todas essas pessoas se juntam, é muito difícil vencê-las. 'O povo unido nunca será derrotado' não é apenas um slogan emocional, é uma confirmação quantitativa de que quando alcançamos certos níveis de unidade como nesta campanha, gera-se um poder difícil de derrotar”, resumiu.
Críticas a Maurício Macri
O ex-presidente argentino Mauricio Macri esteve em Montevidéu, capital uruguaia, na quarta-feira, 9 de março, segundo informou o semanário Busca um dia depois. Em atividade no hotel Sofitel de Carrasco diante de empresários ligados ao mercado de capitais, Macri expressou confiança na vitória do 'Não' e disse que isso significaria um "apoio político" ao presidente Lacalle Pou, a quem elogiou, entre outras coisas, por seu manejo da pandemia.
“Macri se envolver em nossa campanha não me pareceu certo. Se alguém do kirchnerismo tivesse feito isso, certamente estaríamos em um mês de polêmica, mas Macri veio, falou a favor do LUC e ficou até meio escondido na escuridão da campanha. Macri afundou a Argentina, causou um dos maiores prejuízos econômicos e sociais e fomentou uma enorme rachadura na sociedade, por isso espero sinceramente que a opinião de Macri aqui no Uruguai valha muito pouco, pois suas contribuições para a política foram todas desastrosas”, sintetizou Pereira.
O voto de Buquebus
Como em toda eleição, a transferência de uruguaios residentes na Argentina torna-se um assunto de interesse para os comandos eleitorais. Estima-se que quase 120.000 uruguaios vivam no país vizinho e o sistema eleitoral uruguaio não permite votação consular ou epistolar.
“Neste caso a situação não é fácil, porque o câmbio atual não beneficia muito a vinda dos uruguaios. Trabalhamos em um acordo com a Buquebus (empresa de transporte fluvial), mas não avançamos tanto quanto gostaríamos. E fizemos pensando não só nos eleitores da Frente Ampla, mas nos eleitores de todos os partidos”, explicou Pereira.
Em todas as últimas eleições, a empresa Buquebus ofereceu uma alíquota de 50% mais impostos para os uruguaios que venham da Argentina e possam comprovar que estão viajando para votar. Neste caso, além disso, não são permitidas as viagens em transporte terrestre e só é possível cruzar a fronteira binacional em veículos particulares.
O ar regional
Pereira está convencido de que a Frente Ampla pode vencer as eleições de 2024, embora, como esclarece, isso não dependa do resultado do referendo. “Está prestes a voltar porque é um partido que perdeu a eleição no segundo turno por 30 mil votos depois de 15 anos no governo. Está prestes a voltar porque as pessoas vão comparar o que o governo Lacalle Pou está fazendo com o que a Frente Ampla fez em quinze anos e tenho certeza que vão acabar optando pelo retorno da Frente Ampla”, assegurou.
O presidente da FA também confia na “ajuda” que a esquerda uruguaia pode receber devido à “mudança de ares políticos na região”. “A vitória de Boric foi um vento de mudança no Chile, mas também para os demais países, e é claro que com a volta de Lula ao Brasil, o progressismo ganharia enorme força no nível sul-americano. Lula é um líder que ultrapassa largamente a estrutura geográfica do Brasil”, explicou Pereira, que confirmou à ARN que o líder do Partido dos Trabalhadores visitará Montevidéu “nas próximas semanas” para, entre outras coisas, reunir-se com o ex-presidente José Mujica.
Pereira acredita que todos os processos de retorno da esquerda ao governo após alternância com administrações de direita ou centro-direita têm fatores em comum, além das particularidades nacionais.
“Uma coisa é que te dão uma história de mudanças para ganhar uma eleição, que te prometem que não vão baixar os preços dos combustíveis, que não vão baixar os salários, que não vão apertar mais o cinto nos cidadãos, mas na vida real acaba acontecendo justamente o contrário, as pessoas acabam resolvendo pela virada à esquerda”, sentenciou.
O presidente da FA garante que os dois primeiros anos do governo Lacalle Pou já resultaram em queda dos salários reais, aumentos nos combustíveis e nos produtos da cesta básica e maior carga tributária sobre os assalariados.
“Todas as coisas que eles se cansaram de dizer durante a campanha de 2019 que não fariam. Enquanto a maioria vive aventuras, o governo se alegra em economizar dinheiro para os uruguaios. A malha de ouro acumulou US$ 9 milhões nos bancos e outros têm que passar por angústias econômicas, como ter que comer em uma panela popular . Isso é outra coisa em comum, as grandes discussões políticas continuam sendo sobre como nos posicionamos diante da exclusão e da desigualdade”, finalizou Pereira.
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