América latina

Centrismo de Boric ameaça governo no Chile, diz Juan Pablo Cárdenas

Jornalista chileno premiado aponta contradições do governo de Boric frente às crises sócio-econômica e política do Chile e pergunta: “quanto à esquerda Boric quererá ir?”

(Foto: Reprodução/Twitter Gabriel Boric)


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Um artigo de Juan Pablo Cárdenas* originalmente publicado em espanhol no Pressenza. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Quanto à esquerda Boric quererá ir?

O presidente Gabriel Boric tem confiança de que a sua Reforma Tributária encontrará o mais amplo apoio no Congresso Nacional. Se levarmos em conta a atual conformação política do Poder Legislativo, isto significa que esta iniciativa deva ser respaldada pela direita, ou uma boa parte desta, para que se torne Lei.

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Como foi assinalado, o governo precisa reunir recursos para financiar o seu programa de governo e a melhor, ou mais fácil, forma de obtê-los é aumentando os impostos das pessoas e das empresas. Em todo o caso, não existe proposta alguma para “revolucionar” a economia, estatizar os meios de produção, retomar para administração do Estado as grandes minas de cobre e concretizar outras ações que seriam próprias de uma gestão de esquerda, ou de centro-esquerda. Além, é claro, do inegável propósito das autoridades para resolver os problemas mais pressionantes dos milhões de pobres que se constatam em todo o país. Especialmente em um dos invernos mais cruéis das últimas décadas.

Antes de se iniciar a discussão parlamentar, já se reconhece que o Chile nem sequer vai chegar aos padrões tributários dos países capitalistas integrantes da OCDE, entidade à qual muitos se ufanam de pertencer. Mas, apesar disso, já há legisladores de direita que propõem postergar a Reforma Tributária, argumentando que a intensa discussão que esta provocaria poderia afugentar os investimentos. Eles inclusive nos advertem que existem enormes recursos que estariam saindo do país devido aos temores que, tudo considerado, provoca uma gestão governamental na qual o Partido Comunista desempenha um papel relevante.

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Apesar de já se ter iniciado a discussão sobre a reforma tributária, a classe política chilena se mantém mais envolvida com o plebiscito de saída que aprovará ou rechaçará, em setembro, o novo texto constitucional proposto pela Convenção Constituinte – a qual acaba de completar a sua tarefa. Frente à estreiteza dos resultados que são previstos, parece muito apropriado que as autoridades oficiais tenham divulgado a ideia de que o Programa Boric só poderá se materializar com a aprovação e entrada em vigor de uma nova Carta Fundamental. Pela mesma razão, que agora o Mandatário envida esforços atrasados para desvincular o destino do seu governo dos resultados desta consulta cidadã, dado que é muito possível que muitos eleitores expressem o seu repúdio aos atuais moradores de La Moneda [palácio presidencial], votando pela “rejeição” deste texto.

Na verdade, no Chile atual são muitas as restrições que temos por causa da inflação, bem como pelo estado da inédita violência e criminalidade que chega a números sem precedentes. Há toda uma comoção que golpeia principalmente os lares de renda média e baixa, além de desequilibrar o tráfego nas ruas e estradas – sem que as polícias, as próprias Forças Armadas instaladas na região da Araucária, se demonstrem capazes de mitigar os assaltos, os ataques incendiários e os atentados cotidianos de bandos de deliquentes, incrementados pela ação do narcotráfico e dos fluxos migratórios.

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Apesar de que durante o último governo de Sebastián Piñera a oposição, que hoje está no Governo, encorajou a criação de todos os tipos de bônus e benefícios para os chilenos mais afetados pela pandemia e pelo explosivo desemprego, agora os que governam resistem a seguir estendendo estes benefícios por conta do erário nacional – com o que diminuiu ostensivamente o poder aquisitivo de milhares ou milhões de pessoas e famílias.

Muitos dos partidários do atual regime se sentiram gratificados pelo reajuste do salário mínimo aprovado há algumas semanas, com o acordo entre a central sindical e as entidades empresariais. Uma coisa que se celebrou com bumbos e pratos, mas que em poucos dias se tornou um incremento salarial pobre à luz do aumento do custo de vida e, em especial, dos produtos da cesta básica. O mais triste para os que estão voltando a ficar desprotegidos em matéria de renda, é que dificilmente serão respaldados pelos sindicatos e partidos do chamado progressismo – quando se sabe que agora estas entidades têm os seus dois pés no palácio de La Moneda e “um pé na rua”, como ocorreu em alguns governos da ex-Concertación.

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Em todo o caso, das cúpulas políticas transcende a doença de algumas coletividades de esquerda ante a resistência do Executivo em sair em auxílio dos milhões de chilenos que exigem incrementar urgentemente as suas esquálidas rendas. Como se disse no Executivo, já não haverá mais bônus, nem retiradas dos fundos de pensão, apesar que, curiosamente, agora um ex-ministro da Fazenda reconheça que o Estado ainda tem muitos fundos disponíveis para cobrir as novas demandas sociais. Apesar do entusiasmo geral que estimula o excelente panorama que oferecem as exportações de cobre.

A perda de popularidade dos novos governantes, a deterioração da imagem do próprio chefe de Estado e de alguns dos seus colaboradores, alimenta os rumores sobre uma mudança, ou um ajuste, do gabinete ministerial. O que, de todos os modos, como já se aceita, deveria se materializar durante a próxima primavera – se é que se imporá a “rejeição”, ou se o triunfo da “aprovação” resulte ser muito discreto. Há que reconhecer que, em matéria de opinião pública, a oposição ao Governo se materializa especialmente através da difusão de todos os tipos de pesquisas e mediante o controle estrito dos grandes meios informativos que estão nas mãos dos grandes empresários. Apesar de que, nas redes sociais as forças parecem estar mais equiparadas.

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Por outro lado, a vox populi que a chamada “primeira linha” - quer dizer, os setores mais radicalizados do Estado Social de 2019 – já não se sente satisfeita com a liderança de Gabriel Boric e o acusam de contemporizar com a direita e o grande empresariado. Assim como tampouco lhe perdoam que não faça algo mais para libertar centenas de presos da revolta. Uma promessa eleitoral que suporia, hoje, desafiar o atual ordenamento jurídico, quando muitos detidos são acusados de haver cometido delitos terroristas ou “de sangue”, como a direita prefere qualificá-los.

É muito provável que, à medida que se intensifica o mal-estar social, o protesto se torna mais uma vez incontrolável – seja com, ou sem, o apoio das organizações políticas e superestruturas sindicais. E que, com isto, a esquecida nova Constituição possa sofrer sérios contratempos. Obviamente, devido ao contexto econômico-social, mais do que pelo seu conteúdo – o qual, diga-se de passagem, muitos poucos cidadãos se darão o tempo de ler e analisar. Não há quem duvide que o sufrágio no Chile não se exerce de forma informada como em outras democracias.

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Com certeza, estão se esgotando os prazos para que La Moneda defina com clareza o rumo do seu governo – e isto tem relação, acima de tudo, com as demandas socioeconômicas da população. Além de encarar o que é um dos principais pesadelos sociais: a delinquência desenfreada e o respeito do qual muitos não confiam na lealdade institucional dos uniformizados.

Quanto ao respeito, cabe acrescentar que a moléstia que este também provoca em setores do esquerdismo de que Boric recorreu às Forças Armadas para impôr a ordem na Araucária, contradizendo também a promessa de não recorrer a estas para conseguir a paz naquela convulsionada macro-zona ao sul do país.

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Mesmo assim, em matéria internacional, parece que o desejo do novo mandatário é de afastar-se o quanto mais possível dos regimes de esquerda condenados pela Casa Branca. Ele é criticado por estar mais preocupado em fazer pródigos sorrisos para a Casa Branca e ao primeiro mundo, do que fazer acordos com a região e o Terceiro Mundo. Soou verdadeiramente estridente para muitos a sua mensagem extemporânea de solidariedade com o presidente ucraniano, em meio a um conflito que encerra demasiadas incógnitas e desenlaces.

*Juan Pablo Cárdenas Squella é um jornalista e professor universitário de vasta trajetória. Em 2005, ele recebeu o prêmio nacional chileno de Jornalismo e, antes, a Palma de Ouro da Liberdade, outorgada pela Federação Mundial de Imprensa. Ele também recebeu o Prêmio Latinoamericano de Jornalismo, a Houten Camara da Holand (1989), entre outras diversas distinções nacionais e estrangeiras. Cárdenas faz parte dos sessenta jornalistas do mundo considerados como Heróis da Liberdade de Expressão – um reconhecimento outorgado pela Federação Internacional de Jornalistas. Ele foi diretor e colunista das revistas Debate universitario, Análisis y Los Tiempos, bem como do diário eletrônico www.primerialinea.cl. Por mais de 18 anos, foi diretor da Radio Universidad de Chile e do seu diário digital. Ele desempenhou a função de professor de várias escolas de jornalismo de Santiago e Valparaíso e chegou ao grau de professor titular e senador universitário na Universidad de Chile.

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