América latina

Pacto Histórico de Petro simboliza "mudança" exigida pela população e "acabará levando-o à Presidência", diz analista

Cientista político Juan Carlos Rodríguez alerta que relação da esquerda com os militares pode ser complicada, já que as Forças Armadas têm um anticomunismo na chave da Guerra Fria

Gustavo Petro
Gustavo Petro (Foto: Reuters)


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ARN - Para o cientista político Juan Carlos Rodríguez, o esquerdista Gustavo Petro tem mais chances de vencer as eleições colombianas. Isso se deve, em parte, ao fato de o Pacto Histórico liderado por Petro "representar simbolicamente tudo o que se manifestou nas ruas nos últimos anos" e ser a opção de "mudança" no país.

Em caso de vitória, o Petro terá vários desafios, explicou o especialista em entrevista à Agência Regional de Notícias (ARN) . Uma delas será a relação com as Forças Armadas, que são "altamente ideológicas, em termos da Guerra Fria, muito anticomunistas, antiesquerdas". Por isso, alerta para uma relação "complicada" entre o governo e os militares.

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Por outro lado, os empresários estão sendo mais “pragmáticos” , disse ele, e “vão se acomodar de alguma forma” a um governo de esquerda. 

Rodríguez é professor associado do Departamento de Ciência Política da Universidad de los Andes. Ele é um Ph.D. em Ciência Política pela Universidade de Pittsburgh. Atua em questões relacionadas às instituições políticas e à opinião pública. É membro do Observatório da Democracia da Universidad de los Andes, um centro de pesquisa acadêmica sobre opinião pública e comportamento político e social.

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-Lendo um artigo seu de algumas semanas atrás publicado no Boletim da Universidade dos Andes, você disse que, a menos que algo incomum acontecesse, Gustavo Petro ganharia a eleição. Logo após a eleição, aconteceu algo estranho que o fez mudar de visão?

-Até agora não aconteceu nada que me permita dizer que isso realmente mudou. As pesquisas continuam colocando Petro como favorito. "Fico" Gutiérrez parece estagnado e Petro não está nem tão longe de vencer no primeiro turno, embora isso me pareça improvável, mas nada parece ter acontecido que mude as projeções.

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-Observa-se, em todo caso, que o candidato Rodolfo Hernández está crescendo. Isso pode permitir que ele alcance Gutiérrez?

-Com base nos dados das pesquisas, parece ser um fenômeno crescente. Eu explicaria esse crescimento de Hernández no sentido de que o que as pessoas procuram é uma mudança profunda, não mais do mesmo. Tanto Petro quanto Rodolfo Hernández de alguma forma representam isso, de uma maneira diferente, mas representam essa mudança. Acho que esse crescimento de Rodolfo Hernández pode ser explicado por isso, ele é o mais outsider dos políticos. Foi prefeito de uma cidade intermediária, é muito pouco ortodoxo em sua forma de se expressar -alguns o chamaram de Trump colombiano-, com afirmações de que todos os políticos devem ser presos.

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-A eleição está polarizada entre Petro e Gutiérrez?

-Não sei se devo chamar isso de polarização, mas há dois polos que estão atraindo as intenções de voto: Petro à esquerda e Gutiérrez à direita, e o centro que não conseguiu decolar.

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-O que o centro interpretou mal sobre o momento político e social na Colômbia?

-O centro está preso em um dilema muito difícil. Quando as pessoas pedem mudanças profundas, o centro tem a dificuldade de representar essa mudança sem ir a algum lugar. Ficaram sem propostas para aquela mudança que as pessoas procuravam. Por um lado, há a proposta de mudança do Petro que representa isso, e essa mudança pode ter muitos significados e, por outro, há a proteção do status quo, o medo da mudança, representado por Gutiérrez. E no centro não conseguiram articular uma mensagem de mudança mais moderada. Eles são apanhados em ser centristas e, ao mesmo tempo, tentar representar alguma mudança crível. Eles não podiam sair de lá.

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-E o que o Pacto Histórico fez bem para se conectar com essa necessidade de mudança?

-O Pacto Histórico, de alguma forma, representa simbolicamente tudo o que se manifestou nas ruas nos últimos anos. Na Colômbia não houve explosão como no Chile, mas houve algumas manifestações muito importantes nos últimos três anos e o Petro conseguiu canalizá-la, e no Pacto Histórico eles conseguem ter credibilidade quando dizem que representam a mudança. É um movimento que não se origina da classe política tradicional e das elites econômicas tradicionais. De alguma forma, ele representa isso sem ter participado diretamente da mobilização, mas conseguiu captar essas mensagens. O que o Pacto Histórico simboliza em termos de mudança é o que vai levar o Petro à Presidência.

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-O ex-presidente Álvaro Uribe levanta o tempo todo que com Petro vem "narcoterrorismo" e "comunismo", isso continua tendo peso na campanha?

-Acredito que as pessoas já não compram muito dessas coisas, é o que se vê nas pesquisas. Esse discurso do narcoterrorismo e do castrochavismo não tem mais efeito. Vazaram vídeos vergonhosos de empresas que reúnem seus funcionários para conversar com eles sobre o perigo de se tornar a Venezuela ou do dono de uma empresa que fez seus funcionários venezuelanos conversarem com outras pessoas para que vejam onde isso pode acabar. Isso me parece que não gera mais o medo que gerava antes. No ano passado fizemos alguns grupos focais e perguntamos precisamente se as pessoas tinham medo de se tornar como a Venezuela e as pessoas responderam que não viam isso como algo possível.

- Quanta responsabilidade tem o governo de Iván Duque e sua baixa aprovação para explicar que esse discurso de medo deixou de ser eficaz?

-Sem dúvida, acho que tem muito a ver. O Centro Democrático, partido de Uribe, tem tentado se distanciar de alguma forma desse governo porque sabe que é muito mal avaliado. O que acontece é que a direita ficou sem agenda, sem bandeira para pegar. Pela primeira vez em várias décadas, o conflito armado, o processo de paz e o acordo de paz não estão no centro do debate eleitoral. Isso deixa sem bandeira um partido que não consegue articular nenhuma proposta crível, porque também está no governo.

-Como você vê a relação de Petro com os ex-guerrilheiros? É uma questão que a direita usa para bater no candidato.

-Este tema não é usado na campanha. Ninguém quer mostrar o apoio do ex-guerrilheiro, mas é claro que o partido das FARC, o partido dos Comunes, se há alguém que vai apoiar, é o Petro, mas não é uma coisa que ele mostra. Nem teve muito impacto nem afetou Petro na campanha.

-Quais desafios Petro enfrentaria em relação ao processo de paz se chegar ao governo?

-Não sou especialista no processo, mas pensemos: Petro vence e chega ao governo com um congresso muito dividido, tem uma bancada importante -a esquerda nunca teve tanto apoio- e as cinco cadeiras dos Comuns tanto no Senado e deputados vão fazer parte da bancada do governo. Não sei se será suficiente ter governabilidade, mas em termos de processo de paz acho que tem um desafio importante porque é muito importante o abrandamento que foi dado durante este governo à implementação desse acordo e há uma questão que a gente não fala na campanha, que é a reforma rural que está proposta nesse acordo. Pode haver um ponto muito importante para a agenda do governo do Petro, porque se você olhar as pesquisas é um dos pontos do acordo que recebe mais apoio. As pessoas apoiam uma distribuição de terras e menos desigualdade na propriedade da terra, que é uma das causas históricas do conflito. Outra questão a avançar é a proteção de guerrilheiros desmobilizados e lideranças sociais.

-Como você imagina que será a relação do Petro com as Forças Armadas?

- Acho que vai ser uma situação muito complicada. Ao contrário do que acontece em outros países, são forças armadas muito ideológicas, no espírito da Guerra Fria, muito anticomunistas, antiesquerdas, e isso vai ser difícil de administrar. O governo de (Juan Manuel) Santos conseguiu de alguma forma ter uma liderança militar que apoiasse o processo de paz. Mas essa cúpula foi retirada pelo governo Duque e trouxe todos os "tropeiros", como dizem aqui. Seria interessante recuperar aquelas forças militares que pudessem ter um espírito mais democrático e mais respeitoso com o governo Petro. De qualquer forma, acho que será um dos pontos mais difíceis para um governo Petro.

- Existe algum tipo de movimento antidemocrático nas Forças Armadas neste momento?

-Pode haver declarações como ( as do general Eduardo Zapateiro ), que são coletadas por uma mídia de extrema direita como a revista Semana. Gostaria de acreditar nas instituições colombianas, que demonstraram resiliência. Atrevo-me a dizer que não há nada como um golpe militar no horizonte, mas visualizo relações muito difíceis, devido às tentativas que as forças militares podem ter de torpedear o governo Petro. Petro deve procurar aqueles elementos militares que tenham um visual menos homem das cavernas e Guerra Fria.

-Como seria a relação de um governo de esquerda com o empresariado colombiano?

-Petro tem realizado reuniões com empresários e com setores dos sindicatos produtivos. No entanto, a imagem que se projeta é a de um empresariado que está apavorado com a chegada do Petro. Em alguns negócios existem contratos que são chamados de "cláusula Petro", dizendo que se o Petro chegar ao governo o negócio não é feito. Mas acho que é muito mais barulho do que conteúdo. Acho que o Petro tem sido pragmático ao abordar certos setores do empresariado para tranquilizá-los e acho que de alguma forma será eficaz. Aquilo que se diz que vai haver um desmantelamento do investimento e que as grandes empresas vão sair do país, acho que não vai acontecer, não têm muito para onde ir. Os empreendedores também são pragmáticos e vão se acomodar de alguma forma. São mais pragmáticos que os militares, que são mais ideológicos.

-Petro avançou em nomes para sua equipe de governo?

-De nomes ele não divulgou nada até agora. Imagino que ele vá usar essa composição de equipe para tranquilizar determinados setores. No programa tem coisas escritas, por exemplo na reforma da previdência e da saúde, mas o Petro tem uma característica e é que quando ele está em praça pública ele sai com algo que seus assessores tentam conter e minimizar. Portanto, não está muito claro quais são os programas reais, que acho que virão mais tarde. Essas propostas, aliás, terão de ser negociadas em um congresso hostil.

-O que se pode esperar do Petro em termos de relações internacionais?

-A Colômbia perdeu a liderança na região, em parte por causa dessa noção de romper relações com a Venezuela e de alguma forma se afastar de certos espaços multilaterais. A política externa de Duque foi desastrosa. Não se viu muito quais são as ideias de Petro em termos de política externa. Mas imagino que nas relações com os Estados Unidos, que é uma questão importante na Colômbia, você possa aproveitar um evento que aconteceu com as últimas eleições naquele país. O Centro Democrata apoiou Trump contra Biden e os democratas acusaram este governo por isso. Diz-se que Biden não veio e quase não recebe Duque nos Estados Unidos, em parte como represália a isso. Então, essa virada pode ajudar de alguma forma as relações petrolíferas com os Estados Unidos.

É possível que ele tente buscar alianças com governos afins, como o de (Gabriel) Boric no Chile, mas também não está muito claro, porque a política externa não foi um assunto na campanha.

-Boric teve que administrar certas ansiedades da esquerda e neste caso o desafio seria maior, pois seria a primeira vez que a esquerda governaria. Como você vê Petro gerenciando essas ansiedades e como você imagina a relação dele com os movimentos sociais?

-Um dos grandes problemas que o Petro vai ter para administrar essas expectativas é que o setor social é muito desorganizado. Não há sindicatos fortes aqui, exceto talvez o sindicato dos professores, e muitos torcedores do Petro não se sentem representados nem nos sindicatos nem nos movimentos sociais. São setores muito menos orgânicos e isso vai dificultar, de alguma forma, gerenciar as expectativas. Resta saber quanto tempo vai durar o valor simbólico da chegada, que é o que vai gerar entusiasmo generalizado, e quanto disso pode ser capitalizado para traduzi-lo em propostas e programas mais concretos. O Petro tem um histórico de ser um governante que não monta muito bem os times, sempre teve dificuldades. Quando ele estava no gabinete do prefeito (de Bogotá) muitos de seus funcionários renunciaram muito em breve, em parte por causa dessa personalidade complicada. Acho que vai depender muito de como você se cerca e de como você administra esse time, mas o histórico não é muito promissor.

-Do ponto de vista da opinião pública, como o Petro mudou em relação à campanha de 2018?

-Petro tem a vantagem de vir de quatro anos de campanha, demora muito mais que os outros. Ele teve mais tempo para organizar as coisas um pouco de baixo. O Pacto Histórico não é um partido, mas tenta ser uma coalizão de diferentes movimentos de esquerda, também desorganizados, mas que de alguma forma conseguiram a votação histórica no Congresso. Essa boa votação continua a me surpreender, mas é claramente um trabalho de muito tempo. Moderou um pouco o discurso e para ser uma alternativa credível teve de sair dos maximalismos que tinha demonstrado. Por outro lado, há esses quatro anos de governo de Duque, que o deixam de bandeja com a possibilidade de ser presidente.

-Após as eleições parlamentares de 13 de março, falou-se de problemas na contagem dos votos e foram feitas referências a possíveis fraudes. Há algo de real nisso ou faz parte da campanha eleitoral?

-Tem muita retórica de campanha e o curioso é que essa retórica tem sido usada mais pela direita do que pelo Pacto Histórico. Os que alertaram para a possibilidade de fraude baseiam-se no fato de que nas eleições de 13 de março houve um erro de desenho nos cartões eleitorais que fez com que muitos votos do Pacto Histórico não fossem contados inicialmente. Então a retórica da direita é que muitos votos da esquerda apareceram do nada e isso é fraude e isso vai acontecer nessas eleições. Acredito que a possibilidade de fraude massiva é muito pequena porque o que aconteceu nas eleições de 13 de março foi um problema de projeto que dificultou de alguma forma a contagem. É possível que existam movimentos fraudulentos em alguns locais, mas que haja um movimento que mude o resultado da eleição é algo que não aconteceu na Colômbia nos últimos anos, e acho que não vai acontecer neste momento. Então, é mais uma retórica de campanha que curiosamente defende a direita que está no governo.

-Você disse que vê dificuldade para o Petro ganhar a presidência no primeiro turno, será que nos últimos dias houve uma mudança que lhe permitirá vencer neste domingo?

-Pode acontecer que esse processo de crescimento que o Petro parece ter neste momento seja suficiente para ele vencer no primeiro turno. O objetivo da campanha do Petro é esse, por isso eles têm uma metáfora do carro dizendo "a mudança na primeira marcha". A ideia dele é chegar à mudança no primeiro turno. Acho que eles não serão capazes de vencer em primeiro, mas também não será muito difícil para eles vencerem em segundo.

-Onde está o uribismo hoje? Será a referência da oposição ou está chegando ao fim?

-Aqui temos o costume de emitir certidões de óbito das partes e elas nunca morrem. Mas acho que o Uribismo está em claro declínio, foi visto nas eleições legislativas em que o Centro Democrático foi o grande perdedor. A grande incógnita é ver no que se vai tornar este uribismo da oposição, uma oposição muito diminuída, mas não ouso dizer que acabou o uribismo.

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